quarta-feira, 29 de maio de 2024

Riscos climáticos aumentam e cobram preço humano e econômico

 

Ao longo do período de 50 anos, os riscos climáticos, representaram 50% de todos os desastres, 45% de todas as mortes relatadas e 74% de todas as perdas econômicas relatadas em nível global.


Riscos relacionados à água dominam a lista de desastres em termos de custos humanos e econômicos nos últimos 50 anos, de acordo com uma análise abrangente da Organização Meteorológica Mundial (WMO).

Dos 10 principais desastres, os perigos que levaram às maiores perdas humanas durante o período foram secas (650 000 mortes), tempestades (577 232 mortes), inundações (58 700 mortes) e temperaturas extremas (55 736 mortes), de acordo com para o próximo Atlas de Mortalidade e Perdas Econômicas de Extremos de Tempo, Clima e Água da OMM (1970-2019).

No que diz respeito às perdas econômicas, entre os dez maiores eventos estão tempestades (US $ 521 bilhões) e enchentes (US $ 115 bilhões), de acordo com trecho do Atlas, que será publicado em setembro.

Inundações e tempestades causaram as maiores perdas econômicas dos últimos 50 anos na Europa, a um custo de US $ 377,5 bilhões. A enchente de 2002 na Alemanha causou US $ 16,48 bilhões em perdas e foi o evento mais caro na Europa entre 1970 e 2019. No entanto, as ondas de calor tiveram o maior número de vítimas humanas.

Os dados mostram que, ao longo do período de 50 anos, os riscos climáticos, representaram 50% de todos os desastres (incluindo riscos tecnológicos), 45% de todas as mortes relatadas e 74% de todas as perdas econômicas relatadas em nível global.

Mudanças Climáticas

“Perigos climáticos hídricos estão aumentando em frequência e intensidade como resultado das mudanças climáticas. O custo humano e econômico foi destacado com efeito trágico pelas chuvas torrenciais e inundações devastadoras e perda de vidas na Europa Central e na China na semana passada, disse o Secretário-Geral da OMM, Prof. Petteri Taalas.

“Ondas de calor recordes recentes na América do Norte estão claramente ligadas ao aquecimento global”, disse o Prof. Taalas, citando uma rápida análise de atribuição de que as mudanças climáticas, causadas pelas emissões de gases de efeito estufa, tornaram a onda de calor pelo menos 150 vezes mais provável de acontecer .

“Mas, cada vez mais, episódios de chuvas pesadas também carregam a pegada da mudança climática. Conforme a atmosfera fica mais quente, ela retém mais umidade, o que significa que choverá mais durante as tempestades, aumentando o risco de inundações ”, disse o Prof. Taalas.

“Nenhum país – desenvolvido ou em desenvolvimento – está imune. A mudança climática está aqui e agora. É imperativo investir mais na adaptação às mudanças climáticas, e uma maneira de fazer isso é fortalecer os sistemas de alerta precoce de múltiplos perigos ”.

A água é o principal veículo pelo qual sentimos os impactos das mudanças climáticas. Para enfrentar com eficácia os desafios da água e do clima, devemos trazer as mudanças climáticas e a água para a mesma mesa – na mesma conversa: Enfrentá-los como um só. É por isso que a OMM está liderando uma nova Coalizão de Água e Clima, uma comunidade de atores multissetoriais, guiada por uma liderança de alto nível e focada em água integrada e ação climática, disse o Prof. Taalas.

Eventos extremos de chuva

Um número crescente de estudos está descobrindo a influência humana em eventos extremos de chuva. Um exemplo são as chuvas extremas no leste da China em junho e julho de 2016, onde se constatou que a influência humana aumentou significativamente a probabilidade do evento, com o sinal menos claro em um terceiro estudo de revisão por pares publicado no suplemento anual do Bulletin of the American Sociedade Meteorológica.

Tendências europeias

Apesar da tragédia em curso, o número de mortes causadas por condições meteorológicas extremas geralmente está caindo por causa da melhoria dos alertas antecipados e da melhor gestão de desastres. Um alto número de mortes causadas por ondas de calor na Europa em 2003 e 2010 deu início a novos planos de ação para a saúde do calor e alertas precoces, que foram creditados por salvar muitas vidas na década mais recente.

Na Europa, no total, 1.672 desastres registrados acumularam 159 438 mortes e US $ 476,5 bilhões em danos econômicos de 1970–2019. Embora inundações (38%) e tempestades (32%) tenham sido a causa mais prevalente nos desastres registrados, as temperaturas extremas foram responsáveis pelo maior número de mortes (93%), com 148 109 vidas perdidas ao longo dos 50 anos.

As duas ondas de calor extremas de 2003 e 2010 foram responsáveis pelo maior número de mortes (80%), com 127.946 vidas perdidas nos dois eventos. Esses dois eventos distorcem as estatísticas sobre o número de mortes na Europa. A onda de calor de 2003 foi responsável por metade das mortes na Europa (45%) com um total de 72.210 mortes nos 15 países afetados, de acordo com um dos capítulos do próximo Atlas.

Na Europa, a distribuição de desastres por perigo relacionado mostra que as inundações ribeirinhas (22%), tempestades gerais (14%) e inundações gerais (10%) foram os perigos mais prevalentes na Europa.

O Atlas da OMM de Mortalidade e Perdas Econômicas por Tempo, Clima e Extremos de Água (1970-2019) (doravante denominado Atlas), que será publicado antes da Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro. O Atlas é baseado no Banco de Dados de Eventos de Emergência (EM-DAT) do Centro de Pesquisa em Epidemiologia de Desastres (CRED).

Informe da World Meteorological Organization (WMO)

in EcoDebate, ISSN 2446-9394





Campos Sulinos: Desmatamento agrava inundações no Rio Grande do Sul

 

Campos Sulinos: Desmatamento agrava inundações no Rio Grande do Sul


O desmate para a expansão urbana e, principalmente, para a produção agropecuária, tem se dado de maneira descontrolada – Foto: Camille Nolasco (c) /BIOTA -FAPESP


Desmatamento – Dados produzidos pela ONG MapBiomas mostram que, entre 1985 e 2022, o Rio Grande do Sul perdeu aproximadamente 3,5 milhões de hectares de vegetação nativa.

Jornal da USP no Ar / Jornal da USP no Ar 1ª edição / Rádio USP

Leis que flexibilizam a proteção ambiental são outro ponto que contribuem para o cenário crítico. O professor Edson Vidal, do curso de Engenharia Florestal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e coordenador do projeto Corredor Caipira de Reflorestamento e Preservação na região de Piracicaba, é assertivo: “O que agravou aquela região é que lá não tinha proteção [vegetativa]”.

O especialista lembra que as mudanças climáticas afetam o mundo todo e que desastres como esses não são particularmente novidade. Mas ele afirma que casos como o do Rio Grande do Sul, em que a mata nativa foi severamente destruída, são muito mais vulneráveis.

O papel da vegetação, nesses casos, é de intermediar a água e o solo. Ele dá exemplos: “Evitar ou reduzir a velocidade da água, fazer com que essa água consiga infiltrar no solo e evitar a erosão”. Sobre o caso do RS, ele complementa: “Se tivesse essa vegetação como uma proteção, provavelmente a situação seria menos catastrófica”.

Bioma nativo

Quando falamos de vegetação nativa, logo pensamos em florestas e matas densas. Mas Edson Vidal diz que não necessariamente, como é o caso do Estado do Sul. Lá, um bioma vasto é o Campos Sulinos, caracterizado por vegetação rasteira, os pampas.

O preconceito de que áreas sem vastas árvores seria inútil acaba por tornar esses campos ainda mais suscetíveis a desmatamentos. “Por ela ser uma vegetação rasteira, as pessoas pensam que ela não tem uma função, mas ela absorve a água, funcionando como uma esponja”, ele diz, ressaltando que sua importância não deve ser subestimada.

O que deve ser feito

Antes de tudo, o que não deve ser feito. O professor comenta como o desmate para a expansão urbana e, principalmente, para a produção agropecuária, tem se dado de maneira descontrolada. Mesmo as leis que existem estão sendo revertidas ou flexibilizadas.

Edson Vidal lembra a redução da extensão mínima das Áreas de Preservação Permanente (APP) nas margens dos rios. É o Projeto de Lei 1709/19, que delega aos municípios a decisão de preservação e diminui pela metade a região mínima prometida (de 30-500 metros para 15-250 metros). Para ele, 15 metros não seria nem perto do suficiente para uma proteção eficaz.

Além disso, ele comenta o caso das cidades. O especialista afirma que algumas cidades terão de ser realocadas. Já nos casos em que isso não é possível, “temos que utilizar a proteção como foram feitos os diques lá na naquela região”, dá o exemplo.

O certo é que, com os desastres se tornando cada vez mais recorrentes, o investimento não pode ser pouco.

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 in EcoDebate, ISSN 2446-9394



A fatura climática chegou: a tragédia no Rio Grande do Sul

 

A fatura climática chegou: a tragédia no Rio Grande do Sul


Artigo de Leonardo Boff

Interrompo minha reflexão sobre os vetores da crise sistêmica atual e as eventuais saídas da crise, em razão da tragédia ambiental ocorrida no Rio Grande do Sul.

As intensas chuvas e as catastróficas enchentes, com as águas invadindo cidades inteiras, destruindo-as em parte, deslocando centenas de famílias, causando milhares de desabrigados ou de desaparecidos e mortos, nos fazem pensar.

Antes de mais nada nossa profunda solidariedade às populações atingidas por esta calamidade de proporções bíblicas. Expressamos nossa compaixão, pois como ensinava Santo Tomás na Suma Teológica “a compaixão em si é a virtude maior. Pois faz parte da compaixão derramar-se sobre os outros – e o que é mais ainda- ajudar a fraqueza e a dor dos outros”.

Todo o país se mobilizou. O povo brasileiro mostrou o melhor de si, sua capacidade de solidariedade e disposição de ajuda, a despeito dos perversos que exploram a desgraça para fins particulares e por mentiras e calúnias.

Seria errôneo pensar que se trata apenas de uma catástrofe natural, pois de tempos em tempos ocorrem fenômenos semelhantes. Desta vez a natureza da tragédia possui outra origem. Temos a ver com a nova fase em que entrou o planeta Terra: a instalação de um novo estágio, caracterizado pelo aumento do aquecimento global. Tudo isso de origem antropogênica, quer dizer, produzida pelos seres humanos mas mais especificamente pelo capitalismo anglo-saxão, devastador dos equilíbrios naturais.

Há negacionistas em todos as esferas, especialmente entre os CEOS das grandes empresas e naqueles que se sentem bem na situação de privilégio, assentados sobre uma situação de conforto. Mas a avalanche de transtornos nos climas, a irrupção de eventos extremos, as ondas de calor intenso e de secas severas, os grandes incêndios, os tornados e as enchentes apavorantes, constituem fenômenos inegáveis. Está tocando a pele dos mais resistentes. Começaram também eles a pensar.

Considerando a história do planeta que já existe há mais de 4 bilhões de anos, constatamos que aquecimento global participa da evolução e do dinamismo do universo; este está sempre em movimento e se adaptando às circunvoluções energéticas que ocorrem no decorrer do processo cosmogênico. Assim o planeta Terra conheceu muitas fases, algumas de extremo frio, outras de extremo calor como há 14 milhões de anos. Nesta época de calor extremo não existia ainda o ser humano que somente irrompeu na África há 7-8 milhões de anos e o homo sapiens atual há apenas 200 mil anos.

O próprio ser humano percorreu várias etapas em seu diálogo com a natureza: inicialmente predominava uma interação pacífica com ela; depois passou a uma intervenção ativa nos seus ritmos, desviando cursos de rios para a irrigação, cortando territórios para estradas; passou para uma verdadeira agressão da natureza, precisamente a partir do processo industrialista que se aproveitou dos recursos naturais para a riqueza de alguns à custa da pobreza das grandes maiorias; esta agressão foi levada por tecnologias eficientes a uma verdadeira destruição da natureza, ao devastar inteiros ecossistemas, pelo desflorestamento em função da produção de commodities, pelo mau uso do solo impregnando-o de agrotóxicos, contaminando as águas e os ares.

Estamos em plena fase de destruição das bases naturais que sustentam nossa vida. Digamos o nome: é o modo de produção/devastação do sistema capitalista anglo-saxão hoje globalizado, com seus mantras: maximização do lucro através da superexploração dos bens e serviços naturais, no quadro de severa competição sem qualquer laivo de colaboração.

Este processo teve um pesado custo, sequer tomado em conta pelos operadores deste sistema. Os danos naturais e sociais eram considerados como efeitos colaterais que não entravam na contabilidade das empresas. Ao estado e não a eles cabia enfrentar tais taxas de iniquidade.

A Terra viva começou a reagir enviando vírus, bactérias, todo tipo de doenças, tufões, tempestades rigorosas e, por fim, um aumento de sua temperatura natural. Ela entrou em ebulição. Iniciamos um caminho sem volta. São os gazes de efeito estufa: o CO2, o metano (28 vezes mais danoso que o CO2), o óxido nitroso e o enxofre entre outros. Só em 2023 foram lançados na atmosfera 40,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono, com consta no relatório da COP 28, realizada no Cairo.

Vejamos os níveis de crescimento desse gás: em 1950 as emissões eram de 6 bilhões de toneladas; em 2000 já eram 25 bilhões;em 2015 subiu para 35,6 bilhões; em 2022 foram 37,5 bilhões e finalmente em 2023,como referimos, foram 40,9 bilhões de toneladas anuais. Esse volume de gazes funciona como uma estufa, impedindo que os raios do sol retornem para o universo, criando uma capa quente, ocasionando o aquecimento do inteiro planeta. Acresce dizer que o dióxido de carbono, CO2, permanece na atmosfera por cerca de 100 a 110 anos.

Como a Terra pode digerir semelhante poluição? O acordo de Paris na COP de 2015 estabelecia cotas de redução desses gazes com a criação de energias alternativas (eólica, solar, das marés). Nada de substancial foi feito. Agora chegou a conta a ser paga por toda a humanidade: um aquecimento irreversível que tornará algumas regiões do planeta na África, na Ásia e também entre nós, inabitáveis.

O que estamos assistindo no Rio Grande do Sul é apenas o começo de um processo que, mantido o tipo atual de civilização dilapidadora da natureza, tende a piorar.

Os próprios climatólogos alertam: a ciência e a técnica despertaram tarde demais para essa mudança climática. Agora não poderão evitá-la, apenas advertir da chegada de eventos extremos e de mitigar seus efeitos danosos.

Terra e Humanidade deverão adaptar-se a essa mudança climática. Idosos e crianças e muitos organismos vivos terão dificuldade de adaptação e sofrerão muito e até morrer. A Mãe Terra daqui por diante conhecerá transformações nunca dantes havidas. Algumas podem dizimar as vidas de milhares de pessoas.

Se não cuidarmos, o planeta inteiro poderá ser hostil à vida da natureza e à nossa vida. No seu termo, poderemos até desaparecer.

Seria o preço de nossa irresponsabilidade, desumanidade e descuido da natureza que tudo nos dá para viver. Não conseguimos pagar a fatura.

Leonardo Boff escreveu Como cuidar da Casa Comum: como protelar o fim do mundo, Vozes 2024; O doloroso parto da Mãe Terra, Vozes 2021;A busca da justa medida: como equilibrar o planeta Terra, Vozes 2021.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394