Em encontro no Instituto Oceanográfico, pesquisadores que atuam no Ártico e no Antártico contam os sinais visíveis dos efeitos do aquecimento global nessas regiões – entre eles, a extinção dos alimentos de ursos e aves
Os polos da Terra são os primeiros a sentir os efeitos do aquecimento global. Morando lá por algum tempo, os pesquisadores podem observar esses efeitos de uma maneira concreta e são diretamente afetados. O Instituto Oceanográfico da USP recebeu o Polar Palooza, projeto de divulgação do Ártico e da Antártica de cientistas polares brasileiros e estrangeiros, para contar suas experiências e mostrar como toda a Terra é afetada pelo que ocorre ali.
Defendendo que “as histórias do Ártico e da Antártica revelam nosso futuro”, eles viajam pelo mundo divulgando suas pesquisas e experiências. Com 90% de todo o gelo do planeta e 70% da água potável, a Antártica controla todo o sistema climático do Hemisfério Sul e é o lugar mais frio, mais ventoso e mais seco do planeta, de acordo com o glaciólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e líder da primeira expedição antártica brasileira (”Deserto de Cristal”), Jefferson Cardia Simões.
Segundo ele, o interior da Antártica é o maior deserto do mundo. A temperatura média na costa, que é atingida mais rapidamente pelo aquecimento global e sofre com um impacto maior, fica entre 10 e 3 graus negativos. No interior, gira em torno de 65 e 35 graus negativos.
Muitos povos e animais dependem das condições dos polos, de modo que as alterações ocorridas ali afetam todo o globo. Como explicou a geóloga Kathy Licht, apesar de mudanças climáticas acontecerem naturalmente e já terem ocorrido no passado, a situação nunca foi como hoje. “A camada de gelo tem encolhido cada vez mais.”
Ursos polares – O ornitólogo George Divoky pode dizer que o aquecimento global tem colocado sua vida em risco pessoalmente. Recém-chegado de perigosa expedição na Ilha Cooper, no Alasca, ele recebeu constantes visitas de ursos polares que, na falta do seu alimento habitual, vêm procurá-lo na ilha.
Divoky, que estuda animais do Ártico há 35 anos, contou que os ursos polares dependem das plataformas de gelo para viver e se locomover. Eles se alimentam das focas que ficam abaixo do gelo, quebrando-o quando as avistam. Com o derretimento das plataformas que vem ocorrendo “há três ou quatro anos”, porém, os ursos são obrigados a ir para as ilhas a fim de buscar alimento – como a Ilha Cooper. Hoje, eles chegam ali nadando. Antes, podiam chegar andando pelas plataformas de gelo, que alcançavam a ponta da ilha.
Ele disse que já aprendeu a espantá-los (atirando para o alto, por exemplo). “Eles então fogem para o mar, mas depois de um tempo voltam.” Os ursos polares atacam os filhotes de airos. Com seus 400 quilos, quebram as caixas dos seus ninhos, assim como fazem com o gelo para chegar às focas.
Essas aves – os airos – têm sofrido com outro problema. Seu principal alimento era o bacalhau do Ártico, peixe com alto teor de gordura, para sobreviver às temperaturas baixíssimas das águas em que vivem. Porém, o aquecimento global contribuiu para a extinção do bacalhau, uma vez que diminuíram os predadores naturais das focas, que aumentaram em número e se alimentam, por sua vez, desses peixes.
Não encontrando o peixe certo, os airos têm trazido para seus filhotes o peixe-escorpião, que é rejeitado por não prover a gordura necessária para seu rápido crescimento. “Tenho visto muitas espécies se dando muito mal. E nos polos elas reagem com mais rapidez, pois são as primeiras a serem afetadas”, disse Divoky.
Mais efeitos adversos – A bióloga Erli Costa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, deu mais um exemplo de como o aumento das temperaturas na Terra pode desequilibrar os ecossistemas dos pólos. Com 3 ou 4 centímetros de comprimento, o krill, minúsculo parente do camarão, é o protagonista de toda a cadeia alimentar nos polos. Apesar de tão pequenos, esses organismos possuem uma massa muito grande. “O seu peso total é muito maior do que o peso total de todos os humanos da Terra”, disse a pesquisadora.
Eles servem de alimento tanto para as baleias quanto para as aves e se alimentam de fitoplâncton, organismos aquáticos microscópicos que se desenvolvem sob o gelo. Com o derretimento do gelo, há uma diminuição do fitoplâncton, o que implica a redução do krill. Ocorre então o desequilíbrio de toda a cadeia alimentar.
Os pesquisadores dos polos realizam estudos com alta tecnologia, que lhes permite chegar aonde o homem não conseguiria ir sozinho. Câmeras acopladas na cabeça de focas, por exemplo, permitiram que descobrissem o que existe a grandes profundidades aquáticas. O resultado foi uma descoberta surpreendente: apesar das condições adversas, a biodiversidade na Antártica é tão grande quanto a dos oceanos tropicais, havendo muitas formas curiosas de organismos e espécies parecidas com as encontradas na região do Equador.
O glaciólogo Sridhar Anandakrishnan, que estuda os mantos de gelo gigantes da Groenlândia e da Antártica, explicou que as geleiras têm ficado cada vez menores e, por consequência, o nível do mar tem se elevado. “Com o aquecimento, as geleiras estão se partindo em pedaços e se deslocando, de modo que agora flutuam pelo oceano. Toda a Groenlândia está mudando e as consequências serão graves.”
A situação configura um círculo vicioso. Neve e gelo são muito brancos e brilhantes, refletindo a luz do sol. Sem a neve, a água absorve o calor e se aquece, fazendo com que mais gelo derreta.
Sem precedentes – Segundo a geóloga Kathy Licht, “há ainda muito a aprender e descobrir”. E os pesquisadores têm trabalhado para isso. O professor Jefferson Simões, por exemplo, contou que passará pelo menos dois anos estudando tudo o que coletou em sua última missão na Antártica. Mas todos eles fazem coro com a afirmação de Kathy: “Sabemos o suficiente para começar a agir. O planeta está passando por uma mudança nunca antes vista, e os humanos estão envolvidos nisso. Os polos estão mudando e isso afeta a todos”. Sridhar Anandakrishnan acrescenta: “Apesar de sempre terem ocorrido mudanças climáticas, isso nunca aconteceu nessa escala de tempo. Nunca vimos processos ocorrendo tão rápido”.
Um número enorme de seres vivos pode desaparecer e as cidades costeiras correm perigo, alertam os pesquisadores. Se o manto de gelo da Groenlândia derreter, pode haver um aumento de 4 a 6 metros do nível do mar. Eles defenderam, no entanto, que a sociedade não deve esperar que apenas os cientistas ou o governo façam alguma coisa. “Somos pesquisadores. Nosso trabalho é produzir conhecimento e divulgá-lo. Mas cabe a toda a sociedade cuidar do planeta”, disseram.
* Reportagem de Ana Carolina Prado, do Jornal da USP, publicada pelo EcoDebate,
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César Torres