O mundo árabe se agita, disparam as cotações do petróleo e de commodities agrícolas e cada país se pergunta o que acontecerá em sua economia – vai ganhar, vai perder, como ficará o preço dos alimentos, o que acontecerá nos setores mais pobres da população e assim por diante. Inclusive no Brasil. Porque as lógicas financeiras continuam a comandar tudo, condicionar decisões políticas e econômicas. Mas será esse o caminho para um futuro mais estável e mais desejável para a maior parte da população do mundo, que até meados deste século chegará pelo menos a 8,5 bilhões de pessoas (estamos próximos dos 7 bilhões)?
De certa forma, será esse o tema da chamada Rio + 20, a conferência da ONU que, de 14 a 16 de maio do ano que vem, no Rio de Janeiro, fará um balanço do que aconteceu desde a realização, ali, da Eco 92, quando foram aprovadas as convenções do clima e da biodiversidade, a Agenda 21 global e uma declaração sobre florestas. Nas próximas segunda e terça-feira, em Nova York, ocorrerá mais uma reunião preparatória da ONU. E ali já se discutirão, na sequência de outras reuniões – a última foi em Nairóbi, na penúltima semana de fevereiro -, propostas que certamente provocam muitas polêmicas, em razão dos diferentes problemas de cada país. A começar pela proposta de criar uma organização com autoridade e poder para implantar soluções ambientais e de desenvolvimento sustentável em âmbito mundial.
Na Rio +10, em Joanesburgo, 2002, propostas semelhantes já estiveram em discussão, como a de criar uma organização mundial do meio ambiente separada da ONU. E, depois de muita discussão, quando se argumentava que essa organização teria os mesmos problemas da ONU no plano mundial, o debate terminou com a reflexão de uma representante de ONG brasileira: “O jeito é tomarmos o poder na Organização Mundial do Comércio (OMC), que é quem decide mesmo.”
A tarefa, de fato, é árdua, espinhosa mesmo. As convenções do clima e da biodiversidade avançam – quando avançam – com enorme dificuldade. A Agenda 21 global esbarrou no problema central: resolver as questões sociais que afligem a maior parte do mundo exigiria que os países desenvolvidos aumentassem sua contribuição para os países mais pobres de 0,36% do PIB global de então para 0,70% (hoje seriam US$ 420 bilhões). Esse valor, adicionado aos recursos próprios dos recebedores, permitiria resolver os problemas de saneamento, habitação, saúde etc. Mas nos 19 anos decorridos, essa contribuição não aumentou; ao contrário, caiu para 0,30% do PIB. Ainda agora, numa reunião preparatória da Rio +20, lembrou-se de que a proposta feita em Copenhague, em 2009, de os países ricos doarem US$ 30 bilhões anuais de imediato e US$ 100 bilhões anuais mais adiante, para resolver problemas do clima, praticamente ainda não saiu do papel.
Seja como for, na reunião de Nova York vão ser discutidas “medidas concretas de transição para uma economia verde”; “mudanças nos regimes financeiros e comerciais internacionais”; consideração dos direitos de indígenas e outras populações tradicionais; compromissos para a criação de “empregos verdes”; e a “adoção de novos caminhos para o cálculo do PIB em cada país e no mundo” – este último ponto já sob a influência da comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, que propõe, entre muitas coisas, calcular o valor do trabalho doméstico (inclusive das mulheres na educação dos filhos), o valor do trabalho informal, dos recursos naturais e outros. Não é pouco. E haverá na discussão representantes de empresas, da agropecuária e camponeses, povos indígenas, comunidade científica, mulheres, trabalhadores e sindicatos, entre outros. A toda essa gente caberá preparar a estrutura do documento final a ser discutido no ano que vem.
Nas discussões até aqui, segundo observadores da ONG Vitae Civilis, que delas têm participado, a posição dos Estados Unidos tem oscilado entre avanços e recuos; China, Índia e muitos outros países mais pobres demonstram temer que as propostas levem à adoção de barreiras comerciais para seus produtos; na Europa são muitas posições diferenciadas – a França, por exemplo, apoia mudanças no cálculo do PIB. O Brasil tem proposto que o caminho para a governança global se dê com a “organização de uma instituição guarda-chuva que passaria a comandar agências como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), as convenções do clima e da biodiversidade, um Conselho do Desenvolvimento Sustentável”. E tudo para chegar aos objetivos maiores com um desenvolvimento não predatório de recursos naturais e a erradicação da pobreza. Propõe-se até que as reuniões das convenções do clima e da biodiversidade em 2012 sejam simultâneas com a Rio +20.
Nesta hora, muitos estudos e cálculos começam a ser apresentados. O Pnuma, por exemplo, pensa que é necessário US$ 1,3 trilhão anual (cerca de 2% do PIB mundial) para transformar a economia global numa “economia verde” – com baixos níveis de poluição e perda de recursos naturais; investindo em energias renováveis (US$ 350 bilhões/ano), transporte não poluente, construção sustentável, agricultura não agressora do meio ambiente etc. Não seria tanto, quando se lembra que os subsídios para o petróleo hoje vão a cerca de US$ 600 bilhões anuais.
A ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que tem participado de reuniões preparatórias, diz que “a Rio +20 não se deve transformar em arena de acusações; devemos discutir as nossas falhas em relação às decisões de 1992″. Já o respeitado ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan adverte: “As políticas agrícolas precisam ser mudadas para enfrentar a fome, a pobreza e os distúrbios sociais.” É exatamente esse um dos pontos cruciais – como têm mostrado os acontecimentos no mundo árabe e suas repercussões no preço das commodities agrícolas e nos mercados internos dos países mais pobres.
JORNALISTA – E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
De certa forma, será esse o tema da chamada Rio + 20, a conferência da ONU que, de 14 a 16 de maio do ano que vem, no Rio de Janeiro, fará um balanço do que aconteceu desde a realização, ali, da Eco 92, quando foram aprovadas as convenções do clima e da biodiversidade, a Agenda 21 global e uma declaração sobre florestas. Nas próximas segunda e terça-feira, em Nova York, ocorrerá mais uma reunião preparatória da ONU. E ali já se discutirão, na sequência de outras reuniões – a última foi em Nairóbi, na penúltima semana de fevereiro -, propostas que certamente provocam muitas polêmicas, em razão dos diferentes problemas de cada país. A começar pela proposta de criar uma organização com autoridade e poder para implantar soluções ambientais e de desenvolvimento sustentável em âmbito mundial.
Na Rio +10, em Joanesburgo, 2002, propostas semelhantes já estiveram em discussão, como a de criar uma organização mundial do meio ambiente separada da ONU. E, depois de muita discussão, quando se argumentava que essa organização teria os mesmos problemas da ONU no plano mundial, o debate terminou com a reflexão de uma representante de ONG brasileira: “O jeito é tomarmos o poder na Organização Mundial do Comércio (OMC), que é quem decide mesmo.”
A tarefa, de fato, é árdua, espinhosa mesmo. As convenções do clima e da biodiversidade avançam – quando avançam – com enorme dificuldade. A Agenda 21 global esbarrou no problema central: resolver as questões sociais que afligem a maior parte do mundo exigiria que os países desenvolvidos aumentassem sua contribuição para os países mais pobres de 0,36% do PIB global de então para 0,70% (hoje seriam US$ 420 bilhões). Esse valor, adicionado aos recursos próprios dos recebedores, permitiria resolver os problemas de saneamento, habitação, saúde etc. Mas nos 19 anos decorridos, essa contribuição não aumentou; ao contrário, caiu para 0,30% do PIB. Ainda agora, numa reunião preparatória da Rio +20, lembrou-se de que a proposta feita em Copenhague, em 2009, de os países ricos doarem US$ 30 bilhões anuais de imediato e US$ 100 bilhões anuais mais adiante, para resolver problemas do clima, praticamente ainda não saiu do papel.
Seja como for, na reunião de Nova York vão ser discutidas “medidas concretas de transição para uma economia verde”; “mudanças nos regimes financeiros e comerciais internacionais”; consideração dos direitos de indígenas e outras populações tradicionais; compromissos para a criação de “empregos verdes”; e a “adoção de novos caminhos para o cálculo do PIB em cada país e no mundo” – este último ponto já sob a influência da comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, que propõe, entre muitas coisas, calcular o valor do trabalho doméstico (inclusive das mulheres na educação dos filhos), o valor do trabalho informal, dos recursos naturais e outros. Não é pouco. E haverá na discussão representantes de empresas, da agropecuária e camponeses, povos indígenas, comunidade científica, mulheres, trabalhadores e sindicatos, entre outros. A toda essa gente caberá preparar a estrutura do documento final a ser discutido no ano que vem.
Nas discussões até aqui, segundo observadores da ONG Vitae Civilis, que delas têm participado, a posição dos Estados Unidos tem oscilado entre avanços e recuos; China, Índia e muitos outros países mais pobres demonstram temer que as propostas levem à adoção de barreiras comerciais para seus produtos; na Europa são muitas posições diferenciadas – a França, por exemplo, apoia mudanças no cálculo do PIB. O Brasil tem proposto que o caminho para a governança global se dê com a “organização de uma instituição guarda-chuva que passaria a comandar agências como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), as convenções do clima e da biodiversidade, um Conselho do Desenvolvimento Sustentável”. E tudo para chegar aos objetivos maiores com um desenvolvimento não predatório de recursos naturais e a erradicação da pobreza. Propõe-se até que as reuniões das convenções do clima e da biodiversidade em 2012 sejam simultâneas com a Rio +20.
Nesta hora, muitos estudos e cálculos começam a ser apresentados. O Pnuma, por exemplo, pensa que é necessário US$ 1,3 trilhão anual (cerca de 2% do PIB mundial) para transformar a economia global numa “economia verde” – com baixos níveis de poluição e perda de recursos naturais; investindo em energias renováveis (US$ 350 bilhões/ano), transporte não poluente, construção sustentável, agricultura não agressora do meio ambiente etc. Não seria tanto, quando se lembra que os subsídios para o petróleo hoje vão a cerca de US$ 600 bilhões anuais.
A ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que tem participado de reuniões preparatórias, diz que “a Rio +20 não se deve transformar em arena de acusações; devemos discutir as nossas falhas em relação às decisões de 1992″. Já o respeitado ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan adverte: “As políticas agrícolas precisam ser mudadas para enfrentar a fome, a pobreza e os distúrbios sociais.” É exatamente esse um dos pontos cruciais – como têm mostrado os acontecimentos no mundo árabe e suas repercussões no preço das commodities agrícolas e nos mercados internos dos países mais pobres.
JORNALISTA – E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
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César Torres