sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Venenos agrícolas matam.


“Nós permitimos que esses produtos químicos fossem utilizados com pouca ou nenhuma pesquisa prévia sobre seu efeito no solo, na água, animais “selvagens e sobre o próprio homem”.
(Primavera Silenciosa – Silent Spring Rachel Carson)

O termo “veneno’’ deriva da experiência concreta do trabalhador rural, e em nossa opinião, constitui a mais digna e acurada denominação para tais produtos, que, desde o inicio da utilização dos biocidas no meio rural, vem observando além de seus efeitos previstos, matarem pragas, também seus efeitos nocivos à saúde humana e animal.
A tecnologia imposta pela Revolução Verde, a partir dos anos 60, fundamentada na melhoria do desempenho dos índices de produção agrícola, e disseminada entre os agricultores maximizou, num primeiro momento, a produtividade, porém criou estreita dependência a essa tecnologia, fazendo aumentar o custo da produção agrícola.

Socialmente, a Revolução Verde representou uma grande ilusão, pois aumentou a concentração de terra e tornou precária a vida dos pequenos agricultores descapitalizados, como também não solucionou o problema da fome no mundo.

Ambientalmente, essa revolução provocou intenso processo erosivo, perda da fertilidade dos solos, perda da diversidade genética e utilização de matriz energética fóssil, altamente poluente, contaminação dos recursos hídricos, solo, alimentos, animais e o próprio homem, pelos venenos agrícolas.

Por aqui, desde o século passado, eram utilizados venenos caseiros, à base de soda cáustica, querosene, carvão mineral, azeite de peixe, entre outros produtos. Até a década de 40, deste século, foram muito utilizados produtos botânicos, piretro, rotenona e nicotina, que eram até exportados. Venenos inorgânicos também foram usados, como o sulfato de tálio, cianeto de cálcio, carbonato de bário e sulfato de cobre, este até hoje sendo utilizado.

A difusão do uso de venenos agrícolas, para o controle de pragas e plantas invasoras na agricultura brasileira, foi favorecida pelo sistema de crédito rural, colocando-os definitivamente no cotidiano dos trabalhadores rurais. Para tanto, o Banco do Brasil tornou obrigatória a destinação de 15% do valor de empréstimos de custeio para aquisição de agrotóxicos, significando dessa maneira, o aval do governo para a ampliação do mercado e preservação financeira à indústria química.

Os venenos agrícolas destroem a vida do solo, principalmente os herbicidas, que eliminam algas, fungos, impede a formação das micorrizas. Os herbicidas bloqueiam, ainda, a atividade de enzimas deshidrogenases, específicas para decomposição da palha (resteva), impedindo, portanto, a formação de húmus. Sabe-se que bactérias existentes no solo como Rizhobium e Azospirilo, ou ainda Azollas, sintetizam nitrogênio do ar, cedendo grande quantidade deste elemento às plantas. Esta oferta gratuita é impedida pelos herbicidas, mesmo em pequenas doses, pela eliminação destas bactérias úteis. Fora isso, outros venenos agrícolas contaminam o solo e exterminam a vida.

Os venenos agrícolas estão entre os mais importantes fatores de risco para a saúde dos trabalhadores e para o meio ambiente. Utilizados em grande escala por vários setores produtivos e mais intensamente pelo setor agropecuário, são ainda utilizados na construção e manutenção de estradas, tratamentos de madeiras para construção, indústria moveleira, armazenamento de grãos e sementes, produção de flores, combate às endemias e epidemias, como domissanitários etc. Enfim, os usos desses produtos excedem em muito aquilo que comumente se reconhece. Dentre os trabalhadores expostos destacam-se, além dos trabalhadores rurais, os da saúde pública, de empresas desinsetizadoras, de transporte, comércio e indústria de síntese. Ressalte-se ainda, que a população em geral também está exposta, seja através de resíduos em alimentos, de contaminação ambiental ou acidental.

Do ponto de vista ambiental, um dos principais problemas causados pelo uso intensivo dos venenos agrícolas é a eliminação de insetos benéficos, chamados inimigos naturais, que contribuem para manter o equilíbrio ecológico.

O uso continuado dos venenos agrícolas perpetua o desequilíbrio ecológico de um agroecossistema. Seu uso crescente pode provocar, também, ainda, a resistência genética de insetos, de plantas e de fungos, resultando no processo pelo qual essas espécies desenvolvem mecanismos bioquímicos que permitem que a dose aplicada já não seja mortal, transmitindo essa resistência às gerações posteriores.

A deriva é um dos principais e maiores problemas, motivos de perdas de venenos agrícolas e conseqüente contaminação ambiental, deriva é tudo aquilo que não atinge o alvo durante a aplicação.

A Constituição Federal atribui ao Poder Público à obrigação de controlar as substâncias que comportem risco à vida, a qualidade de vida e ao meio ambiente, no que se inclui o controle dos venenos agrícolas.

Vivemos sobre o aqüífero guarani, maior reservatório de água potável subterrâneo do mundo que abrange os estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além parte do Paraguai, Argentina e Uruguai, onde se concentra também, a maior produção agrícola do país, arroz, soja, milho, cana-de-açúcar, algodão, que, por sua vez, utiliza quase 80% dos venenos agrícolas consumidos.

A nossa fauna e flora nas zonas agrícolas ou já foi destruída pelos venenos agrícolas, ou está contaminada, pois o controle que existe é ineficiente e relapso, e, também, porque o lucro fácil auferido e o poder econômico da indústria de venenos agrícolas e sua cadeia de distribuição, se sobrepõe ao interesse coletivo. Uma das atividades mais perniciosa e de risco na agricultura é aplicação de venenos agrícolas pela aviação agrícola, pois, ao fazer a pulverização deposita venenos (agressivo) agrícolas altamente tóxicos, combinados com produtos de grande poder de aderência nas plantas, atingindo também aves e animais, potencializando o tempo de intoxicação, levando-os à morte em números alarmantes.

A falta de uma política de conservação da biodiversidade do Bioma Pampa ou Campos Sulinos é evidente, vastas extensões de monoculturas, o modelo adotado pelo grande agronegócio, em que se eliminam completamente os elementos da paisagem natural, reduz-se a biodiversidade ao extremo e exaure-se o solo, tornando impossível produzir de maneira sustentável.

As “Unidades de Conservação” do Pampa, a única Federal APA do Ibirapuitã, que abrange os municípios de Alegrete, Quaraí, Rosário do Sul e Sant’Ana do Livramento, tendo como órgão gestor o Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade , onde dois abnegados técnicos trabalham em condições precárias, as tres Estaduais, Reserva Biológica de Ibirapuitã, Parque Estadual do Espinilho e a Reserva Biológica do São Donato, ainda não saíram do papel, por enquanto, pouca esperança de inversão de tendências.

Há um descuido e descaso na salvaguarda de nossa casa comum, o planeta Terra. Solos são envenenados, ares são contaminados, águas são poluídas, florestas são dizimadas, espécies de seres vivos são exterminadas; um manto de injustiça e de violência pesa sobre dois terços da humanidade. Um princípio de autodestruição está em ação, capaz de liquidar o sutil equilíbrio físicoquímico e ecológico do planeta e devastar a biosfera, pondo assim em risco a continuidade do experimento da espécie homo sapiens e demens (Boff 2004.).

“Ao mesmo tempo em que observamos e percebemos a expansão das fronteiras do agronegócio, também o ocultamento dos impactos negativos como o crescimento da migração e da favelização das cidades, a proletarização e precarização das condições de trabalho e de doenças ocupacionais, aumento da prostituição, degradações ambientais e a contaminação dos alimentos“.

O aperfeiçoamento dos sistemas de controle do uso indiscriminado de venenos agrícolas ainda permanece como ponto relevante da agenda ambiental e de saúde pública, somente ações diversificadas e multisetoriais poderão dar conta para reverter o atual quadro.

Como vemos a classe agronômica não assumiu de fato o receituário agronômico, não está preparada para desenvolver esta atividade, não está levando a sério e com isso quem está perdendo é a nossa classe e a sociedade.

Outro fato que constata a distorção sofrida no processo de implantação do receituário agronômico, a partir de sua proposta inicial, é a verificação de que até mesmo via internet é possível se fazer a compra de venenos agrícolas “a priori”, sema necessidade de uma efetiva avaliação técnica a justificar o ato de comercialização.

“De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 15% dos alimentos consumidos pelos brasileiros apresentam taxa de resíduos de veneno em um nível prejudicial à saúde. Segundo dados da Organização das Nações Unidas, o Brasil é o principal destino de agrotóxicos proibidos no exterior. Dez variedades vendidas livremente aos agricultores não circulam na União Européia e Estados Unidos.”

Do ponto de vista social, a agricultura moderna é responsável por sérios transtornos estruturais. Ela elimina a mão-de-obra no campo e contribui diretamente à hipertrofia das grandes cidades. Só lucra mesmo com a maquinaria pesada e a agroquímica quem já é forte. Ao pequeno agricultor só resta retirar-se e partir para o trabalho assalariado, quando houver.

Inescrupulosamente, a agroquímica promove agressões antes inimagináveis. Basta citar o caso dos ‘desfolhantes’ na Guerra de Vietnã e sua continuação como herbicidas aplicados por avião, para a destruição, em grande escala, da floresta ou vegetação arbustiva, com o intuito míope de transformá-las em pastos simplificados, em monoculturas, ecologicamente insustentáveis (Lutzenberg, 1989).

É tempo de acabar com a mentira de que apenas a agricultura promovida pela tecnologia pode salvar a humanidade da inanição. O oposto é verdadeiro. É preciso uma nova forma de balanço econômico que, à medida que soma o que é chamado de “produtividade” ou “progresso” na agricultura, também deduza todos os custos: as calamidades humanas, a devastação ambiental, a perda da diversidade biológica na paisagem circundante, e ainda, a mais tremenda perda, a biodiversidade em nossos cultivares (Lutzenberg, 2001).

A introdução em grande escala de substâncias desconhecidas na natureza é uma característica da segunda metade do século passado e a denúncia sobre a presença de contaminantes na cadeia alimentar não é nova. Rachel Carson em “A Primavera Silenciosa” (1962), já alertava sobre os riscos da crescente contaminação dos ecossistemas por agentes químicos sintéticos e sobre os efeitos de seu acúmulo para os seres humanos. Mais recentemente, Colborn, Dumanoski & Myers em “O Futuro Roubado” (1996) apresentam um retrato preocupante dos efeitos perniciosos de pesticidas e outros compostos químicos maioria persistentes na gordura de quase todos os organismos vivos-, sobre a fertilidade e a sobrevivência de várias espécies, incluindo o homem. De acordo com esses autores, de 51 químicos sintéticos identificados como causantes de rupturas de mecanismos hormonais, mais da metade, incluindo os PCB’s 5, são produtos que resistem à decomposição natural. “Estes químicos de vida larga serão um legado e um risco, acompanhando àqueles que ainda não nasceram por anos, décadas, ou no caso de alguns PCB´s, por vários séculos“.

Um estudo feito entre 2000 e 2002 com gestantes, por pesquisadores da Universidade de Granada, na Espanha, alertou para o perigo de disruptores hormonais, substâncias químicas, boa parte pesticidas, cuja presença no ambiente, inclusive o urbano, pode ser absorvida pelo corpo de modo imperceptível.

Um dado preocupante dessa contaminação silenciosa foi à descoberta de que 100% das 308 grávidas analisadas terem, pelo menos, um tipo de pesticida na placenta, camada que deveria proteger o feto. Os pesticidas começaram a ser usados nos anos 40, mas apenas na década de 90 se percebeu que a ingestão, por muitos anos de alimentos contendo agrotóxicos, pode ser responsável por alterações hormonais.

Fundamentalmente, a solução dos problemas ambientais está na educação. Mas a educação é um processo lento, demasiado lento para conter ainda a avalanche que se aproxima do estrondo. Para que ainda tenha sentido a educação da juventude, devemos fixar já os novos caminhos, devemos começar logo a reparar o que pode ser reparado. Para isto devemos abjurar a simplória ideologia do crescimento ilimitado, do desenvolvimento sem freios, do preenchimento dos últimos ‘vazios’. A visão da Ecosfera como um todo sinfônico terá que estar na base de nossas considerações políticas e econômicas. (Lutzenberg, 1986)

A problemática da agroquímica é complexa e campeia à ignorância entre os próprios técnicos. Quando burocratas e políticos discutem o problema, o fazem, em geral, em total desconhecimento de causa e a indústria faz questão de não esclarecê-los adequadamente. Ela não esclarece sequer o comércio do qual se serve. A maneira como vem sendo conduzido o negócio da química agrícola, em termos ecológicos, é algo assim como se fosse permitido o comércio livre de bombas atômicas baratas e acessíveis ao público (Lutzenberger, 1975).

A sociedade deve debater e executar ações contra esse modelo e a favor da produção sustentável.

A luta aos efeitos nocivos do uso indiscriminado dos venenos agrícolas, não é tarefa fácil em razão da dimensão dos interesses e da força econômica que tem o setor.

Não adormeças pensando que uma coisa é difícil, pois correrás o risco de seres despertado pelo barulho de alguém que o executa.
Provérbio Americano

11 de janeiro – “DIA DO CONTROLE DA POLUIÇÃO POR AGROTÓXICOS”
Julio Cesar Rech Anhaia – EcoDebate, 12/01/2011

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César Torres