Paulo Pinheiro, Instituto Superior de Agronomia
A carpa herbívora tem granjeado popularidade como agente de luta biológica, no combate às infestantes aquáticas, uma vez que os riscos ambientais e os custos económicos associados ao seu uso são geralmente inferiores a outros métodos utilizados.
Os sistemas de canais de irrigação revestidos, característicos da região Mediterrânica, possuem condições extremamente favoráveis para o estabelecimento de massas de algas e para o crescimento de plantas aquáticas superiores. Estes macrófitos, quando atingem densidades populacionais elevadas, são responsáveis por graves problemas nos diversos canais de rega, de entre os quais se destacam o impedimento do fluxo de água, a redução da capacidade de circulação e distribuição da água e a perturbação do funcionamento dos instrumentos de regulação dos caudais e dos dispositivos de rega.
Devido a esta propensão dos canais de rega em Portugal, torna-se essencial combater as frequentes infestações. Os meios de luta para combate às infestantes aquáticas agrupam-se em físicos, químicos e biológicos.
No nosso País, o único método de controlo vulgarmente utilizado, é a luta física, sobretudo a limpeza manual ou mecânica da vegetação invasora. Não é, contudo, um método muito eficaz, e apenas será indicado para as situações em que ocorrem grandes massas concentradas de plantas aquáticas.
Fig. 1 - Remoção Manual de jacinto-aquático de um canal.
O recurso a herbicidas é uma forma de luta (química) fácil de implementar e com resultados rápidos, no entanto, a sua aplicação é muito perigosa porque pode acarretar efeitos graves e irreversíveis no ecossistema, devido à elevada mobilidade dos componentes químicos utilizados na água.
A luta biológica é um método de controlo da vegetação aquática que pode ser bastante eficiente, que normalmente apresenta bons resultados sobretudo a médio ou longo prazo e, geralmente, os seus custos são significativamente mais reduzidos que os da luta física e/ou química. Uma das mais valias da luta biológica é o facto de causar impactes, para o ecossistema aquático, menos severos e mais facilmente recuperáveis relativamente às outras formas de luta.
A carpa herbívora (Ctenopharyngodon idella), é um ciprinídeo endémico de alguns dos grandes rios de planície do Nordeste da China e da parte adjacente da antiga URSS, mais precisamente da parte leste da Sibéria. Esta espécie consome exclusivamente algas e plantas aquáticas, sendo que a sua principal particularidade morfológica é possuir o tubo digestivo muito curto, com apenas 1/5 do comprimento do intestino das outras espécies piscícolas herbívoras. Esta característica proporciona um rápido processamento e uma rápida eliminação de todo o material vegetal ingerido, tornando esta carpa uma espécie ineficiente no aproveitamento energético do alimento. Como consequência, a carpa herbívora ingere elevadas quantidades de macrófitos aquáticos, o que a torna interessante quando presente em massas de água infestadas.
A carpa herbívora é a única espécie piscícola utilizada, em larga escala, como agente de luta biológica, no combate às infestantes aquáticas. Este ciprinídeo é considerado por diversos autores como o meio de luta biológica mais promissor, tendo ganho grande notoriedade sobretudo a partir do início da década setenta. As características que definem a sua elevada eficiência para esta função advêm do facto de ser um consumidor voraz de uma grande variedade de plantas aquáticas; ser tolerante a uma ampla gama de condições ambientais; em regra, não se reproduzir naturalmente fora do seu habitat nativo; e possuir uma longevidade bastante elevada (até 20 anos), o que permite a gestão dos seus efectivos populacionais a longo prazo.
Recentemente, efectuaram-se ensaios com o intuito de quantificar o consumo de macrófitos aquáticos por carpas herbívoras com 1 ano de idade, utilizando-se dez espécies de plantas aquáticas, identificadas como as principais infestantes de canais revestidos do nosso país, no âmbito de um inventário geral realizado no projecto PAMAF 8186 - “Técnicas de Controlo e Ecologia das Infestantes em Canais Revestidos”. Os ensaios decorreram em tanques de fibra, com plantas recolhidas nos diversos canais.
Este conjunto de ensaios revelou que todas as espécies de infestantes testadas foram consumidas pelas carpas herbívoras, sendo que, para algumas dessas espécies, a taxa de ingestão é bastante elevada. Estas carpas chegam mesmo a ingerir por dia uma quantidade de material vegetal superior ao seu peso corporal. Este facto atesta a elevada polifagia que é característica desta espécie, confirmando a sua capacidade para irradicar a maior parte das infestantes aquáticas existentes nos nossos canais, desde que introduzida nas massas de água em densidades populacionais suficientes.
Fig. 3 - Tanque testemunha, sem carpas.
As carpas herbívoras com 1 ano de idade consumiram as diversas plantas aquáticas invasoras com formas e grandezas diferentes, com nítida preferência pelas pequenas plantas flutuantes (Lemna spp.) e pelos macrófitos aquáticos submersos e, dentro deste último grupo, os que possuem tecidos com baixos teores de fibra (e.g., Chara aspera e o Potamogeton pectinatus). Como a selectividade alimentar desta espécie decresce com o aumento da dimensão dos peixes, é de esperar que a utilização de indivíduos com pelo menos 2 anos idade levará a que os macrófitos mais coriáceos sejam consumidos em maiores quantidades.
Estes resultados foram idênticos aos obtidos entre 1994 e 1996, relativamente ao consumo de espécies de macrófitos aquáticos que proliferam em valas e canais de terra, também existentes no nosso país.
Fig. 4 - Tanque com carpas herbívoras.
Apurou-se que a temperatura da água no nosso País é propícia para esta espécie manter uma intensa actividade alimentar durante a maior parte do ano, ocorrendo apenas no Inverno uma ligeira redução do consumo de material vegetal. Um problema específico dos canais de irrigação é o facto das condições limnológicas estarem bastante degradadas, mas como esta espécie é tolerante a condições ambientais adversas não haverá problemas no estabelecimento dos peixes nestes locais. Uma outra característica que favorece a utilização da carpa herbívora para combater as infestantes dos canais de irrigação, tem a ver com a velocidade da água, que nestes canais pode atingir 1.0 m/s, sendo geralmente bastante inferior, valores estes que não perturbam o comportamento das carpas, o que foi comprovado com diversos estudos de radio-telemetria.
O maior problema da utilização desta espécie como meio de luta biológica poderia estar relacionado com o facto de se tratar de uma espécie exótica e haver alguns perigos associados à sua introdução nos nossos meios aquáticos, mesmo tratando-se de canais de rega, que são massas de água artificiais e naturalmente confinadas. Mas, a probabilidade de reprodução desta espécie, fora do seu habitat natural, é muito reduzida, devido à necessidade da ocorrência simultânea de um conjunto de condições bioclimáticas muito particulares. A conjugação destas condições ambientais é muito rara, sendo este o facto que leva a que, embora se encontre aclimatizada em mais de uma centena de países, reproduza-se apenas em alguns dos países resultantes do desmembramento da União Soviética, em dois rios dos EUA e num do México e do Japão. De qualquer forma, para obviar esta situação, foi desenvolvida, e é actualmente corrente, sobretudo nos EUA, a produção e utilização de carpas herbívoras triplóides, que são funcionalmente estéreis.
Fig. 5 - Cardume de carpas herbívoras.
Como qualquer outra espécie introduzida, também a carpa herbívora pode potencialmente provocar algum tipo de desequilíbrios na dinâmica dos ecossistemas cuja fauna autóctone não inclua este ciprinídeo. Desde a década de oitenta que foram realizados inúmeros trabalhos que incidem sobre as consequências da C. idella no ecossistema aquático, e os seus resultados apontam para impactes não significativos, mesmo em locais onde a espécie se naturalizou, desde que não sejam utilizadas densidades muito elevadas.
A metodologia mais indicada para o controlo destas infestações seria a implementação de um programa de protecção integrada da vegetação aquática, que compreenda a utilização da carpa herbívora conjugada com meios de luta físicos. Não devem ser esquecidas também as medidas de prevenção das infestações, sobretudo a redução da entrada de nutrientes, em toda a bacia de drenagem e não apenas nos canais de rega, pois a água destes últimos provém de albufeiras eutrofizadas.
Fig. 6 - Canal de rega revestido.
Em suma, a carpa herbívora revela uma elevada taxa de ingestão e uma elevada eficiência no controlo da grande maioria das infestantes aquáticas existentes em Portugal. Demonstra igualmente uma grande adaptação às características das massas de água, o que leva a concluir que esta espécie poderá ser um importante instrumento de gestão da vegetação aquática, em canais de rega.
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César Torres