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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Mudanças climáticas: Como se fôssemos rãs em água fervente.




É mais do que oportuna a divulgação (Estado, 15/6) de estudo de várias instituições respeitadas (Inpe, Unicamp, Unesp, USP e Fapesp) segundo o qual a temperatura média na Região Metropolitana de São Paulo subirá entre 2 e 3 graus Celsius neste século. E com isso dobrará o número de dias com chuvas intensas (hoje, de duas a cinco por ano). O estudo dramatiza a necessidade de ações concretas nas zonas urbanas, para impedir, além dos deslizamentos de morros e encostas, a formação de ilhas de calor, que atraem os “eventos extremos”. Questão aguda, quando o próprio estudo enfatiza que, se a expansão urbana continuar como hoje, em 2030 a mancha ocupada será o dobro da atual e 11% das ocupações humanas estarão em áreas com risco de deslizamento e mais de 20% em áreas sujeitas a enchentes e inundações.


Tudo isso reforça mais uma vez a necessidade de mudanças radicais em nossas políticas de mitigação (redução de emissões de gases poluentes) e de adaptação a mudanças climáticas. E estas, muito urgentes, exigem mudanças de padrões de construção urbana e rodoviários (pontes, viadutos, aterros, etc.); obrigatoriedade de manter nas zonas urbanas áreas permeáveis, que permitam a infiltração de água e reduzam inundações; leis para obrigar a retenção de água em cada imóvel, com a possibilidade de utilizá-la em descargas sanitárias e outros usos; proibição efetiva de ocupação de áreas de risco (30% da população paulistana, 2,7 milhões de pessoas, vive em cortiços, habitações precárias e comunidades ilegais, todos vulneráveis aos eventos climáticos); e muitas coisas mais.


Também é decisivo no momento em que as chuvas intensas em Alagoas e Pernambuco destroem cidades inteiras, rompem barragens, produzem dezenas de mortes, centenas de desaparecidos, mais de 150 mil desabrigados. Só neste ano, informou este jornal (24/6), 1.635 municípios (quase 30% do total) relataram “situação crítica causada por chuva ou seca”. E no momento em que, dizem relatórios oficiais, menos de cem municípios têm alguma instituição capaz de cuidar da defesa civil.


Já perdemos muito tempo. Como está registrado por climatologistas da USP há muitos anos no Atlas do Verde e do Meio Ambiente (editado pela respectiva secretaria na capital paulista), a diferença de temperatura entre as áreas paulistanas que mais conservam a vegetação (Serra do Mar, Cantareira) e as áreas de ocupação industrial e trânsito mais intensos (como a Mooca) pode chegar a 6 graus. E estas “ilhas de calor” geradas pelo asfalto, por fábricas e edifícios atraem chuvas intensas. A consequência é que chove menos nas áreas de mananciais e reservatórios, onde a água seria benéfica, e chove mais nas áreas onde ela é problemática para o trânsito e provoca inundações. Mas há também uma consequência na distribuição temporal das chuvas: cai mais água de segunda a sexta-feira nas áreas de alta ocupação ? quando ela é mais problemática ? e menos nos fins de semana, quando o trânsito se reduz.


Mas as nossas políticas e nossas cidades terão também de chegar a alguma formulação em relação ao transporte urbano e às suas consequências para a saúde humana e o clima. Não dá para aceitar passivamente que a frota de veículos no País cresça 38% de 2000 para cá e chegue a 27,8 milhões, quando no mesmo período a população aumentou 12,7%. Da mesma forma, a frota de motocicletas, que cresceu no mesmo período 243% e chegou a 8,55 milhões. Que se espera que aconteça em matéria de trânsito, emissões e poluição? A má qualidade do ar urbano (Correio Braziliense, 27/10/2008) custa R$ 1 bilhão por ano na saúde. Só em 41 dias do ano a qualidade do ar foi adequada na Região Metropolitana de São Paulo (Estado, 6/3/2009). Seis em dez paulistas vivem em cidades saturadas por ozônio (18/8/2009). Nada menos que 3,5 mil pessoas morrem a cada ano no País por causa da má qualidade do ar (Envolverde, 23/4/2009). Na capital paulista são 20 por dia.


É certo que o Conselho Nacional do Meio Ambiente tornou obrigatória a inspeção anual de veículos e que o Estado de São Paulo está pondo em vigor uma política de mudanças climáticas, que visa a reduzir as emissões de gases poluentes em 20% (calculadas sobre as de 2005) até 2020. Também é certo que empresas começam a se empenhar em reduzir emissões e a promover um registro público voluntário das suas. Afinal, o Brasil já é o quarto maior emissor do planeta.


Mas é preciso muito mais, diante da gravidade da situação planetária em matéria de clima, como têm demonstrado tantos estudos e eventos recentes (mais de 2,5 milhões de desalojados na China). E ainda há poucos dias a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, depois de rever 1.322 estudos de cientistas que se dizem céticos quanto à influência de ações humanas no agravamento de mudanças climáticas, afirmou que as credenciais desses “céticos” são insuficientes para negar conclusões em contrário, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas e outras instituições e outros cientistas. Precisamos de um esforço dramático ? que não está ocorrendo ?, diz o ex-secretário da Convenção do Clima Yvo De Boer. Porque o risco, diz ele, é de nos comportarmos como a rã que está na água e não percebe que ela se aquece; quando perceber, pode ser tarde. De Boer disse, entre muitas coisas, que a China não poderá continuar crescendo 8% ou 10% ao ano para estender o atual modelo a toda a sua população, porque as emissões serão insuportáveis. Da mesma forma, acentuou, como fazer se 5,4 bilhões de pessoas no mundo que vivem hoje com menos de US$ 10 (R$ 18) por dia querem ampliar seu consumo ? o que exigirá mais emissões nos formatos atuais?


“Teremos de aprender a viver consumindo menos recursos, para que todas as pessoas possam viver”, alertou, no recente Fórum Global da Mídia, o diretor da Organização Meteorológica Mundial, Mannava Sivakumar. Não há como contestar.
Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br
Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

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