domingo, 14 de novembro de 2010

Cuidar do corpo e do planeta é cuidar da vida


Na visão de Adriano Caceres, o vegetarianismo desponta como estilo de vida capaz de recuperar a saúde debilitada das pessoas e promover a manutenção de um estado de saúde pleno dos indivíduos. Por: Graziela Wolfart

“Quanto mais a criação de animais, em particular a pecuária, for incentivada, maior será a demanda de grãos e, portanto, mais florestas nativas e cerrados terão de ser destruídos para satisfazer essa demanda. Ocorre que essa é uma equação suicida que fatalmente levará os ecossistemas ao colapso. Aí que entra o grande trunfo do vegetarianismo. Esse estilo de vida quebra diretamente com o modelo da agricultura industrial, por simplesmente excluir a proteína animal do processo de produção, que é o apogeu desse sistema”. É dessa forma que o engenheiro florestal Adriano Caceres relaciona o vegetarianismo com o questão ambiental. No seu entender, “uma pessoa que se diz ecologista e ingere grandes quantidades de carne está caindo em contradição, por falar uma coisa e praticar outra”. Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line Adriano defende que “as pessoas têm que começar a entender que alimentar o mundo sem monoculturas, sem venenos e fertilizantes não só é possível como necessário, porque o petróleo, que é o sangue que movimenta a agricultura industrial, acabará em algumas décadas”. E conclui: “cedo ou tarde, o mundo perceberá que o sistema atual de alimentação centrado na carne é termodinamicamente insustentável”.

IHU On-Line – Quais os principais impactos ambientais da agricultura industrial e da pecuária, que influenciam muitas pessoas a adotar o vegetarianismo?

Adriano Caceres – Nossa civilização passou por mudanças profundas e significativas nos últimos séculos, especialmente no modo de produção alimentar, ou seja, na agricultura. Antes de 1950 praticávamos uma agricultura desenvolvida por nossos ancestrais, em plena sintonia com os ciclos naturais, baseada nos conhecimentos tradicionais, desenvolvidos ao longo de milênios e passados de pai para filho, na diversidade de espécies e na fertilidade contínua do solo. Com essa agricultura, conseguíamos sustentar, basicamente, toda a população mundial, produzindo alimentos diversos e de alta qualidade. Praticamente não havia fome, não havia pragas, não havia erosão, tampouco contaminação e assoreamento de cursos de água. Não se falava em sustentabilidade, pois todos sabiam que essa era uma condição óbvia e necessária à vida. Foi então que, a partir de 1950, aconteceu a chamada “revolução verde”, uma grande jogada das corporações transnacionais, transferindo e adaptando tecnologia e conhecimentos desenvolvidos nas duas grandes guerras para a agricultura industrial. Como exemplo, podemos citar os agrotóxicos, que foram inventados para matar pessoas nas guerras e posteriormente foram adaptados para utilização na agricultura. Nossa agricultura milenar foi então brutalmente substituída e praticamente se perdeu, recebendo rótulos de “agricultura primitiva” e “agricultura de subsistência”. Muitos, entorpecidos pela agricultura industrial, diziam que essa “agricultura primitiva” era incapaz de sustentar uma população mundial cada vez mais crescente, sendo esta uma das principais justificativas para a implantação da “revolução verde”.

Um quadro catastrófico

Muitas décadas se passaram e o que a “revolução verde” produziu em termos sociais e ambientais é um quadro catastrófico. O trabalho humano foi substituído pelos tratores e, dessa maneira, dezenas de milhões de pessoas foram expulsas do campo e obrigadas a morar na periferia das grandes cidades. Em termos ambientais, basta dizer que mais da metade das florestas tropicais do mundo já se encontram destruídas. Deram espaço a grandes “desertos verdes”, monoculturas que produzem quantidades absurdas de grãos e cereais ou, pior ainda, terras improdutivas e erodidas, resultado de uma agricultura ineficiente. Estas transformações na agricultura vieram acompanhadas de mudanças na dieta das pessoas, fenômeno conhecido como ocidentalização da dieta, baseado no modelo do “fast-food” e no padrão insustentável de consumo conhecido como ”American Way of Life”. A pecuária é o auge da agricultura industrial. Quanto mais a criação de animais, em particular a pecuária, for incentivada, maior será a demanda de grãos e, portanto, mais florestas nativas e cerrados terão de ser destruídos para satisfazer essa demanda. Ocorre que essa é uma equação suicida que fatalmente levará os ecossistemas ao colapso. Aí que entra o grande trunfo do vegetarianismo. Esse estilo de vida quebra diretamente com o modelo da agricultura industrial, por simplesmente excluir a proteína animal do processo de produção, que é o apogeu desse sistema. No meu entender, uma pessoa que se diz ecologista e ingere grandes quantidades de carne está caindo em contradição, por falar uma coisa e praticar outra.

IHU On-Line – Quais os maiores impactos desses alimentos (agricultura industrial e pecuária) na nossa saúde?

Adriano Caceres – Os maiores impactos dos alimentos industrializados na nossa saúde podem ser percebidos à nossa volta, diariamente. Basta perceber a grande quantidade de amigos e familiares com problemas de saúde, como câncer, obesidade, doenças circulatórias e outras doenças crônico-degenerativas. Estudos feitos na França mostram que dietas inadequadas (com excesso de carnes, laticínios e açúcar) podem ser responsáveis por cerca de 30% de todos os tipos de câncer. Outro estudo mostra que pessoas que ingerem carnes possuem quatro vezes mais chances de desenvolver câncer no intestino do que vegetarianos. Muitas pessoas afirmam que não ingerem mais vegetais e frutas, pela grande quantidade de resíduos de agrotóxicos encontrados nos vegetais. No entanto, existe uma pesquisa que mostra que as carnes e os laticínios podem conter até 10 vezes mais resíduos de agrotóxicos do que os vegetais de maneira geral, além de conterem também substâncias altamente nocivas ao nosso organismo como estrógenos artificiais, metais pesados, hormônios e antibióticos, e outras centenas de substâncias químicas perigosas. Novamente o vegetarianismo desponta como estilo de vida capaz de recuperar a saúde debilitada das pessoas e promover a manutenção de um estado de saúde pleno dos indivíduos. Quando a pessoa deixa de consumir carnes, laticínios e açúcares, ela começa a prestar atenção a outros tipos de alimentos, aumentando a ingestão de frutas, grãos e cereais integrais, que contêm uma grande quantidade de substâncias fitoquímicas benéficas ao nosso corpo, capazes de reverter processos inflamatórios e problemas graves de circulação, bem como outras doenças crônico-degenerativas.

IHU On-Line – Como seria uma nova concepção de alimentação e de produção alimentar, baseada na alimentação viva e na agroecologia?

Adriano Caceres – Fui produtor do vídeo documentário Olhe nos olhos, que propõe uma nova concepção de alimentação natural e produção alimentar, que se baseia na alimentação consciente e na agroecologia, como solução às graves crises econômicas, sociais e ambientais que enfrentamos atualmente e que irão se intensificar cada vez mais. Não estamos propondo uma nova dieta, ou um produto milagroso que irá melhorar a condição de saúde das pessoas da noite para o dia. Estamos propondo uma mudança radical da concepção alimentar, isto é, da ideia que as pessoas têm a respeito da alimentação. A alimentação viva baseia-se no consumo dos alimentos no seu estado natural e em métodos e técnicas simples de preparo dos alimentos, com o uso mínimo de fogo nas preparações. Essas técnicas simples preservam todas as substâncias benéficas dos alimentos, além é claro, do seu sabor, que pode ser facilmente percebido nas receitas deliciosas que produzimos. Não basta apenas mudar nossa alimentação, temos que mudar também o modo como produzimos nossos alimentos. E é aí que entra a agroecologia. Trata-se de uma ciência multidisciplinar que nos fornece a base de conhecimento para a prática da agricultura ecológica, respeitando as leis dos ecossistemas e produzindo sistemas abundantes, capazes de satisfazer plenamente todas as nossas necessidades em relação aos alimentos, aos medicamentos e à energia. Tudo isso sem o uso exagerado de petróleo e sem agrotóxicos e fertilizantes artificiais. O grande segredo da agroecologia é o planejamento e a implantação de sistemas produtivos baseados na biodiversidade e na manutenção da fertilidade natural do solo. É, de certa forma, um resgate dos conhecimentos e da agricultura autêntica que nossos ancestrais praticavam gloriosamente. A diferença é que agora nós temos a ajuda do conhecimento científico que se soma aos conhecimentos tradicionais. As pessoas têm que começar a entender que alimentar o mundo sem monoculturas, sem venenos e fertilizantes não só é possível como necessário, porque o petróleo, que é o sangue que movimenta a agricultura industrial, acabará em algumas décadas.

IHU On-Line – O que faz parte da nova visão da alimentação vegetariana?

Adriano Caceres – Cada vez mais pessoas se dão conta de que a agricultura industrial (monocultura e a pecuária) é uma grande máquina de destruição da vida, do meio ambiente e consequentemente da nossa própria saúde. Uma agricultura doente deixará o solo doente, as águas doentes e produzirá alimentos que deixam as pessoas doentes. Esse modelo só interessa às grandes corporações transnacionais da agricultura e da indústria farmacêutica (muitas vezes são as mesmas), que faturam dezenas de bilhões de dólares por ano, destruindo as florestas e deixando as pessoas sem saúde. Fico muito feliz de ver que nesse mundo existem pessoas que pensam e refletem acerca das questões fundamentais e estratégicas para o bem-estar da humanidade, e tomam decisões importantes como, por exemplo, abster-se do consumo da carne e dos alimentos industrializados. E essas pessoas que pensam e têm coragem para mudar, na maioria das vezes são jovens, são o futuro da nossa nação. E é justamente dentre os jovens que o vegetarianismo cresce mais

IHU On-Line – Quais as principais razões que o levaram a adotar uma dieta vegana e com alimentos vivos?

Adriano Caceres – Certa vez, em agosto de 2005, recebi um e-mail de um site chamado factory farming mostrando os maus-tratos que os animais de criação sofriam. Aquilo me chocou profundamente. De maneira natural, em pensei que simplesmente não queria mais fazer parte daquilo e, portanto, resolvi parar de comer carne. Claro que não foi do dia para a noite. Primeiro deixei de comer carne bovina, e passei uns meses comendo frango caipira, peixe e laticínios. Posteriormente larguei o frango caipira, por nojo que me dava ter de tirar a pele para preparar aquele cadáver. Ainda fiquei umas semanas comendo peixe, até assistir ao documentário A Carne é fraca. A partir de então, deixei de comer peixe e no mesmo ano, pesquisando os males que os laticínios podem causar à saúde humana, deixei de comer qualquer tipo de alimento de origem animal. Pesquisando em livros e em artigos científicos, percebi que a pecuária e a agricultura industrial são os principais fatores que promovem a destruição dos ecossistemas. Aprendi também, com a vasta literatura médica que se encontra à disposição de qualquer pessoa, todos os males que estes alimentos podem causar em nosso organismo. Geralmente as pessoas se tornam vegetarianas por amor e respeito aos animais. Entretanto, há pessoas que simplesmente são insensíveis a isso. Mas se essas pessoas tiverem acesso às informações relativas à saúde e ao meio ambiente, podem mudar de ideia. Em 2006 tive a oportunidade de conhecer o Dr. Alberto Gonzalez , profissional altamente gabaritado da área médica, principal difusor da terapia com alimentação viva no Brasil. A partir de então, minha vida mudou. Aprendi a germinar grãos e sementes, bem como outras técnicas de preparação de alimentos que exigem o mínimo uso de fogo. É o milagre da alimentação viva, que, no meu entender, é a alimentação ideal para que qualquer pessoa mantenha uma condição de saúde, bem-estar e qualidade de vida, transbordando felicidade, paz e alegria diariamente.

IHU On-Line – Quais os principais entraves à adoção do vegetarianismo?

Adriano Caceres – Vejo que os principais entraves à adoção do vegetarianismo não são aspectos nutricionais, tampouco científicos, mas são aspectos culturais. Nossa cultura ocidental ainda é muito ligada ao tempo das cavernas, onde supostamente tínhamos que caçar para sobreviver. Ora, devemos lembrar que os homens das cavernas não eram especialistas em nutrição e, além do mais, o tempo das cavernas já passou. Quando tinha por volta de 20 anos de idade, eu não comia nada de verde, catava até os pedaços de cebolinha no meio do arroz. Eu realmente achava que tudo o que era verde tinha gosto desagradável. Para isso, há uma explicação bioquímica. Sempre fui acostumado a comer muita carne, muito sal, muitos condimentos, muitos laticínios e muito açúcar. Esses “alimentos” viciam as papilas gustativas da nossa língua, fazendo com que não seja possível saborear outros tipos de alimentos. Hoje em dia, como tudo de todas as cores, e aprendi que existe, de fato, um novo mundo de sabores, que está por trás desse véu da alimentação industrializada. Muitas pessoas ainda alegam que os alimentos de origem vegetal não têm gosto e não tem graça, mas se esquecem de que a carne pura é um alimento fétido e sem gosto, que precisa ser cozido ou frito, para que possa ser possível a sua ingestão. E mesmo a carne cozida ou frita ainda é sem gosto, sendo assim, adiciona-se uma grande variedade de temperos (cebola, alho, cebolinha, coentro, orégano), todos eles do reino vegetal, que tornam um pedaço de cadáver fétido e sem gosto em um pedaço de “bife acebolado”.

IHU On-Line – Como está o seu projeto Semente N’Ativa, de difundir as “receitas vivas”?

Adriano Caceres – O projeto Semente N’ativa foi criado em 2008 com o objetivo de difundir a alimentação viva através de palestras, oficinas de culinária, cursos e apresentações. Embora não tenhamos ainda muitas pessoas trabalhando conosco, os resultados alcançados foram extraordinários. É impressionante o número de pessoas interessadas em mudar suas vidas através da alimentação. Atualmente, nosso foco de ação encontra-se limitado devido à ausência de um website, que já está sendo construído. Aproveito para divulgar o projeto Maravilhosa Cozinha Natural, do qual faço parte, que será um curso de alimentação viva à distância que será oferecido ao Brasil inteiro, ainda no primeiro semestre de 2011.

IHU On-Line – Como relacionar vegetarianismo, permacultura e agroecologia?

Adriano Caceres – A permacultura é uma ciência transdisciplinar e uma metodologia de planejamento de ambientes humanos sustentáveis. Através dos conhecimentos da permacultura, podemos planejar e implementar ocupações humanas que são realmente sustentáveis, utilizando a natureza a nosso favor, e não lutando contra ela. A agroecologia nos fornece a base de conhecimento que precisamos para que possamos planejar e implementar sistemas de produção abundantes que possam satisfazer nossas necessidades em relação à alimentação, medicamentos e energia. A maioria das pessoas que praticam a permacultura defende a utilização de animais dentro da propriedade produtiva, chamando a atenção para o fato de que os animais aceleram o processo de ciclagem de nutrientes, através, principalmente de seu esterco, que fertiliza a terra. Alguns chegam até a afirmar que os animais são essenciais em uma propriedade sustentável, tratando os animais como verdadeiras “máquinas” onde se coloca o alimento de um lado e do outro saem penas, esterco e proteína, seus “produtos”. Eu sempre tento trabalhar com outro conceito de permacultura, que de fato entenda a ética como uma ética irrestrita, que se estenda a todos os seres e a todos os ecossistemas. Entendo que os animais possuem suas próprias necessidades e seus próprios sentimentos, assim como nós. Não vejo sentido em escravizar e confinar os animais, sob qualquer pretexto, na maioria das vezes, antropocêntrico. Ainda assim, admito como medida de transição a criação de animais, desde que isso seja feito de maneira responsável e ética, sem ceifar a vida de seres inocentes. Há muitas propriedades permaculturais que utilizam animais para transportar cargas, para arar a terra e para produzir leite e ovos, e fazem isso com respeito e cuidado para com estes seres. Já é uma situação bem melhor do que a exploração e os maus tratos que os animais sofrem usualmente. De todo modo, acredito plenamente que uma propriedade pode ser sustentável sem os animais de criação. Devemos lembrar que processos eficientes de compostagem de lixo orgânico da cozinha e dos nossos próprios resíduos podem suprir toda a nossa necessidade de adubo. Afinal, os verdadeiros responsáveis pela fertilidade do solo são as minhocas e todos os micro-organismos que se escondem embaixo de uma boa camada de matéria orgânica do solo. Acredito que cada um pode fazer o seu papel, em harmonia com os outros seres, contribuindo para o papel central da natureza, bem como seu único objetivo: continuar a vida.

(Ecodebate, 11/11/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

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César Torres