sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Crescimento insustentável.


Soja no Cerrado. Foto da AE
Exportamos cinco toneladas de soja ou quatro de minério de ferro pelo preço de um laptop, cuja produção gerou mais empregos e renda

Felizmente o Brasil já superou os principais reflexos da recente crise econômica mundial. Mas mesmo assim a economia brasileira, que entre 2006 e 2008 cresceu a uma taxa média de cerca de 5% ao ano, em 2009 não repetirá esse desempenho e deverá até encolher um pouco, conforme as estatísticas irão mostrar. A questão a se discutir, portanto, é se o modo de crescer que o governo vem praticando é sustentável.

O crescimento brasileiro tem sido puxado, principalmente, pelos produtos agropecuários, extrativos e primários. São as chamadas commodities, de muito pouco valor por unidade física. Crescemos também produzindo para o mercado interno mediante a expansão do crédito, o que levou famílias a consumir mais, mas também a aumentar muito o seu endividamento. O inconveniente desse tipo de crescimento é que ele se sustenta no crescimento, bem mais acelerado, de outros países, como a China. Os preços de commodities são definidos pela demanda do mercado mundial, e se nos últimos anos têm estado elevados é porque a China compra muito. São fatores que fogem ao nosso controle e qualquer mudança pode paralisar o nosso crescimento, exatamente como aconteceu neste ano.

Esses fatores, em conjunto com a apreciação do real frente ao dólar, geram uma forte pressão de substituição da produção interna por produtos importados, principalmente aqueles de maior intensidade tecnológica e maior valor agregado. Ou seja, exportamos cinco toneladas de soja ou quatro de minério de ferro pelo preço de um laptop, cuja produção gerou muito mais empregos e renda. A indústria brasileira de transformação, que agrega tecnologia e deixa o produto pronto para o consumidor final, está crescendo bem menos do que o PIB. A nossa economia é cada vez mais produtora de commodities agropecuárias e minerais, de produtos básicos e de serviços simples, como o comércio.

A indústria instalada no país, seja eletrônica, farmacêutica, de máquinas e equipamentos etc., importa mais e mais componentes com os quais finaliza ou monta os produtos, sem que o governo aja na defesa da renda e dos empregos industriais. Já tivemos a quinta indústria de bens de capital do mundo e hoje temos apenas a décima quarta, com muito menos conteúdo tecnológico próprio. Isto é a desindustrialização! Entre 2006 e 2008, o deficit do comércio exterior em produtos de maior valor agregado e alta intensidade tecnológica quadruplicou, alcançando US$ 51 bilhões, enquanto exportávamos cada vez mais commodities.

A consequência dessa inconsistente política industrial é que o crescimento da indústria de transformação tem sido inferior ao do PIB. Só em 2008, enquanto a produção interna bruta total cresceu 5,08%, a indústria de transformação registrou um acréscimo de apenas 0,85%, perdendo quatro pontos percentuais de participação no PIB, o que significa menor oferta de empregos de qualidade nos centro urbanos e menor massa salarial na economia.

Mas é possível crescer mais do vimos crescendo? Claro que sim, pois esse é o desempenho de países como China e Índia, que têm crescimento entre 9% e 11% por ano puxado pelas suas manufaturas. Durante a crise que acarretou a redução do nosso PIB deste ano, a China cresceu 8,9% e a Índia 6,5% ao ano.

Como seria possível termos um desempenho semelhante? Colocando o nosso foco no desenvolvimento rápido da indústria de transformação mediante investimentos na acelerada agregação de inovações tecnológicas com preservação ambiental e sem reduzir as atividades agropecuárias e de mineração. Ou seja, ao invés de apenas esburacarmos cada vez mais a nossa terra e desmatarmos as nossas florestas para fazer pastos ou plantar soja, devemos usar a nossa criatividade para desenvolver e agregar as inovações que o mercado mundial quer em nossos produtos, de uma maneira compatível com a sustentabilidade -as chamadas tecnologias verdes-, tornando-nos altamente competitivos e disputando esse mercado até com produtores asiáticos, que ainda não têm uma ação ambiental consistente.

Este é o caminho para o país crescer de modo sustentável: investir pesadamente no desenvolvimento de tecnologia nacional e na incorporação de inovações em nossas manufaturas para que elas atendam o mercado global, gerando empregos qualificados e renda bem distribuída, sem prejudicar o meio ambiente. Fala-se que podemos crescer mais de 5% em 2010. É possível, se o rápido crescimento da China deixar, pois, como visto, esse modelo é para nós um crescimento insustentável.

ROBERTO NICOLSKY é doutor em física e diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec).

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César Torres