A biodiversidade é, em geral, associada a animais e plantas silvestres. Há, tanto na sociedade quanto entre os ambientalistas, menos consciência e militância em favor da diversidade biológica na agricultura – a agrobiodiversidade – do que da biodiversidade silvestre. Historicamente, o componente cultivado da biodiversidade tem sido negligenciado pelos ambientalistas e pelas políticas e órgãos públicos. Os juristas também têm se ocupado muito pouco do tratamento jurídico da biodiversidade agrícola, mesmo aqueles que se dedicam ao direito ambiental ou socioambiental.
Proteger variedades de mandioca, milho, arroz, feijão e os nossos ecossistemas agrícolas é tão importante quanto fazê-lo com a floresta amazônica, a mata atlântica, o mico-leão-dourado, o lobo-guará etc. Muitas variedades e espécies agrícolas já se extinguiram e outras correm risco de extinção, E a nossa alimentação se baseia em um número cada vez mais reduzido de espécies, com consequências para o meio ambiente e para a nossa saúde, que está diretamente associada à qualidade dos alimentos que comemos. Temos uma alimentação cada vez mais pobre, e poucas pessoas se dão conta das interfaces entre os modelos agrícolas hegemônicos e o padrão alimentar que nos é imposto, e de suas consequências socioambientais: marginalização socioeconômica dos agricultores tradicionais e familiares, perda da segurança alimentar, contaminação das águas, erosão dos solos, desertificação, devastação das florestas etc. Na agricultura, os impactos ambientais afetam a própria base de produção, o agroecossistema.
Apesar dos avanços das leis ambientais, ainda não há nenhuma especificamente consagrada à agrobiodiversidade. As leis que tratam da política nacional do meio ambiente, da política nacional de biodiversidade e do sistema nacional de unidades de conservação não contemplam a biodiversidade agrícola. Pior do que isso é o fato de que as leis agrícolas (sementes, proteção de cultivares etc.) têm sido editadas sem considerar os seus impactos sobre a diversidade genética, de espécies agrícolas e de ecossistemas cultivados. As leis agrícolas têm desconsiderado que a biodiversidade e a sociodiversidade associada são protegidas pela Constituição e que as leis e políticas públicas devem promover a sua conservação e utilização sustentável.
A preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético brasileiro é expressamente determinada pela Constituição (art.225, par.1º, II), assim como a salvaguarda do rico patrimônio sociocultural brasileiro (art. 216), que inclui as variedades agrícolas, as práticas, saberes e inovações desenvolvidas pelos agricultores.
Entre os instrumentos para promover a conservação da agrobiodiversidade, sugerimos a criação de uma categoria de unidade de conservação especialmente destinada à conservação e ao manejo sustentável da agrobiodiversidade, tal como ocorre atualmente com os parques, reservas biológicas e estações ecológicas que abrigam espécies da fauna e da flora silvestres. Essa seria uma forma de promover a conscientização pública para a necessidade de conservação da diversidade agrícola e para as suas implicações em relação à segurança alimentar. Obrigaria também o poder público a definir as áreas prioritárias para a conservação da agrobiodiversidade A biodiversidade agrícola deve ser conservada não apenas em bancos de germoplasma (ex situ), como também nos habitats naturais (in situ) e nas propriedades rurais, pelos agricultores (on farm).
Dentro das “reservas da agrobiodiversidade”, seriam legalmente restringidas as atividades (como exploração de madeira e de minérios, obras de infraestrutura etc.) que podem impactar negativamente a biodiversidade agrícola. Seria limitado o uso de agrotóxicos e de outros poluentes químicos, protegidos os mananciais hídricos (com maior rigor) e estabelecidas normas de biossegurança mais severas, a fim de evitar possíveis contaminações por cultivos transgênicos.
A criação de “reservas da agrobiodiversidade” por si só não será suficiente para minimizar os impactos de um modelo agrícola industrial e insustentável, principalmente se tais reservas forem apenas “ilhas” cercadas por atividades agrícolas insustentáveis. Entretanto, as “reservas da agrobiodiversidade” poderão representar mais um instrumento jurídico para a conservação da agrobiodiversidade. É importante, assim como na criação de qualquer área protegida, que as “reservas da agrobiodiversidade” tenham sustentabilidade política e social e atendam a objetivos mais amplos de desenvolvimento local sustentável e inclusão social, e não apenas de conservação ambiental, e contem com o apoio e participação dos agricultores familiares, tradicionais e agroecológicos
Juliana Santilli, Promotora do Ministério Público do DF, é autora do livro Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores
* Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense.
Proteger variedades de mandioca, milho, arroz, feijão e os nossos ecossistemas agrícolas é tão importante quanto fazê-lo com a floresta amazônica, a mata atlântica, o mico-leão-dourado, o lobo-guará etc. Muitas variedades e espécies agrícolas já se extinguiram e outras correm risco de extinção, E a nossa alimentação se baseia em um número cada vez mais reduzido de espécies, com consequências para o meio ambiente e para a nossa saúde, que está diretamente associada à qualidade dos alimentos que comemos. Temos uma alimentação cada vez mais pobre, e poucas pessoas se dão conta das interfaces entre os modelos agrícolas hegemônicos e o padrão alimentar que nos é imposto, e de suas consequências socioambientais: marginalização socioeconômica dos agricultores tradicionais e familiares, perda da segurança alimentar, contaminação das águas, erosão dos solos, desertificação, devastação das florestas etc. Na agricultura, os impactos ambientais afetam a própria base de produção, o agroecossistema.
Apesar dos avanços das leis ambientais, ainda não há nenhuma especificamente consagrada à agrobiodiversidade. As leis que tratam da política nacional do meio ambiente, da política nacional de biodiversidade e do sistema nacional de unidades de conservação não contemplam a biodiversidade agrícola. Pior do que isso é o fato de que as leis agrícolas (sementes, proteção de cultivares etc.) têm sido editadas sem considerar os seus impactos sobre a diversidade genética, de espécies agrícolas e de ecossistemas cultivados. As leis agrícolas têm desconsiderado que a biodiversidade e a sociodiversidade associada são protegidas pela Constituição e que as leis e políticas públicas devem promover a sua conservação e utilização sustentável.
A preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético brasileiro é expressamente determinada pela Constituição (art.225, par.1º, II), assim como a salvaguarda do rico patrimônio sociocultural brasileiro (art. 216), que inclui as variedades agrícolas, as práticas, saberes e inovações desenvolvidas pelos agricultores.
Entre os instrumentos para promover a conservação da agrobiodiversidade, sugerimos a criação de uma categoria de unidade de conservação especialmente destinada à conservação e ao manejo sustentável da agrobiodiversidade, tal como ocorre atualmente com os parques, reservas biológicas e estações ecológicas que abrigam espécies da fauna e da flora silvestres. Essa seria uma forma de promover a conscientização pública para a necessidade de conservação da diversidade agrícola e para as suas implicações em relação à segurança alimentar. Obrigaria também o poder público a definir as áreas prioritárias para a conservação da agrobiodiversidade A biodiversidade agrícola deve ser conservada não apenas em bancos de germoplasma (ex situ), como também nos habitats naturais (in situ) e nas propriedades rurais, pelos agricultores (on farm).
Dentro das “reservas da agrobiodiversidade”, seriam legalmente restringidas as atividades (como exploração de madeira e de minérios, obras de infraestrutura etc.) que podem impactar negativamente a biodiversidade agrícola. Seria limitado o uso de agrotóxicos e de outros poluentes químicos, protegidos os mananciais hídricos (com maior rigor) e estabelecidas normas de biossegurança mais severas, a fim de evitar possíveis contaminações por cultivos transgênicos.
A criação de “reservas da agrobiodiversidade” por si só não será suficiente para minimizar os impactos de um modelo agrícola industrial e insustentável, principalmente se tais reservas forem apenas “ilhas” cercadas por atividades agrícolas insustentáveis. Entretanto, as “reservas da agrobiodiversidade” poderão representar mais um instrumento jurídico para a conservação da agrobiodiversidade. É importante, assim como na criação de qualquer área protegida, que as “reservas da agrobiodiversidade” tenham sustentabilidade política e social e atendam a objetivos mais amplos de desenvolvimento local sustentável e inclusão social, e não apenas de conservação ambiental, e contem com o apoio e participação dos agricultores familiares, tradicionais e agroecológicos
Juliana Santilli, Promotora do Ministério Público do DF, é autora do livro Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores
* Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense.
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César Torres