Sucateamento acelerado, descarte crescente e a falta de um sistema organizado de coleta e reciclagem fazem do lixo eletrônico um dos desafios ambientais do mundo no século XXI.
Especialmente no Brasil, onde ainda não há lei específica para o descarte de computadores, celulares, televisores, geladeiras, brinquedos e tantos outros produtos eletrônicos.
Especialmente no Brasil, onde ainda não há lei específica para o descarte de computadores, celulares, televisores, geladeiras, brinquedos e tantos outros produtos eletrônicos.
Poucas são as empresas que fazem a separação correta dos componentes, incluindo metais, plásticos e substâncias perigosas, como os metais pesados. Há também algumas ONGs que trabalham com a recuperação de computadores considerados ultrapassados para posterior doação a pessoas de baixa renda. Mas grande volume de sucata eletrônica vai parar nos aterros sanitários, podendo prejudicar a saúde humana e o ambiente.
“Ou esse material é doado ou provavelmente vá a leilão”, afirma Leonel Furtado Gonçalves, chefe da seção de recolhimento de bens móveis da UFRGS, enquanto caminhamos pelo depósito de materiais descartados da Universidade. A cena é de um acúmulo impressionante: nas prateleiras do imenso galpão, localizado no Câmpus do Vale, estão aproximadamente 3.000 aparelhos eletrônicos, a maioria computadores. Os objetos, que já foram considerados sucata nos diversos setores da Universidade, aguardam um local para a sua destinação. Os diferentes componentes – dentre os quais CPUs, cabos, estabilizadores e telas – lotam todas as prateleiras e se acumulam em pilhas de caixas no chão. Esse cenário repete-se em outros locais visitados pela reportagem: uma loja de assistência técnica, uma empresa que trabalha com desmontagem de eletrônicos, a sede de um projeto social que recebe material usado para remontagem e doação. O último descarte feito por essas organizações geralmente é o envio para uma das poucas empresas especializadas em reciclagem de eletrônicos no Brasil. No entanto, muitas vezes esse material não é separado do lixo comum.
Em todo o mundo, estima-se que 40 milhões de toneladas de equipamentos sejam jogadas fora por ano, entre computadores, celulares, TVs, brinquedos e geladeiras. O lixo eletrônico, como é chamado, possui resíduos químicos perigosos. Por exemplo, o descarte no lixo comum de baterias de lítio ou níquel-cádmio e de metais pesados que alguns desses aparelhos contêm, além de substâncias resultantes da queima de certos componentes, causa prejuízos à saúde e ao ambiente. “A questão da toxicidade preocupa, mas o que preocupa ainda mais é o volume”, afirma o coordenador de gestão ambiental da UFRGS, o engenheiro Darci Campani. Há grande desperdício de plástico e metal, aumentando a quantidade de entulho nos aterros sanitários, sem falar de metais de valor, como o cobre e, em alguns casos, o ouro.
Brasil atrasado – Em fevereiro, a ONU publicou um relatório sobre o lixo eletrônico de 11 países emergentes, inclusive o Brasil. De acordo com o documento, predomina nos países estudados – entre eles a Índia, o México e a China – a coleta informal dos resíduos, isto é, a coleta feita por sucateiros, que separam alguns componentes que lhes interessam e abandonam o restante sem o devido cuidado, podendo causar vazamentos de substâncias tóxicas, além de prejudicarem a própria saúde. O relatório afirma também que o Brasil é o único dos 11 países que não tem levantamento algum a respeito da produção, do consumo e do lixo gerado por eletrônicos.
O aparente descaso brasileiro manifesta-se também no fato de não haver lei nacional específica para o lixo eletrônico. O que existe são políticas locais para o manejo de substâncias tóxicas. Em Porto Alegre, por exemplo, o lixo eletrônico era oficialmente considerado comum até há pouco; só em 2007, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) fechou parceria com uma empresa privada que recebe esse tipo de resíduo – mesmo assim não há coleta específica, já que é o cidadão que deve levar os aparelhos até a empresa. O relatório da ONU também observa que não existe um sistema organizado de coleta nos países estudados.
A situação brasileira, no entanto, pode mudar ainda este ano, graças à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que está em votação no Congresso Nacional. O texto estabelecerá as diretrizes para o descarte de computadores, celulares e televisores, entre outros, e também nele será definido, a exemplo da regulamentação vigente na União Europeia, que a obrigação com a reciclagem é da indústria que coloca o produto no mercado, num processo chamado de “logística reversa”. Se aprovada, a Pnrs será tomada como base para a formulação de uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) a respeito do tema.
Entre soluções e problemas
A necessidade de um destino apropriado para o lixo eletrônico e a possível exigência da logística reversa, caso a PNRS seja aprovada, estão levando muitas organizações brasileiras a buscarem soluções para a sua sucata tecnológica. Poucas empresas no país trabalham com a reciclagem propriamente dita, e essas empresas costumam trabalhar apenas com um tipo de material – não reciclam todo o aparelho, apenas o plástico ou o metal. Nesse contexto, surge mercado para empresas que se proponham a receber, separar e encaminhar corretamente cada tipo de resíduo para reciclagem posterior: “Nós recebemos material de empresas de todas as regiões do estado e até de Santa Catarina”, afirma Marcus Palma, diretor de uma empresa de Novo Hamburgo que trabalha com a desmontagem de computadores. Segundo Palma, o negócio movimenta 13 toneladas por mês e está em crescimento. A maior parte dos resíduos pode ser reciclada no Brasil; as placas de circuito, que contêm metais pesados, precisam ser exportadas. Mas a empresa ainda não encontrou um destino para os disquetes, que estão acumulados em caixas.
Há projetos sociais que também se beneficiam do lixo eletrônico. Só em Porto Alegre existem três ONGs que recebem doações de computadores antigos ou que não funcionam mais. Uma dessas organizações é o Centro Social Marista, que mantém um curso técnico para jovens cuja renda familiar é de menos de meio salário mínimo por pessoa. Eles aprendem informática ao trabalhar na remontagem de equipamentos com a ajuda de educadores. Os computadores recuperados são doados a programas de inclusão digital do governo federal que propiciam acesso à internet a pessoas de baixa renda. O material excedente é encaminhado auma empresa de reciclagem em São Paulo.
O processo técnico de reciclagem em si ainda não resolve todo o problema, pois não é capaz de fazer retornar todos os componentes de um aparelho eletrônico ao ciclo industrial. Segundo o coordenador de gestão ambiental da UFRGS, Darci Campani, teoricamente seria possível reciclar um aparelho em sua totalidade, mas os processos necessários para separar determinadas substâncias – como uma pequena quantidade de ouro (cerca de 9mg em um celular) – gerariam outros poluentes, anulando o benefício da recuperação, ou seriam muito caros. Outro problema apontado é a falta de fiscalização de navios que exportam sucata, pois não há como punir o possível abandono de lixo em alto-mar.
Para Wilson Kindlein, engenheiro de materiais da UFRGS que atua na área de ecodesign, o problema maior está no fato de os projetistas não levarem em conta a necessidade posterior de reciclagem dos produtos. Acrescenta que, “se há vários materiais cujos dispositivos demontagem não permitam a desmontagem, como soldas e colagens, não é possível a desconstrução do produto e, portanto, não é possível o reuso”. Além disso, para o engenheiro, não apenas a técnica e o projeto devem melhorar, mas também a cultura de consumo da sociedade, que, por imediatismo e busca de status, descarta os produtos numa frequência maior que a necessária: “Não há necessidade de se trocar de telefone celular a cada ano”, exemplifica.
Reportagem de Diego Mandarino, estudante do 7.º semestre de Jornalismo da Fabico, no Jornal da Universidade, UFRGS, publicada pelo EcoDebate, 21/07/2010
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César Torres