sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O capitalismo se tornou hostil à vida.


O capitalismo financeiro mudou o mundo. E não para melhor. A opinião é do sociólogo Richard Sennett. A aversão ao longo prazo deste capitalismo foi um dos fatores que originaram a atual crise e que mudou radicalmente as nossas vidas nas últimas décadas. Sennett esteve em Barcelona, na Espanha, apresentando seu último livro, O Artífice (Record, 2009), que parte de uma antiga conversa com sua professora Hannah Arendt, a autora de A condição humana, na qual ela separava a produção física, na qual seríamos pouco mais que bestas de carga, da criação mental. Para Arendt, a mente entra em funcionamento uma vez terminado o trabalho. Para Sennett, no processo de produção do artesão – todo aquele que deseja realizar uma tarefa bem feita, e que inclui não apenas a produção manual, mas também programadores, médicos, artistas ou padres – o pensar e o sentir estão integrados. A mão e a cabeça não estão separadas, mesmo que a nossa sociedade valorize apenas uma.

A entrevista é de Justo Barranco e está publicada no jornal argentino Clarín, 23-12-2009. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Por que a relação entre a mão e a cabeça é básica?

Nossa potência mental se desenvolveu através das mãos, da manipulação de coisas. Hoje pensamos nas atividades materiais como coisas estúpidas, percebemos nossos cérebros como uma máquina auto-suficiente. É errado. Há um processo aberto entre melhorar as capacidades físicas e o pensamento, uma relação estreita entre a mão, a cabeça e o coração. Pensamos um desenho e acreditamos que essa imagem mental pode projetar-se no mundo. Uma péssima política: não aprendemos da prática.

Parece aquela velha divisão filosófica entre alma e corpo.

Não é apenas a filosofia, a política também. O capitalismo fomentou esta divisão. Nas últimas décadas os bancos negociaram com abstrações, teorizam sobre os valores e perdem o contato com o que é uma fábrica, uma oficina. Muitos compram e vendem empresas que não entendem. Nem precisam, porque compram o seu valor monetarizado. E não há possibilidade, artesanato, de fazer com que a empresa seja boa ou má, não há conhecimento. Compram uma empresa de colchões e a vendem a outra, mas com mais dívida, esta faz o mesmo. A empresa tem cada vez menos capital e tende a quebrar. Perguntei a um dos compradores: viste como se faz um colchão? Me respondeu: para quê, se seria proprietário por apenas três meses. Assim se desenvolve agora a economia capitalista, se despreza a práxis, a mão na massa, não sabem o que fazer porque de fato nunca administraram nada.

É a exploração atual?

Sim, a dominação das finanças sobre a economia real. As finanças são uma operação abstrata. Sempre pensamos que o capitalismo é hostil ao artesanato porque descapacita o artista, mas é mais sofisticado: não está implicado na prática. Teoriza. Por exemplo, com a dívida. É uma das razões da crise atual.

E as outras?

Outra é a forma do tempo no capitalismo hoje: tudo é curto prazo. A economia global se reorienta para o comércio de preços das ações mais que os seus benefícios finais. A noção de administrar uma empresa para ter benefícios a longo prazo desapareceu. Podes ganhar dinheiro com empresas que estão perdendo. De maneira que quando chegas a uma economia como esta não tens interesse em conseguir que a economia real funcione.

Que pensa o autor de A corrosão do caráter do alarma pela alta taxa de suicídios em empresas como a Renault ou a France Télécom?

Na minha equipe estamos estudando o desemprego a longo prazo em Wall Street e encontrando coisas muito similares. Alcoólicos e suicídios não apenas entre os que perdem o trabalho, mas entre os que permanecem e que estão tão estressados porque para preservar o posto de trabalho têm que fazer cada vez mais. O capitalismo nos últimos 20 anos se tornou completamente hostil à construção da vida. No antigo capitalismo corporativo de mediados do século XX podias sofrer injustiças, mas construir a vida. Nos últimos 20 anos se converteu em algo desumano, e a esquerda está tão contente por serem homens práticos que podem falar com os banqueiros. De fato, o primeiro movimento na crise foi ajudar os bancos. Na Inglaterra foram comprados quatro e mesmo assim se decidiu não interferir no que fizeram.

Qual é a alternativa?

Não podemos voltar ao antigo capitalismo. A esquerda deve refletir sobre como fazer crescer empresas que realmente permaneçam. Empresas de tamanho pequeno como as do norte da Itália e do sul da Alemanha, com trabalhos muito especializados. Não fabricam em massa e trabalham mais a longo prazo, desde a formação dos trabalhadores até as suas relações de exportação. Um trabalho artesanal, que pode ser muito avançado, como telas de alta definição para cirurgias.

O Artífice é o início de uma trilogia de despedida.

Queria unir as preocupações básicas da minha obra, a relação entre o material e o social, o concreto e o abstrato. Depois me dedicarei ao violoncelo, terei recuperado a possibilidade de tocá-lo, mas só me restam dez anos na mão. Certamente, todos os músicos são artesãos, sabem que não existe uma ideia musical sem base física. O segundo livro será dedicado à relação entre o material e o social: a confiança, o respeito, a cooperação, a autoridade, o artesanato das relações sociais. E o terceiro, à nossa relação com o meio ambiente.

Você não aceita o que está por trás da ideia de sustentabilidade.

Porque não somos proprietários da natureza. Sustentabilidade significa manter as coisas como estão. É uma metáfora errônea. Podemos viver com muito menos. Menos tráfego, menos carbono. Diferentes tipos de prédios. Devemos mudar a noção da modernidade de que o ser humano sempre dominaria a natureza. Produz autodestruição. Copenhague foi terrível, especialmente os chineses, que cinco dias antes diziam “verde, verde”, e depois que não, que não queriam que ninguém interferisse nem conhecesse a sua tecnologia. Aterrador. E os europeus, fora do jogo.

(Ecodebate, 06/01/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

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César Torres