Foi essa noção dos impactos que fez com que a economista Letycia Janot levasse adiante o projeto Água na Jarra, cuja proposta é incentivar a troca da água engarrafada pela água purificada. “Nós sugerimos o uso do purificador, por que aqui no Brasil temos uma questão diferente de países da América do Norte e Europa que é a caixa d’água e se esta não tiver a limpeza adequada feita com periodicidade, corremos o risco da contaminação. Além disso, como existe um residual de cloro na água que vem tratada, pessoas com paladar mais sensível podem se incomodar com essa substância e o purificador retira isso”, explica ela durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line, por telefone.
Letycia Janot é formada em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais e possui MBA em Gestão de Negócios Internacionais pela Thunderbird – School of Global Management e especialização em Gestão Ambiental. Junto com a administradora Maria Fernanda Franco fundou o projeto Água na Jarra.
IHU On-Line – Quando e como começou o Água na jarra?
Letycia Janot – O Água na Jarra começou há um ano. Minha sócia trabalha na área de consultoria financeira estratégica e eu estava terminando um curso de gestão ambiental e estava começando a pesquisar o que iria fazer nessa área, por que decidi mudar da economia para trabalhar a questão da sustentabilidade. Então, nós sentamos e conversamos, afinal, nós duas tínhamos muita vontade de trabalhar a questão do consumo da água sem garrafa por que não víamos sentido das pessoas consumirem água em garrafas se tínhamos uma água de qualidade para consumir. Desta forma, surgiu a ideia do Água na Jarra. O projeto foi viabilizado no fim de 2009 quando nós abrimos uma Ong e resolvemos trabalhar na difusão desse conceito e, com isso, oferecer um meio prático das pessoas fazerem uma mudança. Então, mais do que falar que o consumo da água em garrafa não era o ideal, nós criamos uma iniciativa que incentiva essa troca.
IHU On-Line – Que ações o Água na Jarra faz para conscientização?
Letycia Janot – Nossa principal ação é o site que foi construído para que as pessoas tenham acesso à proposta, conheçam os impactos da água engarrafada, por que a troca é importante. O site é um instrumento para que as pessoas saibam que a água da torneira que elas consomem é segura, quais os cuidados que elas precisam ter para passar a consumir água tratada, como limpar a caixa d’água. Além disso, publicamos artigos e entrevistas. E mais, em todos os locais em que o Água na Jarra é implantado, nós levamos um treinamento. É necessário, num restaurante que vai fazer a troca, explicar aos funcionários o motivo pelo qual isso está sendo, por que uma atividade como essa é importante e como se responde aos clientes em relação às dúvidas deles. As pessoas desconfiam, de uma maneira geral, da água tratada por que não têm informação. Elas desconfiam, mas esquecem que já consomem essa água no dia a dia, no gelo, no café do bar, no suco da lancheria.
IHU On-Line – Como funciona o teste “cego” de água filtrada versus a água em garrafa?
Letycia Janot – Em julho, participamos da Feira Internacional para o Intercâmbio das Boas Práticas Socioambientais – Fibops que aconteceu em São Paulo. Participamos dele de duas formas: fizemos uma parceria com a Brastemp que instalou um purificador no nosso estande e nós organizamos a logística dos vasilhames. A Água na Jarra não é um movimento para deixar de beber água em garrafa, mas sim que se use recipientes recicláveis para armazenar a água. Toda a água servida para os participantes do congresso era a água tratada e purificada servida em recipientes de vidro. Além disso, no nosso estande falávamos da nossa iniciativa e ali fizemos o teste cego.
Algumas pessoas que passavam pelo estande eram convidadas a participar desse teste. Nós tínhamos duas jarras iguais, uma cheia de água purificada e outra engarrafada que compramos no supermercado. E as pessoas degustavam a água e respondiam se conseguiam identificar a origem ou não. Nós tabulamos esses resultados e metade das pessoas conseguiu identificar a origem da água e a outra metade ou não acertou ou não conseguiu identificar. O mais importante desse teste era fazer com que as pessoas pensassem em como a água chega até elas, ou seja, qual é a opção de consumo que vai causar menos impacto socioambiental. O teste foi um convite à reflexão.
IHU On-Line – A ideia, então, é beber a água da torneira mesmo?
Letycia Janot – Isso. As pessoas precisam adotar o consumo da água tratada. Nós sugerimos o uso do purificador, por que aqui no Brasil temos uma questão diferente de países da América do Norte e Europa que é a caixa d’água e se esta não tiver a limpeza adequada feita com periodicidade, corremos o risco da contaminação. Além disso, como existe um residual de cloro na água que vem tratada, pessoas com paladar mais sensível podem se incomodar com essa substância e o purificador retira isso.
IHU On-Line – E como você avalia o tratamento da água feito pelas concessionárias públicas?
Letycia Janot – Eu conheço apenas o trabalho da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) por que moro na cidade de São Paulo. Na minha casa eu consumo a água dessa forma, tenho certeza que a água é de boa qualidade. Sei que na maior parte do Brasil ocorre o mesmo. Então, cabe a cada um, dentro da sua cidade, passe a conhecer de onde vem a água, busque saber qual é o trabalho que a concessionária faz.
IHU On-Line – Você sugere que se use purificadores em casa. Qual a relação custo x benefício dessa opção?
Letycia Janot – Nós entendemos que isto é muito importante e, por isso, fizemos uma conta, que também está disponível em nosso site, de qual o ganho que uma pessoa tem quando, ao invés de comprar uma pet de um litro e meio de água, instala um purificador em casa. No caso de uma pessoa que vive sozinha, nós vimos que ela pode poupar cerca de R$ 490 por ano. Se moram duas pessoas na mesma casa, pode-se poupar, com essa troca, R$ 1.226 por ano. Você pode comparar o custo da água de litro comprado e do litro de água purificada e verá que a diferença é muito grande.
“Se moram duas pessoas na mesma casa, pode-se poupar, com essa troca, R$ 1.226 por ano”
IHU On-Line – Quais são os principais impactos ambientais das embalagens plásticas?
Letycia Janot – Há os impactos diretos que estão ligados à produção, principalmente da garrafa pet que já causa impactos quando há a extração de petróleo. Esses impactos se traduzem numa geração de resíduos que são os efluentes líquidos e sólidos e as emissões atmosféricas. Depois, há os impactos os indiretos que é o transporte até o consumidor final. Por fim, há o pós-consumo que inclui o descarte da água. Hoje, a atividade de coleta de lixo nas grandes cidades é cara e poluente. Então, o descarte também é um problema. Às vezes, as pessoas nos perguntam: e se essa garrafa for reciclada? Bom, ela continua tendo um impacto ambiental considerável. A melhor opção, portanto, é sempre aquela em que você investe no reduzir e reutilizar.
IHU On-Line – Quais as diferenças entre uma água mineral e a água que sai das torneiras das nossas casas?
Letycia Janot – Na realidade, é o mesmo produto. Qualquer água possui componentes que vão dar a ela características diferentes, como o cloro ou o flúor. Os dois produtos têm boa qualidade. Precisamos desmistificar isso. Muitas pessoas gostam de consumir água com gás, mas tem purificadores que fazem isso. Nós não queremos dizer que as pessoas não devem consumir água em garrafa, mas sim fazer com que elas reflitam em relação aos impactos do consumo, ou seja, elas precisam entender que a água engarrafada tem mais impactos do que a água tratada.
IHU On-Line – Como você vê esses projetos que envolvem a questão da água, como a transposição do São Francisco e as hidrelétricas na Amazônia?
Letycia Janot – Não sou especialista nesse assunto, mas tenho pesquisado e lido muito sobre isso. Dessa forma, posso dizer que essas grandes obras aqui no Brasil, principalmente as hidrelétricas, estão sendo feitas sem que haja transparência para que a sociedade se sinta confortável em relação a isso. Precisamos saber se é realmente necessário fazer essa grande obra que gerará um forte impacto ambiental na Amazônia para que se garanta energia? Não existem outras alternativas? Antes de fazer essas grandes obras, precisamos de um projeto que estimule a eficiência energética e fontes alternativas. Eu não sou contra a construção de hidrelétricas, mas penso que falta uma discussão sobre as alternativas a elas. Com base nisso, aí sim é possível fazer uma decisão.
(Ecodebate, 12/08/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.