Escolarizar o ambiente ou ambientalizar a escola? Eis a questão.
Zara Faria Sobrinha Guimarães.
Zara Faria Sobrinha Guimarães.
...E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dê semente, ser-vos-á para mantimento.
E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde será mantimento; e assim foi.
E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto.
...Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome.... (GÊNESES:1 e 2)
E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde será mantimento; e assim foi.
E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto.
...Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome.... (GÊNESES:1 e 2)
Cansado da solidão o Deus criador ansioso criou, em sete dias, todas as criaturas da terra, incluindo o homem, feito de barro e o chamou de Adão (que em hebraico significa homem da terra vermelha). Coube a Adão a tarefa de nomear todas as criaturas viventes da Terra e tal nomenclatura perdurou efetivamente até 1735 depois de Cristo quando, um botânico sueco Karl von Linné, conhecido por Lineu, propôs para classificar e denominar animais e plantas as quais atingiram a atualidade.
Conforme a história cristã, o tempo passou no paraíso e as criaturas e o criador viviam em total harmonia, não havendo diferenciação entre eles.
Contudo, com o tempo, o Deus criador decepcionou-se com as ações humanas em relação ao paraíso criado. Arrependido, o criador resolveu extinguir toda sua criação enviando para a terra um grande dilúvio. Mesmo zangado, pediu a Noé, para que salvasse um casal de cada criatura vivente em uma grande embarcação – conhecida como Arca de Nóe. Dessa forma, encontra-se na Bíblia descrito o primeiro projeto de educação ambiental para a preservação da natureza.
Conforme a história cristã, o tempo passou no paraíso e as criaturas e o criador viviam em total harmonia, não havendo diferenciação entre eles.
Contudo, com o tempo, o Deus criador decepcionou-se com as ações humanas em relação ao paraíso criado. Arrependido, o criador resolveu extinguir toda sua criação enviando para a terra um grande dilúvio. Mesmo zangado, pediu a Noé, para que salvasse um casal de cada criatura vivente em uma grande embarcação – conhecida como Arca de Nóe. Dessa forma, encontra-se na Bíblia descrito o primeiro projeto de educação ambiental para a preservação da natureza.
...Farás na arca uma janela, e de um côvado a acabarás em cima; e a porta da arca porás ao seu lado; far-lhe-ás andares, baixo, segundo e terceiro.
Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para desfazer toda a carne em que há espírito de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra expirará.
Mas contigo estabelecerei a minha aliança; e entrarás na arca, tu e os teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos contigo.
E de tudo o que vive, de toda a carne, dois de cada espécie, farás entrar na arca, para os conservar vivos contigo; macho e fêmea serão.
Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para desfazer toda a carne em que há espírito de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra expirará.
Mas contigo estabelecerei a minha aliança; e entrarás na arca, tu e os teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos contigo.
E de tudo o que vive, de toda a carne, dois de cada espécie, farás entrar na arca, para os conservar vivos contigo; macho e fêmea serão.
Das aves conforme a sua espécie, e dos animais conforme a sua espécie, de todo o réptil da terra conforme a sua espécie, dois de cada espécie virão a ti, para os conservar em vida.... (GÊNESES 6: 14 a 22)
Salvos do dilúvio e, ao encontrarem a terra nova, os animais sobreviventes se espalharam pelo mundo livremente assim como os descendentes de Noé que repovoaram a terra, retirando dela seu sustento, coletando e caçando, como parte integrante da natureza. Mas aos poucos se distanciavam dela se apropriando de suas dádivas, impactando seus ambientes... E, dessa forma, recomeçaram um novo ciclo destruidor, que, provavelmente, está desagradando o criador, que deve estar pensando em uma nova forma de extermínio...
Antes do extermínio, porém, algumas tentativas: os descendentes de Noé aspiram criar processo educativo que consiga formar cidadãos capazes de minimizar suas ações impactantes no planeta.
Com a interpretação - um tanto biológica – da escritura sagrada, inicio esse ensaio na tentativa de analisar a maneira pela qual foi construída e está sendo mantida, no ensino formal, a necessidade pedagógica da educação ambiental.
Prefaciando o livro de Moacir Gadotti (2000, p.11)2, Antônio Joaquim Severino afirma ser a prática da educação muito anterior ao pensamento pedagógico, surgindo como prática fundamental da espécie, fato que promove a distinção entre o modo de ser cultural dos homens do modo natural de existir dos demais seres vivos.
É fato que a educação primitiva era essencialmente prática fundamentada na visão animista que contemplava, entre outras coisas, a relação que os homens deveriam ter com seu ambiente na busca de sustento, proteção e respeito. Essa relação era considerada espontânea, natural e limitada a satisfação das necessidades do presente imediato. Dessa forma, o processo educativo não era desvinculado da educação para o ambiente. O homem caçava, coletava frutos e raízes para seu sustento e de seu clã obedecendo aos princípios naturais de conservação e de uso sustentável pois, se assim não o fizesse, morreria de fome no próximo ciclo do tempo.
O conhecimento advindo dessa aprendizagem era transmitido aos jovens pelos componentes mais velhos e mais experientes do clã de maneira ritualizada, utilizando sons, gestos, símbolos
e pinturas. Ao descobrirem, ao acaso, que as sementes dos frutos consumidos germinavam dando origem a novos frutos, o homem primordial ia deixando de migrar para outras regiões, iniciando seu processo de sedentarização. Porém, foi se tornando necessário o acúmulo de recursos alimentares e, com isso, surgiram as relações de poder: quem tivesse coletado, aprisionado ou estocado alimentos em maior quantidade prosperava, quem por ventura não conseguisse o estoque necessário, se afiliava a quem os tinha, devendo para isso obrigações e submissão : a natureza se torna, dessa maneira, uma forma de poder.
Dando saltos na história, a visão animista passou a ser modificada preocupando-se mais com a formação do homem integrando ao ambiente construído - a polis - e a cultura da sociedade numa influência recíproca em detrimento das relações que o educando tinha com seu ambiente (GADOTTI 2000, p. 30)3.
O homem, ao se apoderar da natureza, deixou de se ver como um componente dela, sentindo se seu dono e administrador e, tal idéia fez com que, ao longo do processo evolutivo de sua sociedade, esquecesse a educação para a convivência em seu meio devendo, no entanto, aprender a conviver com seus pares por meio de uma educação institucionalizada.
Nos tempos modernos, com a preocupante constatação de que os recursos naturais são finitos, foi necessário que o próprio homem criasse um processo educativo capaz de contribuir para a formação de uma geração humana consciente de sua responsabilidade de manutenção da vida planetária presente e futura – a Educação Ambiental.
Para tal, reunido com outros de sua dispersa espécie, em grandes reuniões internacionais, buscou idealizar um processo educativo voltado para cuidar do planeta que ele próprio estava destruindo em virtude da ganância pelo poder da natureza – agora sua mercadoria.
Foi necessário pensar em maneiras de educar a humanidade na busca de reencontrá-la à natureza, por meio da construção de um saber capaz de estimular conhecimentos e práticas que minimizassem os danos ambientais até então provocados. E assim surgiram, na década de 70, as grandes conferências. A I Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental em Tbilisi foi uma dessas tentativas.
Sem dúvida, os fundamentos de tal Conferência foram largamente empregados na formulação de projetos que propunham ações educativas para a melhoria do ambiente - os descendentes de Noé aspiravam 'melhorar' a natureza criada por Deus.
A intenção desse tipo de evento era, e ainda é, fomentar, na população mundial, comportamentos positivos em relação ao ambiente e nada melhor que utilizar o processo educativo para atingir tal finalidade.
Durante a Conferência, o Brasil, tendo que assumir compromissos perante as outras nações, deu início às atividades ambientais educativas. Seus órgãos governamentais partiram para a proposição de projetos de ação ambiental por meio de instrumentos legais como Lei n.º 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, a Constituição Federal em seu artigo 225 que assegura a todos o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, a Lei nº 9795/99 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental reconhecendo a educação ambiental como um componente urgente, essencial e permanente em todo processo educativo, formal e/ou não-formal, as Constituições Estaduais, os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Agendas 21, entre outros.
Com isso, a Educação Ambiental passou a dispor de um aparato normativo que promoveu e legalizou seu adentramento aos portões escolares. Como se acreditava que a única instância de promoção de educação era a escola, o ambiente escolar foi se tornando então um grande aliado para a convivência e socialização de saberes relativos à EA, culminando com o surgimento de atividades, mesmo que isoladas, de professores e alunos pela proteção ambiental, por meio do desenvolvimento de atividades de cunho sensibilizador na busca de minimizar a degradação ambiental acelerada pelo crescimento econômico e tecnológico.
A EA transforma-se na escola, num discurso baseado em propostas pedagógicas centradas na conscientização, na mudança de comportamentos, no uso da razão, da sistematização de conteúdos sobre ecologia, na preservação do ambiente natural.
Por ser considerada uma das vias privilegiadas de sensibilização capaz de revolucionar mentalidades e de promover mudanças sociais, a escola deveria, de alguma forma, tentar abrigar e promover a Educação Ambiental para incentivar a formação de um cidadão consciente da necessidade de agir, o quanto antes, para a manutenção da vida no planeta.
Ao longo do tempo, o processo ambiental educativo foi alterando suas feições de protetor da natureza para as de seu uso sustentável, de projetos governamentais para as demais organizações sociais, da inclusão de outras dimensões como a social e ética, indicando, assim, novos rumos a serem seguidos e novas barreiras a serem transpostas.
Dados fornecidos pelo “Primeiro Levantamento Nacional de Projetos de Educação Ambiental”5, em 1997, contribuem para resgatar a história dessas mudanças.
Ao analisarmos a situação da EA no passado percebemos que o processo educativo formal ocupava o terceiro lugar das atividades ambientais desenvolvidas sobre o tema, com o índice
de 27,4% dos projetos analisados. As atividades de ensino mais utilizadas nos projetos eram tentativas de produção de material didático (25,1%) seguidas de treinamento dos professores (23%) e de atividades desenvolvidas no ensino fundamental (22%).
Tais taxas podiam ser explicadas pela natureza incipiente das propostas ambientais educativas da época que não contavam com o apoio de material didático – havendo a necessidade de construí-los, testá-los e avaliá-los.
Os objetivos principais dos projetos analisados pelo levantamento eram os que priorizavam a sensibilização ambiental das crianças e jovens do ensino fundamental e médio, por meio de atividades extra-escolares, pois, a inserção do componente ambiental na escola ainda era muito discutida na comunidade de pesquisadores da educação: o grande problema era saber qual seria o local mais favorável para abrigar o processo ambiental educativo – se dentro ou fora da escola.
Era como se permitissem que a educação ambiental entrasse na escola, porém proibissem-na de entrar na sala de aula. Sem ter um local de abrigo, a atividade ambiental educativa perambulava de uma atividade a outra, e, na maioria das vezes, ficava restrita às atividades comemorativas.
Contudo, mesmo sem um consenso, a escola passou, paulatinamente, a ser considerada por alguns pesquisadores da área da educação como ambiente significativo para o desenvolvimento de atividades ambientais educativas e, dessa forma escolarizamos o ambiente.
Ao adentrar os portões escolares, o processo ambiental educativo foi transformado em
questões pseudo-naturalistas que se embutem em frases repetidas e destituídas de sentido culminando em ações pontuais (e não locais) que pensam questões umbilicais (e não globais). Dessa forma, tal processo ainda não conseguiu cumprir plenamente seus objetivos, daí o questionamento do presente ensaio: escolarizar a educação ou ambientalizar a escola? – O que seria mais eficaz?
Voltando a analisar os dados do relatório de 1997, observamos que os temas dos projetos desenvolvidos no ambiente formal de ensino versavam muito mais sobre as manifestações
naturalísticas de cunho local, o que, de certa forma, condizia com as prerrogativas mundiais propostas em Tbilisi de “agir localmente para pensar globalmente” (frase muito utilizada nos anos noventa). As atividades, cobertas de 'estrangeirismos' procuravam melhorar o planeta em detrimento de seu avanço desenvolvimentista.
No novo século, a escola tomou para si a incumbência de preparar os futuros cidadãos
baseados em princípios ambientais. Mas infelizmente, a grande maioria das ações educativas coloca nossa espécie como único elemento do meio a ser beneficiado. Tais atividades são, em sua maioria, engessadas e possuidoras de uma visão ingênua de “salvarmos o planeta de nós mesmos” ou de propiciarmos um futuro mais sustentável para as nossas próximas gerações.
O que temos percebido na escola é que existem números tipos de discursos ambientais educativos concebendo a EA como “um treinamento em proteção ambiental” (LEFF 2001, p. 205)6 ou como uma “instrução que permita aos estudantes resolver problemas ambientais e lhes dê uma visão e convicções como base para um comportamento responsável com a natureza” (HUNDT, 1966 apud LEFF, 2001). Leff op cit, afirma que os objetivos da EA não serão alcançados por meio do ensino de métodos sistêmicos, de uma prática pedagógica interdisciplinar ou ainda mediante a incorporação de uma matéria de caráter integradora como a ecologia - havendo a necessidade da criação de um “saber ambiental” (LEFF, 2001) e de sua assimilação transformadora às disciplinas que deverão gerar os conteúdos concretos de novas temáticas ambientais.
Em nosso entendimento, para que o saber ambiental possa emergir do atual sistema Educacional deverá repetir a ação das larvas de uma determinada espécie de mosca que, ao nascerem, devoram sua progenitora por dentro, pois, como poderá surgir de um sistema disciplinar de ensino um saber ao qual não se impõe fronteiras?
Talvez seja por isso que Bizerril e Farias (2001) considerem que a inserção do componente ambiental educativo na escola ainda enfrente muitas dificuldades uma vez que a dimensão ambiental é essencialmente interdisciplinar e a escola é essencialmente disciplinarizada.
Na intenção de desenvolver um “saber ambiental” como proposta de uma nova educação, Gadotti, (2000)8 afirma que seria fundamental que o novo sistema educativo fosse apoiado a uma visão holística centrada na liberdade individual na qual prevalece a conectividade de tudo com tudo, na interconexão de todas as coisas propondo para este fim o que chamou de “ecopedagogia” – que é a promoção da aprendizagem do sentido das coisas a partir da vida cotidiana (GADOTTI, 2000, p.78 -79).
A ecopedagogia é baseada na educação problematizadora de Paulo Freire9 e, conforme aborda Leff, 2001, sua implantação implicaria na desconstrução do pensamento disciplinar e simplificador presentes, atualmente, nas instituições escolares.
O próprio Gadotti (2000) sinaliza, no entanto, que como todo movimento novo, a ecopedagogia poderá tomar diferentes direções, inclusive contraditórias, podendo ser entendida diferentemente, como o são as expressões “desenvolvimento sustentável” e “meio ambiente”. Carvalho, 2001,10 sinaliza que as práticas de EA, na medida em que nascem na sociedade e são incorporadas pelo campo educativo, determinam duas grandes vertentes pedagógicas: a EA comportamental - relacionada a necessidade e urgência de conscientizar os diferentes estratos da população sobre os problemas ambientais que ameaçam a vida no planeta valorizando a educação como agente de difusão de conhecimentos sobre o ambiente e a EA popular que compreende o processo educativo como um ato político, que vê a educação como agente de formação de cidadãos críticos.
A maioria das instituições escolares pratica a Educação Ambiental comportamental por entender-se como único agente de transmissão de conhecimentos.
Conforme relata Jacobi (2004)11 a dimensão ambiental na educação formal se apresenta como um corpo sólido de objetivos e princípios com conteúdos e metodologias próprias que reduzem a educação ambiental a uma inserção através de temas transversais e dos projetos interdisciplinares que passam a funcionar como receitas que ditam padrões pedagógicos unificados culminando por escolarizar a
educação ambiental.
Para Tristão (2004) a abordagem interdisciplinar da Educação Ambiental dificilmente é efetivada nas ações pedagógicas na escola, pois para sua realização seria necessário uma descentralização de poder, além da superação da fragmentação do conhecimento.
Inversamente, se conduzirmos as atividades formais educativas de maneira a reorganizarmos a proposta pedagógica de educação ambiental para a busca da percepção da complexidade e da multiplicidade dos contextos de aprendizagem que ela pode apreender busca remos uma prática pedagógica mais reflexiva na qual poderemos ao invés de escolarizar a EA, ambientalizar a escola.
“A ambientalização do conhecimento terá mais condições de ocorrer na medida que se promova uma reestruturação de conteúdos, em função da dinâmica da sua própria complexidade e da complexidade ambiental em todas as suas manifestações: sociais, econômicas, políticas e culturais” (JACOBI, 2004, p.28).
Talvez assim, a escola ambientalizada nos possibilite reescrever a expressão “desenvolvimento sustentável” em “desenvolvimento situado” (SILVA, 2005) e a Educação Ambiental, seja incorporada ao processo educativo (ou vice-versa) não institucionalizado que finalmente consiga reintegrar homem natureza, não com a visão ingênua de volta à natureza do homem primordial, mas um homem ser social consciente de seu papel crítico e inovador.
Não tendo como antever o que poderá acontecer com a educação se ambientalizarmos a escola ou se continuarmos a escolarizar o ambiente, mas, percebendo o caminho errante da atual proposta ambiental educativa, ponho-me a esperar pelo novo, não como uma tábua de
salvação, mas simplesmente pelo processo de geração de movimento, de críticas, de análises,
que poderão possibilitar novas idéias, novos compromissos, novos olhares, novas ações para
a educação que idealiza o ambiente ou, para que o ambiente idealize sua forma educativa.O que me angustiaria seria ficar olhando pelas janelas de minha instituição de trabalho, aguardando a chegada das pragas que anunciarão o novo extermínio divino...
Antes do extermínio, porém, algumas tentativas: os descendentes de Noé aspiram criar processo educativo que consiga formar cidadãos capazes de minimizar suas ações impactantes no planeta.
Com a interpretação - um tanto biológica – da escritura sagrada, inicio esse ensaio na tentativa de analisar a maneira pela qual foi construída e está sendo mantida, no ensino formal, a necessidade pedagógica da educação ambiental.
Prefaciando o livro de Moacir Gadotti (2000, p.11)2, Antônio Joaquim Severino afirma ser a prática da educação muito anterior ao pensamento pedagógico, surgindo como prática fundamental da espécie, fato que promove a distinção entre o modo de ser cultural dos homens do modo natural de existir dos demais seres vivos.
É fato que a educação primitiva era essencialmente prática fundamentada na visão animista que contemplava, entre outras coisas, a relação que os homens deveriam ter com seu ambiente na busca de sustento, proteção e respeito. Essa relação era considerada espontânea, natural e limitada a satisfação das necessidades do presente imediato. Dessa forma, o processo educativo não era desvinculado da educação para o ambiente. O homem caçava, coletava frutos e raízes para seu sustento e de seu clã obedecendo aos princípios naturais de conservação e de uso sustentável pois, se assim não o fizesse, morreria de fome no próximo ciclo do tempo.
O conhecimento advindo dessa aprendizagem era transmitido aos jovens pelos componentes mais velhos e mais experientes do clã de maneira ritualizada, utilizando sons, gestos, símbolos
e pinturas. Ao descobrirem, ao acaso, que as sementes dos frutos consumidos germinavam dando origem a novos frutos, o homem primordial ia deixando de migrar para outras regiões, iniciando seu processo de sedentarização. Porém, foi se tornando necessário o acúmulo de recursos alimentares e, com isso, surgiram as relações de poder: quem tivesse coletado, aprisionado ou estocado alimentos em maior quantidade prosperava, quem por ventura não conseguisse o estoque necessário, se afiliava a quem os tinha, devendo para isso obrigações e submissão : a natureza se torna, dessa maneira, uma forma de poder.
Dando saltos na história, a visão animista passou a ser modificada preocupando-se mais com a formação do homem integrando ao ambiente construído - a polis - e a cultura da sociedade numa influência recíproca em detrimento das relações que o educando tinha com seu ambiente (GADOTTI 2000, p. 30)3.
O homem, ao se apoderar da natureza, deixou de se ver como um componente dela, sentindo se seu dono e administrador e, tal idéia fez com que, ao longo do processo evolutivo de sua sociedade, esquecesse a educação para a convivência em seu meio devendo, no entanto, aprender a conviver com seus pares por meio de uma educação institucionalizada.
Nos tempos modernos, com a preocupante constatação de que os recursos naturais são finitos, foi necessário que o próprio homem criasse um processo educativo capaz de contribuir para a formação de uma geração humana consciente de sua responsabilidade de manutenção da vida planetária presente e futura – a Educação Ambiental.
Para tal, reunido com outros de sua dispersa espécie, em grandes reuniões internacionais, buscou idealizar um processo educativo voltado para cuidar do planeta que ele próprio estava destruindo em virtude da ganância pelo poder da natureza – agora sua mercadoria.
Foi necessário pensar em maneiras de educar a humanidade na busca de reencontrá-la à natureza, por meio da construção de um saber capaz de estimular conhecimentos e práticas que minimizassem os danos ambientais até então provocados. E assim surgiram, na década de 70, as grandes conferências. A I Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental em Tbilisi foi uma dessas tentativas.
Sem dúvida, os fundamentos de tal Conferência foram largamente empregados na formulação de projetos que propunham ações educativas para a melhoria do ambiente - os descendentes de Noé aspiravam 'melhorar' a natureza criada por Deus.
A intenção desse tipo de evento era, e ainda é, fomentar, na população mundial, comportamentos positivos em relação ao ambiente e nada melhor que utilizar o processo educativo para atingir tal finalidade.
Durante a Conferência, o Brasil, tendo que assumir compromissos perante as outras nações, deu início às atividades ambientais educativas. Seus órgãos governamentais partiram para a proposição de projetos de ação ambiental por meio de instrumentos legais como Lei n.º 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, a Constituição Federal em seu artigo 225 que assegura a todos o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, a Lei nº 9795/99 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental reconhecendo a educação ambiental como um componente urgente, essencial e permanente em todo processo educativo, formal e/ou não-formal, as Constituições Estaduais, os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Agendas 21, entre outros.
Com isso, a Educação Ambiental passou a dispor de um aparato normativo que promoveu e legalizou seu adentramento aos portões escolares. Como se acreditava que a única instância de promoção de educação era a escola, o ambiente escolar foi se tornando então um grande aliado para a convivência e socialização de saberes relativos à EA, culminando com o surgimento de atividades, mesmo que isoladas, de professores e alunos pela proteção ambiental, por meio do desenvolvimento de atividades de cunho sensibilizador na busca de minimizar a degradação ambiental acelerada pelo crescimento econômico e tecnológico.
A EA transforma-se na escola, num discurso baseado em propostas pedagógicas centradas na conscientização, na mudança de comportamentos, no uso da razão, da sistematização de conteúdos sobre ecologia, na preservação do ambiente natural.
Por ser considerada uma das vias privilegiadas de sensibilização capaz de revolucionar mentalidades e de promover mudanças sociais, a escola deveria, de alguma forma, tentar abrigar e promover a Educação Ambiental para incentivar a formação de um cidadão consciente da necessidade de agir, o quanto antes, para a manutenção da vida no planeta.
Ao longo do tempo, o processo ambiental educativo foi alterando suas feições de protetor da natureza para as de seu uso sustentável, de projetos governamentais para as demais organizações sociais, da inclusão de outras dimensões como a social e ética, indicando, assim, novos rumos a serem seguidos e novas barreiras a serem transpostas.
Dados fornecidos pelo “Primeiro Levantamento Nacional de Projetos de Educação Ambiental”5, em 1997, contribuem para resgatar a história dessas mudanças.
Ao analisarmos a situação da EA no passado percebemos que o processo educativo formal ocupava o terceiro lugar das atividades ambientais desenvolvidas sobre o tema, com o índice
de 27,4% dos projetos analisados. As atividades de ensino mais utilizadas nos projetos eram tentativas de produção de material didático (25,1%) seguidas de treinamento dos professores (23%) e de atividades desenvolvidas no ensino fundamental (22%).
Tais taxas podiam ser explicadas pela natureza incipiente das propostas ambientais educativas da época que não contavam com o apoio de material didático – havendo a necessidade de construí-los, testá-los e avaliá-los.
Os objetivos principais dos projetos analisados pelo levantamento eram os que priorizavam a sensibilização ambiental das crianças e jovens do ensino fundamental e médio, por meio de atividades extra-escolares, pois, a inserção do componente ambiental na escola ainda era muito discutida na comunidade de pesquisadores da educação: o grande problema era saber qual seria o local mais favorável para abrigar o processo ambiental educativo – se dentro ou fora da escola.
Era como se permitissem que a educação ambiental entrasse na escola, porém proibissem-na de entrar na sala de aula. Sem ter um local de abrigo, a atividade ambiental educativa perambulava de uma atividade a outra, e, na maioria das vezes, ficava restrita às atividades comemorativas.
Contudo, mesmo sem um consenso, a escola passou, paulatinamente, a ser considerada por alguns pesquisadores da área da educação como ambiente significativo para o desenvolvimento de atividades ambientais educativas e, dessa forma escolarizamos o ambiente.
Ao adentrar os portões escolares, o processo ambiental educativo foi transformado em
questões pseudo-naturalistas que se embutem em frases repetidas e destituídas de sentido culminando em ações pontuais (e não locais) que pensam questões umbilicais (e não globais). Dessa forma, tal processo ainda não conseguiu cumprir plenamente seus objetivos, daí o questionamento do presente ensaio: escolarizar a educação ou ambientalizar a escola? – O que seria mais eficaz?
Voltando a analisar os dados do relatório de 1997, observamos que os temas dos projetos desenvolvidos no ambiente formal de ensino versavam muito mais sobre as manifestações
naturalísticas de cunho local, o que, de certa forma, condizia com as prerrogativas mundiais propostas em Tbilisi de “agir localmente para pensar globalmente” (frase muito utilizada nos anos noventa). As atividades, cobertas de 'estrangeirismos' procuravam melhorar o planeta em detrimento de seu avanço desenvolvimentista.
No novo século, a escola tomou para si a incumbência de preparar os futuros cidadãos
baseados em princípios ambientais. Mas infelizmente, a grande maioria das ações educativas coloca nossa espécie como único elemento do meio a ser beneficiado. Tais atividades são, em sua maioria, engessadas e possuidoras de uma visão ingênua de “salvarmos o planeta de nós mesmos” ou de propiciarmos um futuro mais sustentável para as nossas próximas gerações.
O que temos percebido na escola é que existem números tipos de discursos ambientais educativos concebendo a EA como “um treinamento em proteção ambiental” (LEFF 2001, p. 205)6 ou como uma “instrução que permita aos estudantes resolver problemas ambientais e lhes dê uma visão e convicções como base para um comportamento responsável com a natureza” (HUNDT, 1966 apud LEFF, 2001). Leff op cit, afirma que os objetivos da EA não serão alcançados por meio do ensino de métodos sistêmicos, de uma prática pedagógica interdisciplinar ou ainda mediante a incorporação de uma matéria de caráter integradora como a ecologia - havendo a necessidade da criação de um “saber ambiental” (LEFF, 2001) e de sua assimilação transformadora às disciplinas que deverão gerar os conteúdos concretos de novas temáticas ambientais.
Em nosso entendimento, para que o saber ambiental possa emergir do atual sistema Educacional deverá repetir a ação das larvas de uma determinada espécie de mosca que, ao nascerem, devoram sua progenitora por dentro, pois, como poderá surgir de um sistema disciplinar de ensino um saber ao qual não se impõe fronteiras?
Talvez seja por isso que Bizerril e Farias (2001) considerem que a inserção do componente ambiental educativo na escola ainda enfrente muitas dificuldades uma vez que a dimensão ambiental é essencialmente interdisciplinar e a escola é essencialmente disciplinarizada.
Na intenção de desenvolver um “saber ambiental” como proposta de uma nova educação, Gadotti, (2000)8 afirma que seria fundamental que o novo sistema educativo fosse apoiado a uma visão holística centrada na liberdade individual na qual prevalece a conectividade de tudo com tudo, na interconexão de todas as coisas propondo para este fim o que chamou de “ecopedagogia” – que é a promoção da aprendizagem do sentido das coisas a partir da vida cotidiana (GADOTTI, 2000, p.78 -79).
A ecopedagogia é baseada na educação problematizadora de Paulo Freire9 e, conforme aborda Leff, 2001, sua implantação implicaria na desconstrução do pensamento disciplinar e simplificador presentes, atualmente, nas instituições escolares.
O próprio Gadotti (2000) sinaliza, no entanto, que como todo movimento novo, a ecopedagogia poderá tomar diferentes direções, inclusive contraditórias, podendo ser entendida diferentemente, como o são as expressões “desenvolvimento sustentável” e “meio ambiente”. Carvalho, 2001,10 sinaliza que as práticas de EA, na medida em que nascem na sociedade e são incorporadas pelo campo educativo, determinam duas grandes vertentes pedagógicas: a EA comportamental - relacionada a necessidade e urgência de conscientizar os diferentes estratos da população sobre os problemas ambientais que ameaçam a vida no planeta valorizando a educação como agente de difusão de conhecimentos sobre o ambiente e a EA popular que compreende o processo educativo como um ato político, que vê a educação como agente de formação de cidadãos críticos.
A maioria das instituições escolares pratica a Educação Ambiental comportamental por entender-se como único agente de transmissão de conhecimentos.
Conforme relata Jacobi (2004)11 a dimensão ambiental na educação formal se apresenta como um corpo sólido de objetivos e princípios com conteúdos e metodologias próprias que reduzem a educação ambiental a uma inserção através de temas transversais e dos projetos interdisciplinares que passam a funcionar como receitas que ditam padrões pedagógicos unificados culminando por escolarizar a
educação ambiental.
Para Tristão (2004) a abordagem interdisciplinar da Educação Ambiental dificilmente é efetivada nas ações pedagógicas na escola, pois para sua realização seria necessário uma descentralização de poder, além da superação da fragmentação do conhecimento.
Inversamente, se conduzirmos as atividades formais educativas de maneira a reorganizarmos a proposta pedagógica de educação ambiental para a busca da percepção da complexidade e da multiplicidade dos contextos de aprendizagem que ela pode apreender busca remos uma prática pedagógica mais reflexiva na qual poderemos ao invés de escolarizar a EA, ambientalizar a escola.
“A ambientalização do conhecimento terá mais condições de ocorrer na medida que se promova uma reestruturação de conteúdos, em função da dinâmica da sua própria complexidade e da complexidade ambiental em todas as suas manifestações: sociais, econômicas, políticas e culturais” (JACOBI, 2004, p.28).
Talvez assim, a escola ambientalizada nos possibilite reescrever a expressão “desenvolvimento sustentável” em “desenvolvimento situado” (SILVA, 2005) e a Educação Ambiental, seja incorporada ao processo educativo (ou vice-versa) não institucionalizado que finalmente consiga reintegrar homem natureza, não com a visão ingênua de volta à natureza do homem primordial, mas um homem ser social consciente de seu papel crítico e inovador.
Não tendo como antever o que poderá acontecer com a educação se ambientalizarmos a escola ou se continuarmos a escolarizar o ambiente, mas, percebendo o caminho errante da atual proposta ambiental educativa, ponho-me a esperar pelo novo, não como uma tábua de
salvação, mas simplesmente pelo processo de geração de movimento, de críticas, de análises,
que poderão possibilitar novas idéias, novos compromissos, novos olhares, novas ações para
a educação que idealiza o ambiente ou, para que o ambiente idealize sua forma educativa.O que me angustiaria seria ficar olhando pelas janelas de minha instituição de trabalho, aguardando a chegada das pragas que anunciarão o novo extermínio divino...
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César Torres