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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Cientista da Embrapa afirma que a salvação da lavoura depende da preservação do Cerrado

Após esgotar vegetação na região sul do bioma, destruição ruma para o norte. Foto: Dida Sampaio/AE

Valor da biodiversidade é mil vezes superior ao da agricultura – O Cerrado ainda tem 800 mil quilômetros quadrados de terras agricultáveis – uma área igual à da França e Reino Unidos juntos, suficiente para duplicar tudo o que já é ocupado pela agropecuária no bioma.

Se o País for inteligente, não precisará desmatar nem um hectare dessa terra. “A riqueza que temos guardada na biodiversidade do Cerrado é mil vezes superior à da agricultura”, diz o engenheiro agrônomo Eduardo Assad, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Reportagem de Herton Escobar, enviado especial, no O Estado de S.Paulo.

A afirmação surpreende. Não só pelo conteúdo, mas por sair da boca de um cientista que há mais de 20 anos dedica sua vida ao agronegócio e que se lembra, sorrindo, dos tempos em que passava o correntão no Cerrado em cima de um trator, na fazenda da família em Quirinópolis, no sul de Goiás. Só que os tempos mudaram. Agora, diz Assad, é hora de preservar e pesquisar as riquezas que o bioma tem a oferecer no seu estado natural.

Até mesmo para o bem da própria agricultura. “A preservação do Cerrado é a salvação da lavoura”, costuma dizer o pesquisador. Segundo ele, é no DNA das plantas nativas do bioma que estão escondidos os genes capazes de proteger suas inquilinas estrangeiras (a soja, o milho, o algodão, o arroz) do aquecimento global. Dentre as 12 mil espécies nativas conhecidas, só 38 ocorrem no bioma inteiro, o que significa que estão adaptadas a uma grande variabilidade de condições climáticas e de solo.

“A elasticidade genética das plantas do Cerrado é impressionante”, afirma Assad. Ele e sua mulher, Leonor, também pesquisadora, destacam que o Cerrado é uma formação mais antiga do que a Amazônia e a Mata Atlântica, tanto do ponto de vista geológico quanto biológico. O que significa que suas espécies já foram expostas – e sobreviveram – a todo tipo de situação: muito frio, calor, seca, etc.

Os genes que conferem essa capacidade adaptativa poderiam ser transferidos para culturas agrícolas via transgenia, tornando soja e companhia igualmente resistentes às intempéries climáticas que estão por vir. Só falta descobri-los. “O Cerrado é o maior laboratório de prospecção de genes do mundo, mas ninguém olha para isso”, diz. “Nem estudamos o genoma dessas espécies e já estamos acabando com elas.”

Sem falar no potencial farmacológico das plantas medicinais e nos serviços ambientais prestados pelo bioma como um todo: estocagem de carbono, controle climático, controle de erosão, produção de água e outros fatores cruciais para a agricultura. “A conservação tem de ser vista como uma atividade produtiva também”, diz a bióloga Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília.

DESCONHECIMENTO

Não é o que acontece. A riqueza econômica e tecnológica do agronegócio contrasta com a pobreza de recursos e de conhecimento sobre o bioma. “Trabalhar com políticas públicas no Cerrado é muito frustrante”, admite o diretor de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, Mauro Pires. “Quando se fala em trabalhar com a Amazônia as portas se abrem. Quando se fala em trabalhar com o Cerrado, elas não se mexem.”

Mercedes sente a mesma dificuldade. Ela é coordenadora científica da Rede de Pesquisa ComCerrado, recém-criada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), com representantes dos 11 Estados do bioma.

A ideia é fazer pelo Cerrado o que o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera (LBA) faz pela Amazônia, produzindo o conhecimento científico necessário para entender, valorizar e explorar adequadamente – quando possível – os serviços ambientais prestados por seus ecossistemas. “Não há como fazer boa gestão sem informação”, ressalta Mercedes. “Vemos muitas políticas públicas que carecem de embasamento técnico adequado.”

Por enquanto, o programa tem R$ 220 mil em caixa para pesquisa. A expectativa é que receba R$ 6 milhões do MCT nos próximos dois anos, mais o valor de uma emenda parlamentar apresentada pela bancada do Distrito Federal – inicialmente orçada em R$ 7 milhões, mas reduzida para R$ 1,7 milhão.

Parte da dificuldade, diz Mercedes, é o Cerrado estar espalhado por várias regiões e não concentrado em um bloco geopolítico coeso, como a Amazônia. “Até a Caatinga tem mais força política do que o Cerrado”, diz o gerente do Programa Cerrado-Pantanal da ONG Conservação Internacional, Mario Barroso – sem desmerecer a importância da Caatinga.
EcoDebate, 28/09/2009

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