sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sobre Belo Monte, artigo de Mírian Leitão



Por 100 quilômetros o rio Xingu vai passar a ter uma vazão mínima de água, e, às margens dessa área, há tribos, ribeirinhos, floresta. Os técnicos do Ibama escreveram que não garantiam a viabilidade ambiental da hidrelétrica de Belo Monte. Duas das maiores empreiteiras do país desistiram porque acham arriscado demais economicamente. Mas o governo diz que fará o leilão.

Há dúvidas de todos os tipos sobre a hidrelétrica: ambiental, econômico-financeira e política. Por que ignorar tantas dúvidas? Por que leiloar a mais polêmica das hidrelétricas brasileiras a seis meses das eleições com um só grupo interessado? Por que tentar forçar a formação improvisada de um novo grupo, manipulando os fundos de pensão?

A primeira vez que se pensou em fazer essa hidrelétrica foi no auge do poder do governo militar, em 1975. Nem eles, com AI-5, sem audiências públicas, com um estado maior e mais insensato; nem eles, que fizeram Balbina, tiveram coragem de levar adiante o projeto.

O Ministério Público levanta dúvidas sobre várias questões, mas principalmente não entende a pressa do governo:

— Os técnicos do Ibama escreveram que não tiveram tempo de considerar as questões levantadas nas audiências públicas, escreveram que não tinham como garantir a segurança ambiental do empreendimento, há dúvidas sobre a viabilidade econômico-financeira e mesmo assim o governo diz que fará a obra — diz o procurador da República Bruno Alexandre Gutschow, do Pará.

Há vários outros pontos que estão sendo analisados pelo Ministério Público e novas ações podem ser propostas nas próximas horas. Eles entraram com duas ações pedindo a suspensão do leilão. E a vice-procuradora-geral da República, Débora Duprat, enviou um ofício ao presidente do BNDES exigindo respostas para várias perguntas: se o banco fez estudo da viabilidade econômico-financeira do projeto; quanto pretende financiar; se pesou o custo sócio-ambiental de deslocar 50 mil pessoas.

No mês passado, o Ministério Público tinha feito essas perguntas ao BNDES, e ele admitiu que desconhece os detalhes do empreendimento. Estranhíssimo. Ele será o grande financiador, como pode desconhecer?

O governo claramente está forçando a barra diante de todas as dúvidas. Ontem, a Aneel adiou o prazo de inscrição para participar do leilão. E, sem qualquer transparência, o governo tenta montar um novo consórcio.

O Ministério Público se perguntou numa das ações propostas: como manter a biodiversidade da área impactada pela redução da vazão de água? Como manter a segurança alimentar da população da área? Como garantir a navegabilidade do rio? Dúvidas que ficaram sem respostas porque os técnicos do Ibama disseram várias vezes em seus pareceres e de forma contundente o seguinte: “A equipe mantém o entendimento de que não há elementos suficientes para atestar a viabilidade ambiental do empreendimento.”

O pesquisador Francisco Hernandez, da USP, que estudou Belo Monte, define como um “monumento fluvial” o Rio Xingu, pela sua exuberante biodiversidade. O procurador Gutschow diz que há mais espécies de peixes lá do que em toda a Europa.

Mas alguém pode considerar que tudo isso deve ser sacrificado por uma hidrelétrica que será a terceira do mundo e que vai produzir 11 mil MW. Isso é um enorme engano. A produção média mal passará de 4 mil MW, e por três ou quatro meses no ano pode ser de meros 1 mil MW pelo regime das águas do rio.

Alguém pode argumentar que a hídrica é uma energia barata. É mesmo? A obra está calculada em R$ 19 bilhões, mas o que as empreiteiras estão dizendo é que talvez chegue a R$ 30 bi. Essa incerteza é que afasta muitos competidores. Além disso, há o custo não contado dos enormes linhões atravessando a floresta e muito distantes dos centros consumidores.

Pode-se argumentar também que se não forem feitas as hidrelétricas da Amazônia, restará ao Brasil a energia fóssil vinda do carvão, ou petróleo. É mesmo? Há inúmeras outras alternativas num país como o Brasil: biomassa, eólica, solar, eficiência energética, pequenas usinas, marés. A Coppe tem protótipo de usinas de marés, há estudos mostrando que se deveria estimular a autogeração renovável de fontes alternativas pelas indústrias.

Se você concorda com a ex-ministra Dilma, para quem nenhuma dessas fontes pode ser levada a sério, em grande escala, veja os números da Europa: A Alemanha no final de 2009 tinha 25.800 MW de energia eólica; a Espanha, 19.150 MW. Em toda União Europeia, 75 mil MW. Na Dinamarca, representa 20% da energia; em Portugal, 15%. Os Estados Unidos têm 35 mil MW. Isso sem falar do enorme potencial fotovoltaico (solar) do Brasil.

O Brasil explorou intensamente seu potencial hídrico, agora ele está em local distante, de grande impacto ambiental, com custos de construção e manutenção mais altos e incertos. A tendência agora é descentralizar a geração, e produzir barragens menores que reduzam o estrago ao meio ambiente. Enfim, quem pensa que só existe barragem ou fóssil precisa urgentemente atualizar seus conceitos.

* Artigo originalmente publicado no O Globo.

EcoDebate, 16/04/2010

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César Torres