terça-feira, 6 de abril de 2010

Crise climática. Déficit no debate


O tema, entretanto, que manifesta maior déficit entre os entrevistados é acerca da pouca ou inexistente criticidade ao modelo em curso e seus impactos ambientais. Aqui, a sensação que se tem é que os entrevistados não consideram o tema relevante. A leitura de que o mundo está confrontado com uma crise estrutural e não somente conjuntural e de que as crises econômica, ecológica, alimentar, energética são manifestações de uma crise maior, uma crise de modelo de desenvolvimento de tipo civilizacional – particularmente da sociedade capitalista – se organizar passa ao largo das análises.

Reiteradamente as análises de conjuntura aqui publicadas têm chamado a atenção para aquilo que se considera um tema da maior grandeza mundial: a crise climática. Temos destacado, a partir de inúmeras análises que o planeta Terra dá sinais cada vez mais reiterados e evidentes de esgotamento. Os sistemas físicos e biológicos alteram-se rapidamente como nunca antes aconteceu na história da civilização humana. Alertamos para o fato de que é o tipo de desenvolvimento econômico implantado, especialmente, ao longo dos últimos dois séculos, baseado no paradigma do crescimento econômico ilimitado, na ideia de progresso infinito e na concepção de que os recursos naturais seriam inesgotáveis e de que a nossa intervenção sobre a natureza se daria de maneira neutra, que se encontra a razão do impasse que vivemos.

Quando olhamos o Brasil e o seu processo de reestruturação do capitalismo percebe-se uma distância enorme com essa preocupação. Em tese, existe na retórica, mas está ausente na prática. O governo brasileiro está absolutamente convencido de que o seu papel é induzir o crescimento da economia, função que exerce através do binômio “Estado financiador” e “Estado investidor”, conforme indiretamente atestam os entrevistados. A reestruturação do capitalismo brasileiro não leva em conta a crise maior: a crise climática.

Quando esse tema é confrontado com as entrevistas, depreende-se que os entrevistados permanecem presos à lógica do capitalismo industrial – a obsessão pelo crescimento econômico. É incontestável que o PAC é refém de um modelo de desenvolvimento preso ao século XX porque se coloca de costas para a problemática ambiental e reafirma a lógica produtivista da sociedade industrial. Exatamente no momento em que se fala em descarbonizar a economia [basta pensar no esforço de Copenhague], o país reafirma um modelo tributário ainda da Revolução Industrial. Que alguns entrevistados não concordem com essa interpretação é natural, porém, afirmar que “esses ambientalistas que combatem hidroelétricas deveriam ser levados pelo governo a visitar Itaipu, uma das maravilhas da engenharia brasileira”, como afirma Kucinski é desqualificar a crítica dos que se contrapõem ao modelo e elevar uma obra de enormes impactos ambientais – submersão das Sete Quedas – e sociais a “maravilha” do mundo. Só mesmo numa visão economicista isto é possível!

Bernardo Kucinski está entre aqueles que não veem sentido nos protestos e críticas ao governo Lula de anti-ambiental. Falando sobre o PAC, considera que “não vai na contramão da crise ecológica”, e afirma: “uma das maiores contradições desse tipo de ambientalismo é a condenação da energia limpa e barata gerada pelas hidroelétricas quando – objetivamente – a alternativa é a termelétrica, esta sim, das mais caras e poluentes. As hidroelétricas, além disso, regulam a vazão das águas, reduzindo a frequência e as severidades das enchentes e das secas, garantem o abastecimento de água, criam reservas turísticas, de lazer, de pesca e de navegação. Esses ambientalistas que combatem hidroelétricas deveriam ser levados pelo governo a visitar Itaipu, uma das maravilhas da engenharia brasileira. Eu amo as hidroelétricas bem construídas”, afirma ele. Ou seja, reduzir o debate à escolha entre apenas duas fontes energéticas.

Ladislau Dowbor está entre os que minimizam a problemática ambiental. Segundo ele, “os nossos grandes problemas ecológicos são basicamente as queimadas e o péssimo uso que fizemos de recursos de transporte”. Segundo ele, “nós temos uma matriz energética basicamente limpa, e temos uma perspectiva de bicombustíveis que não pressionam cereais, porque é baseado em cana-de-açúcar, que exige, em termos de território, espaços bastante limitados. Temos muitos espaços a ocupar, somos a maior reserva de terra parada no planeta. No conjunto, o país está evoluindo muito bem”. Dowbor vai mais longe ao afirmar que “lutar com muita força contra as hidrelétricas não é de bom senso”.

Poder-se-ia, nesse sentido, afirmar que em nome de um progressismo de esquerda, alguns autores tornam-se conservadores porque refutam o debate sobre a emergência da crise climática. Destacamos aqui as análises de José Eli da Veiga, Washington Novaes, Ricardo Abramovay, intelectuais que talvez nem se arvorem como sendo de esquerda, mas que estão sintonizados com a nova agenda mundial, e nesse sentido contribuem para o debate dos novos desafios que surgem nesse início de século.

O Brasil está atrasado

O economista José Eli da Veiga em uma recente entrevista ao IHU comenta que o Brasil está perdendo o bonde da história, exatamente por uma visão obtusa de desenvolvimento. Comentando a Conferência de Copenhague, ele afirma: “A importância que eu dou para Copenhague não é tão grande. A transição ao baixo carbono está em curso faz tempo e independe de Copenhagen. Os países que mais rapidamente perceberam que em vez de um problema, uma restrição, isso é uma grande oportunidade para uma nova etapa do capitalismo, já estão há muito tempo investindo em ciência, tecnologia e inovação. Assim, eles possuindo essas tecnologias que poderão ser a solução, terão as oportunidades de negócio. Isso está ocorrendo e vai continuar ocorrendo, seja qual for o resultado de Copenhague. E os países emergentes, como o Brasil, que ficaram nessa linha obtusa de resistência, não investindo em ciência e tecnologia com prioridade, não terão essas tecnologias e continuarão tendo que discutir essa questão de como vão comprar tecnologia dos outros através da tal transferência de tecnologia”.

Segundo Eli da Veiga, “na verdade, o que está ocorrendo é uma tremenda corrida pelas tecnologias, que poderão levar à superação da era fóssil. E outra vez serão os mesmos países que fizeram a revolução industrial que vão levar a melhor nessa. E os países emergentes agiram de uma forma totalmente errada até agora, perdendo a oportunidade de mudar esse jogo”.

O economista afirma que na questão do clima especificamente, infelizmente, o Brasil está atrasado e faz uma dura crítica às elites brasileiras: “As elites brasileiras, em geral, estão absolutamente cegas. Elas estão fazendo a mesma coisa que fizeram no século XIX com a questão fundiária, e no século XX com a educação. Não há foco no Brasil em relação à ciência, à tecnologia e à inovação. E isso é um atraso. O Brasil não será um país desenvolvido neste século se continuar nessa perspectiva”.

O economista faz um alerta: “Não dá mais para fazer essa separação [da economia com o meio ambiente]. Diz ele: “As pessoas que continuam a separar economia e meio ambiente não entenderam nada. Há duas questões no mundo hoje em termos de décadas e em termos de século XXI e, ou o Brasil se insere nisso ou está perdido. Essas duas questões são: o aquecimento global e a ressurreição da China. O Brasil tem que ser competitivo, mas, ao mesmo tempo, com sustentabilidade ambiental”.

Washington Novaes também contribui com esse debate ao alertar que o Brasil se encontra numa encruzilhada histórica que pode ser decisiva para o futuro de nação soberana e um ganho comparativo mundial. Segundo ele, “um país que tem a biodiversidade que o Brasil tem, os recursos hídricos, a insolação o ano todo, enfim, com a riqueza que o país tem, deveria ter uma estratégia que colocasse esse fator escasso no mundo numa posição privilegiada como base de políticas. Mas essa estratégia não existe”.

Que tipo de crescimento econômico queremos?

A grande questão posta hoje é que tipo de crescimento econômico queremos? Por muito tempo, inclusive na esquerda, acreditou-se que o crescimento econômico seria a varinha de condão para a resolução de todos os problemas. Particularmente da pobreza. A equação é conhecida. O crescimento econômico produziria um círculo virtuoso: produção-emprego-consumo. Porém, o axioma de que apenas o crescimento econômico torna possível a justiça precisa ser complexificado. Será que o grande projeto brasileiro é transformar todos os cidadãos em consumidores?

É preciso complexificar o debate. Por isso temos insistido no princípio da “ecologia da ação” de Edgar Morin como um princípio orientador para um projeto de sociedade. Segundo Morin, “desde o momento em que um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja ela, esta começa a escapar de suas intenções. Ela entra num universo de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode tornar-se contrário ao da intenção inicial. Com frequência a ação retorna em bumerangue sobre nossa cabeça”. O que Morin quer dizer é que toda ação implica em efeitos nem sempre controláveis e que mesmo uma ação realizada com o melhor dos propósitos, pode fugir ao controle e voltar-se contra o objetivo inicial.

O princípio da “ecologia da ação” destaca que doravante toda e qualquer ação deve estar subordinada ao imperativo da crise ecológica, ou seja, faz-se necessário que tenhamos presente o fato de que tudo aquilo que realizamos tem consequências, e sob esta perspectiva urge presumirmos os possíveis efeitos colaterais de nossa ação. A “ecologia da ação” vale ainda mais para as decisões institucionais, particularmente aquelas do mundo dos negócios e do Estado que possuem repercussão maior sobre o conjunto da população e do meio ambiente.

A “ecologia da ação” questiona o atual paradigma civilizacional produtivista-consumista e remete para a necessidade de uma outra economia, outro estilo de vida, outra civilização, outras relações sociais e com o meio ambiente. Faz-se necessário um paradigma que rompa com a racionalidade técnico-instrumental instaurada pela modernidade. Aqui, tanto a direita como determinada esquerda não estão à altura da tarefa exigida. Tanto o liberalismo como certa leitura dogmática do marxismo repousam sobre a noção de um progresso infinito, e repetem exaustivamente o mantra do crescimento. Até mesmo parcela significativa do movimento social é tributária de um jeito de pensar e agir preso às categorias da sociedade industrial, e daí a dificuldade de assimilação em sua agenda de temas que estão para além dessa sociedade.

Propostas simplificadas e descontextualizadas que reproduzem o receituário keynesiano e marxista – matrizes teóricas de outro momento histórico – não nos ajudam a sair da crise, porque são mais parte do problema do que da sua solução, uma vez que bebem na mesma fonte: o desenvolvimento/crescimento econômico como saída para a crise.

Agora, urge a consciência de que a crise ecológica é, antes de tudo, expressão de determinado modo produtivo da sociedade industrial, em vias de esgotamento. Por isso, insistir teimosa e cegamente no produtivismo econômico é ameaçar toda a vida da e na Terra, incluídos os seres humanos, colocando em grave risco a vida das gerações futuras. É impossível evitar uma catástrofe climática sem romper radicalmente com os métodos e a lógica econômica que reinam há 150 anos.

Talvez seja inclusive muito tarde para isso como atesta James Lovelock, para quem “os humanos são muito estúpidos para evitar que as mudanças climáticas impactem radicalmente sobre as nossas vidas ao longo das próximas décadas”.

Conjuntura da Semana. Uma leitura das ‘Notícias do Dia’ do IHU de 22 a 29 de março de 2010 – A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A presente análise toma como referência a revista IHU On-Line edição 322 de 22-03-2010. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 06/04/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

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César Torres