O grupo agroquímico oferece 475 toneladas de sementes híbridas para impulsionar a agricultura do país vitimado pelo terremoto
Cálice envenenado ou gesto altruísta para aliviar a miséria haitiana? A controvérsia em torno da doação de um lote de sementes híbridas pelo grupo agroquímico Monsanto repercutiu sobre o governo de René Préval, enquanto os programas de reconstrução custam a se concretizar quase seis meses depois do terremoto que causou mais de 250 mil mortes e 1,3 milhão de desabrigados.
Cálice envenenado ou gesto altruísta para aliviar a miséria haitiana? A controvérsia em torno da doação de um lote de sementes híbridas pelo grupo agroquímico Monsanto repercutiu sobre o governo de René Préval, enquanto os programas de reconstrução custam a se concretizar quase seis meses depois do terremoto que causou mais de 250 mil mortes e 1,3 milhão de desabrigados.
A polêmica começou em meados de maio, quando o padre Jean-Yves Urfié, um bretão químico de formação, que por muito tempo morou no Haiti, criticou na internet a doação feita pela Monsanto de “475 toneladas de sementes transgênicas”. Nos Estados Unidos, a mobilização dos antimundistas se ampliou após a publicação, no site do “Huffington Post”, de um artigo de Ronnie Cummins, da associação dos consumidores de produtos orgânicos. Ali ele criticava as “pílulas envenenadas que visavam voltar a fazer do Haiti uma colônia de escravos, não mais da França, mas sim da Monsanto e das multinacionais do agronegócio. Reportagem de Jean Michel Caroit, em Santo Domingo (República Dominicana), no Le Monde.
Para tentar pôr um fim à controvérsia, o ministro haitiano da Agricultura, Joanas Gué, negou ter aceito sementes geneticamente modificadas: “Nós tomamos todas as precauções antes de aceitar a oferta feita pela multinacional Monsanto de doar 475.947 quilos de sementes de milho híbrido, bem como de 2.067 quilos de sementes de hortaliças”, afirmou o ministro.
Apesar dessa retificação, uma dezena de organizações camponesas membros do movimento Via Campesina continuaram com a ofensiva contra “o cálice envenenado” da Monsanto. Convocados pelo Movimento de Camponeses de Papaye (MPP, sigla em francês), milhares de agricultores, de camisa vermelha e grandes chapéus de palha, se manifestaram no dia 4 de junho em Hinche, na região do Planalto Central. As palavras de ordem visavam a Monsanto e o presidente haitiano, René Préval, acusado de “vender o país às multinacionais”. Um pequeno lote de sementes híbridas de milho foi queimado simbolicamente no fim da manifestação.
“Estamos lutando por nossa soberania alimentar e nossas sementes locais. As doações da Monsanto são um ataque contra a agricultura camponesa e nossa biodiversidade”, argumenta Chavannes Jean-Baptiste, líder do MMP. Segundo esse amigo de Danielle Mitterrand, “a Monsanto está se aproveitando do terremoto para entrar no mercado das sementes no Haiti”.
Recebido há pouco tempo em Washington pelos diretores da Usaid – agência de cooperação americana, parceira da Monsanto na distribuição de sementes, por meio do Projeto Winner – , Jean-Baptiste defendeu uma “agricultura camponesa que contribua para resfriar o planeta”.
“Por que os produtos orgânicos são bons na Califórnia e não no Haiti?”, pergunta.
“As sementes híbridas devem ser compradas todo ano (seu desempenhos enfraquece e não é interessante replantar os grãos colhidos). Elas vão eliminar as sementes locais que existem há mais de dois séculos e tornar os camponeses dependentes do agronegócio”, diz o ativista.
“As sementes híbridas devem ser compradas todo ano (seu desempenhos enfraquece e não é interessante replantar os grãos colhidos). Elas vão eliminar as sementes locais que existem há mais de dois séculos e tornar os camponeses dependentes do agronegócio”, diz o ativista.
Segundo Chavannes Jean-Baptiste, o Haiti tem quantidade suficiente de sementes tradicionais, mas os camponeses não têm dinheiro para comprá-las. “A plataforma das organizações camponesas comprou mais de 500 toneladas de sementes que distribuímos gratuitamente, com prioridade para famílias camponesas que acolheram desabrigados do terremoto”, diz o líder do MPP, que lançou um programa de construção de pequenos silos para armazenar as sementes.
“A Monsanto fez uma doação filantrópica ao povo do Haiti e os camponeses são livres para utilizar as sementes que melhor lhe convierem”, retruca Darren Wallis, porta-voz da Monsanto, cuja sede fica na cidade de Creve Coeur, Missouri, nos Estados Unidos. “As sementes híbridas são utilizadas há anos pela vizinha República Dominicana”, acrescenta. Foi no Fórum Mundial de Davos, em janeiro, pouco após o terremoto, que o presidente da Monsanto, Hugh Grant, e o vice-presidente, Jerry Steiner, tiveram a ideia de doar sementes no valor de US$ 4 milhões (R$ 7,2 milhões). “É desanimador ver que alguns incitam os camponeses a queimar sementes Monsanto, pois as vítimas dessas ações serão os camponeses e o povo haitiano”, lamenta Wallis.
Duas cargas de sementes Monsanto, no total de 130 toneladas, já chegaram ao Haiti. Elas são revendidas a baixos preços pelo Projeto Winner, que utiliza os lucros para comprar outros insumos e formar os camponeses. As 345 toneladas restantes devem ser encaminhadas nos próximos doze meses. Segundo Jean Robert Estimé, diretor do Projeto Winner, 10 mil camponeses serão beneficiados pela doação da Monsanto. “Uma doação semelhante a essa de sementes híbridas ao Maláui, em 2006, permitiu que a produção aumentasse cinco vezes”, afirma a multinacional.
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César Torres