Imagem: Stockxpert
A água que gasta no banho, a comida que põe no prato e até o tempo em que deixa a luz acesa. O consumo de recursos naturais de uma pessoa pode ser convertido em área. Cálculos internacionais indicam que, para sustentar seu estilo de vida, o brasileiro precisa em média do equivalente a três Maracanãs por ano – área usada, por exemplo, para cultivar alimentos, gerar energia e construir infraestrutura urbana.
Esse cálculo é conhecido como pegada ecológica, termo criado em 1990 pelos pesquisadores americanos Mathis Wackernagel e William Rees. A pegada usa como unidade o hectare global, que, como o hectare normal, tem 10 mil metros quadrados, mas mede a capacidade de produção de recursos naturais de toda a superfície terrestre – o que inclui áreas de cultivo, florestas, rios e mares, mas não desertos e geleiras. O cálculo pode ser tachado de arbitrário, mas é uma forma de dimensionar o impacto que cada pessoa causa sobre o planeta. Reportagem de Fernanda Fave com Abdrea Vialli, no O Estado de S.Paulo.
No mês passado, a ONG americana Global Footprint Network divulgou um índice atualizado com a pegada ecológica do Brasil e de outros 150 países, baseado em dados das Nações Unidas de 2006. De acordo com ele, cada brasileiro tem um pegada de 2,25 hectares globais, ou seja, a produção de tudo o que consome precisa de 22,5 mil metros quadrados.
A média brasileira é um pouco menor que a mundial, segundo a qual cada pessoa na Terra consome 2,6 hectares globais por ano. Mas, e aí está o problema, a Global Footprint calcula que o total disponível de área produtiva no mundo, a chamada biocapacidade, é de apenas 1,8 hectare global por pessoa. Além disso, a biocapacidade vem diminuindo – seja pelo aumento da população ou pela degradação de solos e mares.
Isso significa que os 6,6 bilhões de habitantes do mundo consomem juntos quase 1,5 planeta Terra por ano, com base nos dados de 2006. Ou seja: a população hoje usa em 1 ano recursos que o planeta só consegue repor em 18 meses. No relatório de 2008, baseado em dados da ONU de 2003, a humanidade consumia 1,3 planeta.
“É como se o mundo fosse uma caixa d’água que é abastecida por uma torneira e fornece água por outra, mas a quantidade de água que sai é muito maior do que a que entra”, compara o coordenador do Programa de Educação para Sociedades Sustentáveis da entidade ambientalista WWF-Brasil, Irineu Tamaio. “Por enquanto, a caixa ainda tem água, mas muito em breve ficará vazia. Nós já estamos roubando recursos das próximas gerações.”
Segundo a pesquisa da Global Footprint, se nenhuma mudança for feita na velocidade do consumo e na taxa de crescimento da população, a escassez de recursos naturais pode se tornar realidade antes de 2050. Se fossem levados em conta só os padrões dos países mais ricos, essa data-limite poderia estar ainda mais próxima. Os números só não são piores porque nessa média entram nações muito pobres, onde a oferta de alimentos, energia e infraestrutura é escassa e a emissão de poluentes tem níveis mínimos.
Apenas dez países são responsáveis por 50% da pegada ecológica mundial, e o Brasil está entre eles. No topo da tabela estão Emirados Árabes e Qatar. “Os dois são grandes exportadores de petróleo por um lado e, por outro, importam praticamente tudo o que consomem, porque tem uma área pequena e pouco produtiva para dar conta do seu consumo interno”, explica a diretora de Estratégias da Global Footprint, Jennifer Mitchell. Isso faz com que cada morador desses países tenha pegadas ecológicas próximas de 10 hectares globais. “É diferente dos Estados Unidos, que têm uma das maiores biocapacidades do mundo, mas pegada muito alta por causa da mentalidade consumista da sociedade.”
A pegada dos EUA supera em mais de três vezes a média mundial: é de 9,4 hectares globais (ou mais de 11 Maracanãs) per capita. Assim, se toda a população do mundo tivesse os hábitos de consumo dos americanos, seriam necessários 5 planetas para manter seu estilo de vida e os recursos naturais provavelmente se esgotariam em menos de 20 anos.
MENOS IMPACTO
Jennifer ressalta que, com os mesmos padrões de conforto e bem-estar, os europeus conseguiram atingir uma pegada ecológica de 5 hectares globais per capita, a metade da americana. “O número ainda é alto, se comparado com o que há disponível em termos de recursos naturais, mas mostra que é possível ter a mesma qualidade de vida com impacto muito menor.”
Enquanto os americanos já passaram a fazer parte da lista de devedores ambientais mundiais, o Brasil ainda é considerado um dos maiores credores. O consumo representa só 25% da biocapacidade do País, de 8,87 hectares per capita, a maior do mundo. Ou seja: o brasileiro gasta 3 Maracanãs de recursos naturais por ano, mas têm pouco menos de 11 à disposição.
Além da grande área produtiva, o País tem boa parte de seu território coberto por matas e florestas. “Mas isso não quer dizer que os brasileiros possam começar a consumir mais. O Brasil precisa ter uma boa gestão da sua biocapacidade para o bem de todos os países do mundo, que dependem de suas florestas para absorver carbono e de suas terras para produzir recursos”, alerta Jennifer.
Os dados da Global Footprint mostram uma tendência ao equilíbrio no País. A biocapacidade, que vinha diminuindo de 1961 para hoje, parece estar se estabilizando e a pegada ecológica per capita, que variou pouco ao longo dos últimos 50 anos, caiu lentamente. Essas mudanças podem ter sido causadas por fatores como o desenvolvimento tecnológico, que permite plantar mais num espaço menor de terra. Mas Tamaio, da WWF, alerta que essa situação está mudando. “A tendência é que mais gente tenha acesso ao universo do consumo e a demanda por recursos aumente.”
No entender de Jennifer, apenas melhorias tecnológicas não serão suficientes para expandir a biocapacidade e diminuir a pegada ecológica. Para ela, a melhor forma de reduzir os impactos é promover uma mudança de mentalidade e de hábitos de consumo. Tamaio concorda: “Temos que rever nossas necessidades. Será que preciso trocar meu tênis? É uma questão de consumir só o essencial.”
Atualmente, o cálculo da pegada tem mais de 5 mil variáveis. Pode-se medir o impacto ambiental de municípios, empresas e pessoas. Por incrível que pareça, todos esses cálculos são mais complexos do que apurar o uso de recursos naturais de um país. “Os dados dos países estão centralizados na ONU, enquanto números locais muitas vezes estão espalhados ou nem foram calculados.”
Ainda mais complicado é tentar calcular a pegada ecológica individual. Há três anos, o WWF-Brasil criou uma ferramenta de cálculo pelo site. São 15 questões sobre hábitos de consumo de energia, água, alimentação e transporte. O resultado mostra quantas Terras (de 1 a 4) seriam necessárias se todo mundo tivesse consumo semelhante ao da pessoa que respondeu ao questionário.
PEGADA HÍDRICA
Apesar da complexidade, a tentativa de quantificar o uso de recursos naturais parece ser uma tendência irreversível. Institutos de pesquisa, empresas, ONGs e ONU estão se debruçando sobre números para calcular o quanto países e produtos usam de água – a pegada hídrica.
A Water Footprint Network (WFN) – ou Rede da Pegada Hídrica – nasceu para criar uma ferramenta capaz de medir o quanto de água está embutido em cada bem de consumo. Com sede na Holanda, a entidade já tem cálculos sobre vários tipos de alimento. Para se fabricar 1 quilo de queijo, por exemplo, são necessários 5.000 litros de água. Para 1 kg de arroz, gasta-se 3.400 litros. Para 1 kg de carne bovina, gasta-se, em média, 15.500 litros, levando em conta a criação do gado e o processamento industrial da carne.
Parte da indústria de bebidas e alimentos está interessada em saber qual é a dimensão do seu gasto com água. A primeira empresa a imprimir sua pegada hídrica nas embalagens foi a Raisio, fabricante finlandesa de cereais. A expectativa de Derk Kuiper, diretor da WFN, é que mais empresas abracem a causa da transparência e divulguem esse dado ao consumidor.
“Os grandes grupos do setor alimentício já começam a perceber que não basta gerenciar a água nas fábricas, reduzindo o desperdício”, diz Kuiper. Segundo ele, para se evitar uma crise hídrica no futuro será preciso trabalhar a cadeia de fornecedores, ou seja, o quanto se consome de água no campo, para produzir os alimentos.
“Veja o exemplo da cerveja: para se produzir um copo de 250 mililitros de cerveja são necessários 75 litros de água. E isso ocorre porque o cultivo da cevada, principal insumo da cerveja, consome 1.300 litros por quilo produzido.”
Foi justamente uma indústria de bebidas a primeira empresa brasileira a participar da WFN. A gigante AmBev em breve deve começar a calcular a pegada hídrica de uma de suas marcas. “A maior parte da pegada vem da agricultura”, diz Sandro Bassili, diretor de Responsabilidade Social da AmBev. “Nosso objetivo é ter um número acurado para trabalhar lado a lado com os produtores de cevada.
EcoDebate, 14/12/2009
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César Torres