A China já emite mais do dobro de EUA e Europa juntos e deve manter esta situação até meados do atual século. Em termos per capita, a China está abaixo dos EUA
“As atividades humanas, principalmente através da emissão de gases de efeito estufa,
inequivocamente, têm causado o aquecimento global”
Synthesis Report (SYR) of the IPCC Sixth Assessment Report (AR6)
A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra e está desestabilizando o equilíbrio climático que prevaleceu nos 12 mil anos do Holoceno. O perigo atual é a civilização ficar presa em um intenso ciclo de catástrofes. Como disse o Secretário-geral da ONU, António Guterres, na abertura da COP27: “Estamos na autoestrada rumo ao inferno climático e com o pé no acelerador”.
O crescimento desregrado trouxe benefícios, mas também muitos custos. De 1773 a 2023, a economia global cresceu 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes. O crescimento demoeconômico dos últimos 250 anos foi maior do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens. O ritmo acelerado de dominação e exploração humana sobre a natureza só foi possível graças ao uso dos combustíveis fósseis (primeiro o carvão, depois o petróleo e o gás). O “ouro negro” promoveu o sucesso civilizacional e o fracasso ambiental.
Indubitavelmente, os hidrocarbonetos turbinaram o progresso humano. A expectativa de vida ao nascer da população mundial, que girava em torno de 25 anos antes da Revolução Industrial e Energética, está chegando aos 75 anos, triplicando em 250 anos. A extrema pobreza global caiu de 94% em 1820 para 10% em 2015. Houve significativos avanços na educação, nas condições de moradia e no acesso aos mais diferenciados bens de consumo. Tudo isto realizado às custas do retrocesso dos ecossistemas, da perda de biodiversidade e da poluição.
O marco inicial do uso generalizado dos combustíveis fósseis se deu a partir do desenvolvimento da máquina a vapor de James Watt (1736-1819), que foi patenteada em 1769. As emissões globais de CO2 eram de apenas 12 milhões de toneladas em 1770 e estavam concentradas, quase que exclusivamente, na Grã-Bretanha. Em 1850, as emissões de CO2 subiram para 200 milhões de toneladas (estando concentradas na Europa Ocidental e na América do Norte). Em 1900, as emissões globais de CO2 chegaram a 2 bilhões de toneladas (com os EUA se igualando à Europa Ocidental).
Em 1950, as emissões alcançaram 6 bilhões de toneladas, com os EUA respondendo por mais de 40% do total. No ano 2000, as emissões atingiram 25 bilhões de toneladas, com os EUA representando 25% e a Europa Ocidental representando 15%. Os países asiáticos e do Oriente Médio aumentaram muito a participação nas emissões. Em 2021, as emissões globais de CO2 atingiram 37 bilhões de toneladas, sendo a China responsável por 31%, os EUA por 13,5%, a Índia e a Europa Ocidental 7,5% cada e o restante distribuído pelo resto do mundo.
Portanto, as emissões de CO2 cresceram muito, especialmente, nos últimos 70 anos e, historicamente, estavam concentradas na Europa e nos EUA. O gráfico abaixo mostra que a maior parte das emissões históricas vinham da Europa até meados do século XX, mas os EUA assumiram a liderança nas últimas décadas. A Rússia e o Japão também são significativos poluidores. Mas o grande destaque dos últimos anos é a China que lidera com grande distância as emissões correntes e já está em 3º lugar em termos de emissões históricas. Projetando até 2050, o gráfico abaixo mostra que a China será a maior poluidora em termos de emissões acumuladas, superando a Europa e os EUA até 2050. A Índia virá em 4º lugar, superando a Rússia em emissões históricas.
Os gráficos abaixo mostram as emissões anuais totais e per capita da China, EUA e Europa entre 1950 e 2021 e projeções até 2050. Nota-se que a China já emite mais do dobro de EUA e Europa juntos e deve manter esta situação até meados do atual século. Em termos per capita, a China está abaixo dos EUA, mas está acima das emissões per capita da Europa. Em termos nacionais, os 3 países mais poluidores atuais são a China, os EUA e a Índia (os 3 países mais populosos do mundo). Mas se for medido as emissões por área territorial, a Índia já está em segundo lugar. Ou seja, os países ricos são os principais responsáveis pelas emissões históricas e os países em desenvolvimento respondem pelas maiores emissões correntes no século XXI.
Todas essas emissões dos últimos 250 anos, mas especialmente dos últimos 70 anos, implicam um custo muito grande para as pessoas e o ambiente. Os gases de efeito estufa, incluindo o dióxido de carbono, prendem o calor na atmosfera, aceleram o aquecimento global e alimentam os eventos climáticos extremos, como tempestades mais fortes, secas mais longas, ondas de calor mais perigosas e outras mudanças indesejáveis, inclusive doenças como asma e enfermidades cardíacas. Temperaturas mais altas provocam o degelo dos polos, dos glaciares e da Groenlândia e elevam o nível dos mares, podendo afetar mais de 1 bilhão de pessoas que vivem ao redor de áreas litorâneas.
Desta forma, está cada vez mais difícil alcançar a meta de um mundo sustentável, inclusivo e resiliente. Ao invés do sonho de um próspero desenvolvimento humano e ecológico, os indicadores ambientais indicam a iminência de um ciclo de catástrofes (“loop doom”).
Os danos causados pelo aquecimento global são, cada vez mais, claros e a recuperação de desastres climáticos e ambientais estão cada vez mais caros. Os custos ultrapassam dezenas de bilhões de dólares. Além disso, esses desastres costumam causar problemas em cascata, incluindo crises de água, elevação do preço da energia e dos alimentos, inundações, furacões, queimadas, bem como aumento da migração e dos conflitos sociais. Tudo isto drenando os recursos que poderiam ser utilizados para o combate à pobreza, para a restauração ecológica e o aumento da biocapacidade do Planeta.
O relatório “1,5°C – vivo ou morto? Os riscos para a mudança transformacional de atingir e violar a meta do Acordo de Paris”, do Institute for Public Policy Research (IPPR) e da Chatham House, aponta que o mundo corre o risco de cair em um ciclo de catástrofes (“loop doom”) e que os custos para lidar com os impactos crescentes da crise climática e ambiental pode substituir o combate à própria raiz do problema. Evitar um ciclo catastrófico exigiria uma aceitação mais honesta por parte dos políticos dos grandes riscos representados pela crise climática e da perspectiva iminente de ultrapassagem dos pontos de inflexão e da escalada da transformação econômica e social necessária para acabar com o aquecimento global.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, divulgou no dia 20 de março de 2023, o relatório síntese do seu atual ciclo de avaliações sobre o aquecimento global provocado pela atividades antrópicas. Houve um debate sobre as emissões históricas e as emissões correntes de gases de efeito estufa. Historicamente, os Estados Unidos e a Europa foram os maiores responsáveis pelas emissões passadas. Mas a China é a principal responsável pelas emissões correntes e vai passar os EUA e a Europa nas emissões históricas até meados do atual século. A Índia também vai aumentar muito as suas emissões nas próximas décadas. Assim, precisamos olhar para o passado, mas também para o presente e para o futuro.
O fato é que quanto mais tempo ignoramos os avisos explícitos de que o aumento das emissões de carbono está aquecendo perigosamente a Terra, maior será o preço a pagar. E o que surpreende na tendência ao colapso climático é a velocidade com que a temperatura média global aumenta e se traduz em clima extremo. Porém, por mais sombrio que seja o cenário climático, isto não deve inibir as ações para mitigar o aquecimento global para impedir que um futuro angustiante se torne ainda mais verdadeiramente cataclísmico. O fundamental é trocar o crescimento pelo decrescimento, com redução da Pegada Ecológica global.
O relatório do IPCC afirma que um futuro habitável para todos ainda é possível. Todavia, se nada for feito com urgência para reduzir os níveis de poluição e degradação ambiental, poderemos ter, como mostrou o jornalista David Wallace-Wells, crescentes áreas geográficas inóspitas e contabilizadas como parte de uma “Terra inabitável”.
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César Torres