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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Cria-se escassez para gerar demanda


Lembro o impacto que tive e que muitos tiveram quando de repente, água passou a ser vendida em garrafinhas plásticas. Como venda de água se até então era considerada um bem público? Negar a alguém um copo d’água na porta de casa era inaceitável, considerado até falta de caridade. Mas a água foi gradativamente ganhando mercado. Maquiada como “água mineral”, inicialmente em garrafinhas e posteriormente em garrafões para o consumo doméstico.
Em comentário da Lei 9433/1997 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, Paulo Affonso Leme Machado em seu livro Recursos Hídricos, Direito Brasileiro e Internacional afirma: “o uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa, física ou jurídica, com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial; o uso da água não pode esgotar o próprio bem utilizado. A concessão ou a autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da água deve ser motivada ou fundamentada pelo gestor público”.
Paulo Affonso afirma ainda na página 26 do referido livro: “O poder Público não pode agir como um “testa-de-ferro” de interesses de grupos para excluir a maioria dos usuários do acesso qualitativo e quantitativo às águas. Seria um aberrante contrassenso o domínio público “aparente” das águas, para privatizá-la, através de concessões e autorizações injustificadas do Governo Federal e dos Governos Estaduais servindo ao lucro de minorias. A água é um direito humano, não um produto a ser comercializado”.
Será que a legislação vem sendo aplicada ou a realidade vem se contrapondo ao que propõe Paulo Affonso e se transformando num “aberrante contrassenso”. A poluição recente do Rio Doce expõe o Brasil ao mundo o quão atabalhoada vem sendo a política de administração de nossos recursos hídricos. Mais de 300 mil cidadãos de maneira trágica estão submetidos a humilhante disputa de míseros litros de água para matar a sede, ou ao pagamento de preços aviltados por maior porção de “água mineral” para o atendimento diário de suas necessidades básicas.
Quanto mais poluição hídrica, maior escassez de água. Maior é a demanda por um produto que deveria ser um bem público e que passa a ser um bem de capital. É assim que o capitalismo estabelece suas estratégias. Tem multinacional faturando milhões de dólares vendendo água até em países desérticos e de populações paupérrimas.
Hoje me chamou a atenção o nível de poluição do ar de Pequim e das maiores cidades da China que atingiu patamares 35 vezes mais elevado que o limite de segurança recomendado pela Organização Mundial de Saúde, com os alunos recebendo ordens para não irem às escolas e permanecerem em casa. A China tem 60% de sua economia dependente de energia a base da queima de carvão mineral, o que tem provocado toda essa poluição atmosférica.
Na China para enfrentar essa famigerada poluição a população recorre a mascaras de gazes que são comercializadas aos milhões. Não deve surpreender – se a exemplo da água – o ar que respiramos (ainda considerado um bem público) for privatizado, quando além de máscaras, bombinhas de ar com “oxigênio purificado” estiverem em breve disponíveis no mercado. Para consumo diário e de preferência descartáveis.
Raimundo Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental

Energia eólica e os desafios socioambientais


 A partir de 2007, ano a ano, o crescimento da geração eólica no país chama a atenção. Se há nove anos a potencia instalada era de 667 MW, em 2015 chegou a 8.120 MW, ou seja, um aumento de 12 vezes. Verifica-se também que vários municípios brasileiros sofreram mudanças radicais com alterações bruscas em suas paisagens e no modo de vida de suas populações. Essas mudanças representam o início de um novo ciclo de exploração econômica, o chamado “negócio dos ventos”.
Várias são as razões que tem atraído estes empreendimentos a nosso país. Além da crise econômica mundial de 2008 que provocou uma capacidade ociosa na Europa, e assim equipamentos chegaram até nós com preço vantajosos; sem dúvida a “qualidade dos ventos”, em particular na região Nordeste é outro grande atrativo. E é neste território, onde hoje se concentra 75% de toda potencia eólica instalada no país.
Determinados Estados criaram políticas próprias de incentivo à energia eólica, com Isenções fiscais e tributárias, concessão de subsídios, flexibilização da legislação ambiental (p. ex. Pernambuco aboliu os estudos ambientais EIA/RIMA). Associados aos financiamentos de longo prazo do BNDES (e mais recentemente da Caixa Econômica Federal), e ao preço irrisório da terra, estas tem sido as razões principais para atrair os empreendedores. É o resultado da combinação destes fatores que possibilita que a energia eólica ofereça preços imbatíveis nos leilões realizados pela Aneel. Tornando assim à segunda fonte energética mais barata. Esta situação esconde o fato dos custos ambientais e sociais decorrentes da implantação dos complexos eólicos serem altos, embora não sejam contabilizados nos “custos” da geração, pois não são pagos pelos empreendedores, e, sim, por toda a sociedade.
Ao mesmo tempo em que esta atividade econômica teve uma rápida expansão, gerou impactos, conflitos e injustiças socioambientais. São visíveis os impactos provocados por esta fonte renovável, chamada por muitos de energia limpa. Define-se por energia limpa aquela que não libera, durante seu processo de produção, resíduos ou gases poluentes geradores do efeito estufa e do aquecimento global. Ou ainda, que apresenta um impacto menor sobre o ambiente do que as fontes convencionais, como aquelas geradas pelos combustíveis.
Todavia nas “definições” de energia limpa não são levadas em conta as questões sociais e mesmo ambientais causados pela produção industrial da eletricidade eólica que necessita de grandes áreas, e um volume considerável de água, devido ao alto consumo de concreto para a construção das bases de sustentação das turbinas. Impactos sobre o uso de terras é quantificado pela área ocupada, sendo que em geral, as turbinas eólicas ocupam 6 a 8 ha/MW, a um custo médio de R$ 4,5 milhões/MW. Sem duvida, poderia ser argumentado que estas áreas sejam compartilhadas, como ocorrem em outras partes do planeta, ou seja, utilizada concomitantemente para outros propósitos, como agricultura, criação de pequenos animais, …. Mas isto não vem acontecendo.
Logo, o modelo adotado de implantação dessa atividade econômica no Brasil é em si, causador de inúmeros problemas ao meio ambiente e as pessoas. Os parques eólicos têm deixado profundos rastros de destruição na vida das comunidades atingidas (exemplos não faltam). Não somente com a instalação dos aerogeradores, mas desde a obtenção do terreno (pela compra, ou pelo arrendamento), sua preparação (desmatamento, terraplanagem, compactação, abertura de estradas de acesso dos equipamentos), a construção das linhas de transmissão. Destrói territórios, desconstitui atividades produtivas e desestrutura modos de vida de subsistência.
Tem agravado a situação a velocidade em que os parques eólicos estão sendo instalados, sem o devido acompanhamento e fiscalização, sem que requisitos socioambientais sejam atendidos e cumpridos.

Na questão da terra necessária para produzir energia em larga escala, os empreendedores vão comprando, ou arrendando as terras da população local. São na verdade desapropriações feitas pela iniciativa privada como parte de estratégias agressivas para implantação dos complexos eólicos, que acabam inviabilizando a sobrevivências de outras atividades econômicas locais, como a pesca artesanal, a cata de mariscos, a agricultura familiar, a criação de animais, …. Assim comunidades inteiras são afetadas na sua relação com o território e muito pouco, ou quase nada recebem em troca.
Várias situações marcaram e ainda marcam a presença de empresas eólicas. O discurso do ambientalmente correto esconde práticas socialmente injustas das empresas do grande capital, evidenciadas cada vez mais com o passar do tempo. Para implantação dos parques e complexos as empresas utilizam de diferentes expedientes como a celebração de contratos draconianos com proprietários e posseiros, a compra de grandes extensões de terras, a apropriação indevida de áreas com características de terras devolutas e de uso coletivo.
Os contratos celebrados põem em dúvida os princípios de lisura e transparência da parte das empresas. Os trabalhadores se sentem pressionados a assinarem os contratos sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre induzidos por algum funcionário das empresas.
Quem continua a viver nessas regiões quase sempre enfrenta a impossibilidade de continuar a produção local, de manter seu modo de subsistência. A atividade eólica, tanto costeira ou interiorizada acaba com as condições de sobrevivência no lugar e em seu entorno, gerando poucos empregos de qualidade para os moradores da região, e deixando lucros bem limitados. Tudo isso depois da euforia da etapa de instalação dos equipamentos, com as obras civis, que acabam atraindo por tempo determinado, trabalhadores locais e de outras regiões. Depois das obras concluídas vem à rebordosa, com as demissões. Assim tem acontecido. Cria-se a ilusão de prosperidade com o apoio da propaganda enganosa. O discurso da geração de renda e emprego faz parte da estratégia.
Com relação à agressão ambiental têm sido atingidas áreas costeiras com a destruição de manguezais, restingas, remoção de dunas, provocando efeitos devastadores para pescadores, marisqueiras, ribeirinhos. Tais situações tem sido constatadas no Ceará e Rio Grande do Norte.
Em estados como Bahia, Piauí e Pernambuco a exploração desta atividade ocorre no interior, em áreas montanhosas, de grande altitude, no ecossistema Caatinga e Mata Atlântica (ou o que sobrou dela). E também nos brejos de altitude, existente em Pernambuco e na Paraíba, verdadeiras ilhas de vegetação úmida em meio ao ecossistema seco da Caatinga, onde a vegetação existente são resquícios da Mata Atlântica primária, proliferando mananciais de água que formam os riachos abastecedores de bacias hidrográficas. Portanto são áreas onde se deveriam incentivar a conservação, preservação e a recuperação destes ecossistemas naturais, dos seus mananciais e cursos de água.
Todavia, o movimento das administrações municipais, estaduais e federal caminha em sentido contrário ao de proteger estes santuários da vida. Além da omissão e conivência incentivam e promovem o desmatamento de áreas de proteção permanente em nome do “desenvolvimento econômico”, da geração de emprego e renda, justificando a destruição ambiental e a vida das populações nativas em nome do interesse público (?).
A produção de energia elétrica a partir dos ventos hoje é uma atividade econômica, cujo modelo de exploração implantado, causa inúmeros problemas afetando diretamente a qualidade de vida das pessoas. Contribuindo mais e mais para ampliar um fenômeno que já atinge uma parte importante do território nordestino a desertificação. A produção de energia eólica é necessária, desde que preserve as funções e os serviços dos complexos sistemas naturais que combatem as consequências previstas pelo aquecimento global. Mas também se preserve as populações locais e seus modos de vida.
Afinal a quem serve este modelo de implantação em que o estado cooptado se omite e não fiscaliza? O que se constata são aspectos negativos que poderiam ser evitados, desde que houvesse o interesse e uma maior preocupação dos governantes quanto aos métodos e procedimentos, uma avaliação mais rigorosa dos licenciamentos que levasse em conta a análise de alternativas locacionais e tecnológicas, assim minimizando os impactos desta fonte energética.
Logo, não se pode considerar, levando em conta como estão sendo implantados os atuais projetos eólicos, nem que sejam socialmente responsáveis e nem que sejam ambientalmente sustentáveis. Longe disso.
Heitor Scalambrini Costa, Articulista do Portal EcoDebate, é Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Enfrentar os agrotóxicos: um outro mundo é possível

agroecologia

Se já não fossem suficientes as contaminações por efluentes gasosos de todos os tipos, poluentes persistentes impostos por processos industriais, gases de escapamento de veículos, queimadas e efemérides causadas pelo desmatamento e demais fontes poluidoras, os agrotóxicosse somam, de forma persistente, ao peso no prato de cada dia da população.
No Brasil, os números impressionam. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) do ano de 2013 registram que 64% dos alimentos estão contaminados por agrotóxicos. Entre 2007 e 2014, as intoxicações por esses venenos, notificadas e registradas pelo serviço de processamento de dados (DATASUS) do Ministério da Saúde, foram 34.147, e existe a necessidade de se considerar ainda o significativo montante das sub-notificações.
Em que pesem os avanços de iniciativas como o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA), que tem como objetivos a diminuição do uso e a transição para modelos alternativos como a agroecologia e a produção orgânica, se constatam retrocessos quanto à liberação de princípios ativos de agrotóxicos, já banidos em todo o mundo, mas ainda permitidos aqui. Isto determinará impactos irreversíveis para as populações.
Os impactos do uso dos agrotóxicos nos trabalhadores e nas trabalhadoras e que atingem toda a cadeia produtiva. Começando na indústria química, tanto na produção, quanto no envase e no transporte, e seguindo no manuseio, comércio, e também na aplicação no campo e no consumo dos alimentos pela população.
A saúde destes trabalhadores é comprometida no exercício do trabalho, pelo uso abusivo dos venenos contidos nestes agrotóxicos. As defesas são vulnerabilizadas cotidianamente, numa luta com um adversário oculto e silencioso que quando se revela já é muito tarde para a tomada de qualquer atitude consequente.
Nos locais de trabalho, ocorre questionar como são pensados e selecionados os ingredientes que são a base da alimentação dos trabalhadores nos refeitórios das empresas, que são em sua maioria terceirizadas. Não é absurdo algum imaginar que tudo ocorra em completo improviso. Qual o nível de decisão, participação e monitoramento que os trabalhadores efetivamente têm nesses processos. Esta manifestação é facilmente respondida. Provavelmente nenhuma influência além de procurar manter o emprego e se nutrir da forma que puder.
Na cadeia produtiva do agronegócio, é grande a vulnerabilidade dos trabalhadores, em sua absoluta maioria temporários, que são submetidos a baixíssimos salários e condições de trabalho exaustivas. Muitas vezes ocorrem condições que se aproximam de escravidão, onde os documentos são retidos e se pratica a impossibilitados sequer de retornar às suas cidades de origem.
São visíveis os impactos no meio ambiente, das enxurradas de venenos que encharcam as lavouras diariamente. São comuns a falta de descarte correto, os derramamentos acidentais, a contaminação das águas, a intoxicação e morte de animais por terra, ar e mar. Além do comprometimento das populações que sobrevivem da natureza e que constatam que sua fonte de subsistência é comprometida, quando não condenada, para privilégio de poucos.
Além do envenenamento, adicionalmente ainda ocorrem os problemas ecossistêmicos gerados pelo uso de sementes geneticamente modificadas. Não existe posicionamento que implique julgamento de valor.
Mas conforme já se referiu, mesmo que não se apregoe qualquer restrição às evoluções científicas que são representadas por incrementos na transgenia ou por aprimoramentos de moléculas na indústria química, não custa nada admoestar a todas as partes interessadas que é preciso ter um pouco de humildade.
Mecanismos de proteção que podem até interferir na seleção natural, são temerários, sem compreender todas as relações implícitas ou explícitas, e não lineares ou cartesianas da homeostase dos ecossistemas, seja este ecossistema englobando toda a terra ou apenas fragmentos considerados.
Assim, parece um pouco pretensioso na atual fase de conhecimentos da civilização humana implementar estes incrementos sem considerar os princípios de precaução e sem mobilizar tentativas mais sistêmicas e holísticas de se apropriar da realidade.
Essas são questões que devem ser aprofundadas e que requerem acompanhamento nas mesas de negociação, conselhos, comissões correlatas e demais espaços de enfrentamento ao tema. Pautar o assunto internamente e de forma mais contundente nos sindicatos, federações e confederações, propondo caminhos e soluções. Estas são iniciativas essenciais para que se avance na defesa e manutenção de direitos sociais.
Cabe ainda atentar para os instrumentos jurídicos como os Princípios da Precaução, estratégia adotada em Convenções e Acordos Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, como o Protocolo de Montreal sobre gases, a Convenção de Cartagena sobre biotecnologias e os Princípios como o da Substituição de Processos e Produtos Perigosos por outros de menor risco.
O exercício do direito de saber e de se recusar ao trabalho quando em condição de risco são conquistas e frutos da luta dos trabalhadores. Os trabalhadores do ramo químico, que aprimoram legislações e asseguram seu cumprimento por parte das empresas, também integram este cenário.
O debate transcende os interesses de setores agropecuários e envolve toda população. O documentário intitulado O Veneno está na Mesa, do cineasta brasileiro Silvio Tendler, já tem uma segunda versão.
Além de questionar o monopólio das empresas produtoras de agrotóxicos e fertilizantes e os interesses econômicos desse setor, o filme mostra ainda experiências viáveis de produção agroecológica, respeito aos trabalhadores do campo e ao meio ambiente e alerta sobre o direito a viver sem venenos. Outro mundo é possível, sem agrotóxicos.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.


Mais de 420 mil pessoas morreram por doenças transmitidas por alimentos em 2010, revela OMS



Relatório é primeiro estudo com detalhes sobre doenças provocadas por ingestão de alimentos. Enfermidades atingem de forma mais grave países de baixa renda e crianças abaixo de cinco anos, segundo ONU.
O relatório da ONU destaca que, apenas em 2010, 125 mil crianças abaixo dos cinco anos morreram em decorrência de doenças contraídas por consumo de alimentos.No ano de 2010, de todas as vítimas de doença de origem alimentar, 420 mil morreram; entre elas, 125 mil crianças abaixo de cinco anos, de acordo com relatório publicado na quinta-feira (3) pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Até agora, as estimativas de doenças de origem alimentar eram vagas e imprecisas. Isso ocultava os verdadeiros custos humanos da comida contaminada”, afirmou a diretora-geral da OMS, Margaret Chan. Para ela, o relatóriocoloca a informação nos trilhos, já que a detecção dos principais agentes patogênicos e sua ação específica em partes do mundo permite a elaboração de estratégias mais precisas por parte do público, do governo e da indústria alimentícia.
A África e o Sudeste Asiático são as regiões com maior incidência de doenças de origem alimentar e com maior número de vítimas, incluindo crianças abaixo de cinco anos. No caso do Brasil, as taxas de mortalidade infantil em decorrência de doenças associadas à alimentação é baixa, e, entre adultos, ainda menor.
No entanto, a incidência de casos de doença de chagas transmitidos por alimentos no Brasil é citada no relatório. No país, 70% dos casos agudos registrados entre 2000 e 2010 foram associados ao consumo de alimentos. Segundo o relatório, estes indicadores reabrem o debate sobre qual seria a principal fonte de transmissão da doença, associada até o momento a via vetorial.
“O risco das doenças relacionadas a alimentos é mais severo em países de baixa e média renda, ligado ao preparo de comida com água contaminada; má higiene e condições inadequadas na produção de alimentos e no armazenamento; baixos níveis de alfabetização e educação; e legislação sobre segurança alimentar insuficiente”, segundo relatório.
O documento enfatiza a ameaça global gerada pelas doenças de origem alimentar e reforça a necessidade de que governos, indústria de alimentos e indivíduos façam mais para tornar os alimentos seguros e prevenir doenças deste tipo.   Informações da ONU Brasil, in EcoDebate



Brasil: hora de repensar a mineração


“Flagelos da mineração ocorrem em todo o país a todo instante e envolvem um espectro muito maior de processos predatórios. Estima-se que cerca de dois mil municípios brasileiros desenvolvam atividades dessa natureza pelas quais recebem o CFEM – Compensação Financeira pelos Recursos Minerais. Conforme o MAM – Movimento dos Atingidos pela Mineração, estima-se ainda que o Brasil possui oito mil minas de exploração mineral e que para cada uma delas exista uma barragem de rejeitos mais ou menos letais. Em Parauapebas, município do sudeste paraense que sedia a maior reserva de ferro a céu aberto do mundo (o Projeto Carajás [3]), apenas uma dessas instalações, se rompida, tem potencial para despejar muita, mas muita lama tóxica no rioParauapebas que é afluente do rioItacaiúnas que é afluente do rio Tocantins que é afluente do rio Pará que, por sua vez, deságua no Oceano Atlântico”, escreve Maria Orlanda Pinassi [1], socióloga, em artigo publicado por Outras Palavras, 06-12-2015.
Eis o artigo.
Hoje não há sentido em falar em desenvolvimento geral da produção associado à expansão das necessidades humanas. Assim, dada a forma em que se realizou a deformada tendência globalizante do capital – e que continua a se impor –, seria suicídio encarar a realidade destrutiva do capital como pressuposto do novo e absolutamente necessário modo de reproduzir as condições sustentáveis da existência humana. István Mészáros. Século XXI – socialismo ou barbárie.
Os casos de Nova Lima (2001), Cataguases (2003) e Miraí (2007), na Zona da Mata, e deItabirito (2014), todos ocorridos em Minas Gerais, deram a Mariana (2015) o protagonismo de uma tragédia anunciada. Mas, até então, o que conhecíamos nós sobre barragens de contenção de rejeitos (altamente tóxicos) da atividade minerária? Por que nos interessaria saber que várias dessas barragens seguem funcionando normalmente apesar dos sérios riscos de desestabilização estrutural que oferecem? E que MG, reproduzindo e ampliando uma realidade que é nacional, possui apenas quatro fiscais para monitorar suas 735 barragens destinadas a tais fins?
Tragédias com essa magnitude costumam revelar segredos empresariais criminosamente omitidos das populações direta e indiretamente atingidas por suas atividades. E o Estado, articulado com o capital em todas suas esferas de ação (federal, estadual, municipal), é o cúmplice ativo destes crimes de lesa humanidade porque seus órgãos de fiscalização sofrem de uma deficiência crônica e proposital e porque não são poucas as artimanhas que cria para penalizar intervenções pequenas ao mesmo tempo em que facilita e agiliza a emissão de “licenciosidades” ambientais para projetos de vulto.
O rompimento do dia 5 de novembro último liberou 65 milhões de metros cúbicos de rejeitos [2] que seguiram pelos 880 km dos cursos dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, atingindo os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, envenenando praias, mar, manguezais, santuários ecológicos. Os testas-de-ferro da Samarco, subsidiária do consórcio formado pela australiana BHP-Billiton e pela Vale Internacional, empresa responsável pelos eventos relatados, negam-se a assumir a responsabilidade pelo episódio e pela presença de metais pesados no material liberado. Mas análises preliminares constataram que o nível de toxicidade da lama, contaminada por manganês, alumínio, zinco, arsênio – por toda a tabela periódica – estaria um milhão e trezentos mil por cento acima do limite tolerável. As imagens devastadoras a que assistimos desde a tragédia e as incertezas que pairam sobre o futuro das áreas e pessoas expostas à lama corrosiva não precisam de legendas, nem explicações.
O arremate da tragédia de Mariana se deu com o cinismo em fornecer água com querosene para as famílias afetadas em Governador Valadares. O desdém é mantido com a represália das duas maiores mineradoras do mundo às sanções impostas pela justiça que envolvem o bloqueio de bens e a paralisação das atividades naquela mina de ferro. Alegam, por isso, não terem recursos para prestar qualquer assistência à população afetada, para recuperar os danos socioambientaiscausados e nem mesmo para pagar os salários dos seus próprios funcionários, ameaçados de demissão a partir de 31 de janeiro de 2016.
Flagelos da mineração ocorrem em todo o país a todo instante e envolvem um espectro muito maior de processos predatórios. Estima-se que cerca de dois mil municípios brasileiros desenvolvam atividades dessa natureza pelas quais recebem o CFEM – Compensação Financeira pelos Recursos Minerais. Conforme o MAM – Movimento dos Atingidos pela Mineração, estima-se ainda que o Brasil possui oito mil minas de exploração mineral e que para cada uma delas exista uma barragem de rejeitos mais ou menos letais. Em Parauapebas, município do sudeste paraense que sedia a maior reserva de ferro a céu aberto do mundo (o Projeto Carajás [3]), apenas uma dessas instalações, se rompida, tem potencial para despejar muita, mas muita lama tóxica no rio Parauapebas que é afluente do rio Itacaiúnas que é afluente do rio Tocantins que é afluente do rio Pará que, por sua vez, deságua no Oceano Atlântico.
Imensuráveis impactos sociais e ambientais são e deverão ser sentidos com ainda maior intensidade. Por exemplo, em toda cadeia produtiva do ferro, cobre e ouro, minérios cada vez mais vitais à lógica da produção destrutiva [4], do consumismo industrial e individual irresponsável, da obsolescência programada e do desperdício generalizado. Pois, para atender aos interesses deste tipo de desenvolvimento do capital, crateras gigantescas são abertas, florestas nativas desmatadas, rios assoreados e o monocultivo de eucalipto põe o agronegócio no circuito para fornecer carvão para os fornos das siderúrgicas. Um sem-número de hidrelétricas, hidrovias, ferrovias e transposição de rios geram a energia demandada e as vias de escoamento da produção. Atrás de tudo, fica um rastro de destruição da fauna, da flora e da vida de comunidades inteiras de indígenas, quilombolas e camponeses. Cidades experimentam forte explosão demográfica sendo inexoravelmente afetadas por miséria, fome, prostituição infanto-juvenil e pela péssima qualidade da água proveniente de rios poluídos.
Tão grave quanto é constatar que nos territórios controlados pela atividade minerária é recorrente a incidência de trabalho escravo, de trabalho infantil e de doenças laborais irreversíveis entre trabalhadores da própria empresa e, principalmente, entre terceirizados, quarteirizados etc. Nestes locais cresce a violência militar e paramilitar sobre as populações vulneráveis que ousam insurgir-se contra as degradações impostas a elas pelo capital e pelo Estado. Para se ter ideia, na mesma região sul e sudeste do Pará, que testemunhou algumas das mais bárbaras chacinas políticas do país, como a repressão à Guerrilha do Araguaia e o massacre de Eldorado de Carajás [5], e que mantém uma sinistra tradição de extermínio de lutadores populares, a CPT denuncia que, somente no ano de 2015, surgiram 125 focos de conflitos de terra com grande possibilidade desse número se ampliar para 181. Onze trabalhadores foram assassinados e 29 outros figuram nas listas dos ameaçados de morte. Os fatos exigem que o Estado ative e execute o programa de proteção às pessoas que “vivem” nestas condições.
Vale, que ironicamente um dia foi do Rio Doce, carro chefe do desenvolvimento e da (in)segurança nacional desde Getúlio, deu saltos decisivos durante a ditadura, foi privatizada porFHC a troco de tostões, transnacionalizada e estratosfericamente valorizada no mercado de ações. Dos governos do PT recebeu enormes incentivos fiscais e uma linha de crédito direta do BNDES – aValepar – para incrementar seus negócios, um dos quais é potenciar a vocação brasileira de fornecer matéria prima para o primeiro mundo, lógica em que exporta ferro para a produção de armamento do complexo industrial militar dos EUA, China e Israel. O Movimento Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale vem denunciando, desde 2010, o modo imperativo com que esta empresa explora os recursos naturais e humanos no Brasil e outros 30 países nos quais atua. Por onde passa, conduz com êxito a estratégia de subjugar e controlar governos nacionais, independentemente dos indivíduos e dos partidos que os ocupem.
Neste quadro, as multas que aqui e acolá a Vale é obrigada a pagar são gorjetas perto de seus lucros astronômicos. As ameaças de penalização mais severa sobre o setor fingem uma soberania inexistente do público frente ao privado, de uma autonomia ilusória da política em relação aos interesses econômicos. E, ainda, os aconselhamentos para que se imponha uma maior regulamentação sobre a atividade minerária caem na reserva moral dos crédulos ou desatentos à forte movimentação no sentido da aprovação do Código da Mineração que constituirá certamente enorme impulsionador à produção do setor. A aplicação dos itens constantes da Agenda Brasil e daLei Antiterrorismo, adequações de nossa política interna às exigências do TISA [6], do qual não somos signatários mas dependentes, irá garantir que o capital da Vale e de tantas outras transnacionais se agigante, sem qualquer limite humano, social, ambiental ou nacional no horizonte.
É assim que, para além de todas as evidências ameaçadoras da mineração, importantes intelectuais das esquerdas e líderes de expressivas organizações populares continuam a defender a ideia de que se trata de uma atividade vital para o desenvolvimento e a soberania do país.
Ora, que padrão de desenvolvimento é esse que, apesar de pôr em risco a existência da humanidade, resiste no romantismo desenvolvimentista nacional-provinciano?
Ir à raiz deste necessário questionamento é ir na direção de uma ruptura absoluta com o sistema de produção destrutiva que preside a atividade minerária com características tão flagrantemente perigosas à vida. Por isso mesmo não se pode crer que a solução para os negócios nefastos da Valeseja sua reestatização, nem a renacionalização dos seus buracos, da sua lama e seus estragos. Em benefício do nosso futuro, o desafio da luta efetivamente popular deve ser pela sua absoluta erradicação e, principalmente, pela erradicação do padrão societário que a torna tão necessária.
Notas
[1] Esse texto foi escrito com a colaboração de Raimundo Gomes da Cruz Neto, educador popular do CEPASP – Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular, Marabá, PA e Célia Congilio, professora de Ciência Política da UNIFESSPA, Marabá, PA.
[2] (Nota da edição de Outras Palavras) Para efeito de comparação, vale lembrar que o volume de lama tóxica liberada equivale a 1/3 da água hoje disponível (192 milhões de metros cúbicos em 1º/12/15) no reservatório da Cantareira, que abastece todos os dias 5 milhões de pessoas em São Paulo.
[3] “Na implementação do projeto Carajás, a meta de exploração imposta pelos militares foi de 10 milhões de toneladas métricas de minério-ano. Essa produção passou nos anos 1990, principalmente após a privatização [da Vale] para 109 milhões de toneladas anuais. Com a efetivação do projeto S11D esse montante passará a 230 milhões de toneladas anualmente”. Elementos constitutivos do MAM. Iguana Editorial, 2015 (p.17).
[4] A produção de ferro cresceu 37% nos últimos três anos em Mariana, MG.
[5] Em abril de 2016, o Massacre de Eldorado dos Carajás completa 20 anos sem que aqueles dezenove assassinatos e outras tantas sequelas físicas e psicológicas que marcaram definitivamente os sobreviventes tenham encontrado a justiça exigida.

Sustentabilidade e a visão tradicional de responsabilidade social

greenwash

No começo de agosto de 1987, a Assembleia das Nações Unidas tornou público o relatório Nosso Futuro Comum, elaborado pela Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento, que define o conceito de desenvolvimento sustentável como sendo “aquele que satisfaz as necessidades das atuais gerações sem comprometer as capacidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”.
O documento destaca ser impossível separar o desenvolvimento econômico da temática ambiental para que se alcance a construção de um futuro mais próspero, mais justo e mais seguro. A partir da divulgação do documento se desencadeou um intenso e amplo debate sobre a sustentabilidade em nível global, particularmente, no ambiente acadêmico, econômico e político. Embora tenham se passado 28 anos, o meio empresarial ainda não assumiu o conceito de modo completo e responsável e poucos o incorporaram na gestão de seus negócios. No entanto, a preocupação no meio empresarial é significativa, pois o tema está em evidencia e passa a ser compreendido, cada vez mais, por amplos setores da sociedade.
Ocorre que com os debates que se seguiram, o conceito de sustentabilidade evoluiu significativamente tornando mais clara a relação da abordagem ambiental com os aspectos social e econômico. Neste sentido, no âmbito empresarial, a sustentabilidade deve levar em consideração os diversos grupos de interesse como os clientes, consumidores, investidores, fornecedores e suas respectivas expectativas.
Para a empresa é importante que a sua gestão interna reconheça o valor da sustentabilidade, mantendo vínculos constantes e transparentes com os grupos de interesse. Essa política contribuirá para a identificação de novas oportunidades e diminuirá os riscos que ameacem seu negócio.
Ocorre que no caminho para um aumento da responsabilidade corporativa em termos de sustentabilidade, costuma-se observar vícios na utilização do conceito, em especial nas ações de marketing e publicidade enganosa. Há uma visão tradicional de responsabilidade social corporativa que é compartimentada e gera empresas que permanentemente adotam posturas contraditórias. Por exemplo, elaboram produtos cancerígenos e ao mesmo tempo realizam grandes doações a instituições que pesquisam o câncer. Outras inserem em seus sites na internet mensagens simbólicas destacando seu envolvimento com a sustentabilidade e no entanto, mantém um ambiente interno de trabalho de insegurança, com pressão sobre seus funcionários para aumentar a produtividade e, por vezes os submetem a situações vexatórias chegando a caracterizar assédio moral.
Um dos aspectos mais conhecidos dessas posturas contraditórias é o “greenwashing” (lavagem verde, em inglês) que é a comercialização, posicionamento ou comunicação de um produto ou serviço como benéfico ao meio ambiente, baseado em informação falsa, enganosa ou inexata. Isto ocorre, por exemplo, quando uma empresa oferece um produto prejudicial à saúde em plástico reciclado; ou exibir uma garrafa de água como biodegradável – o que é uma informação irrelevante. Determinados atributos são exagerados, focando em seus aspectos positivos, enquanto outros negativos que podem ser a maioria, são ignorados. O “greenwashing” pode existir tanto ao nível do produto como num relatório de responsabilidade social que oferece uma imagem incompleta ou inexata do negócio.
As empresas devem abandonar essas práticas de publicidade enganosa e utilizar o desenvolvimento sustentável como conceito-chave em sua estratégia, promovendo ações concretas com benefícios tangíveis para a empresa, os seus diversos grupos de interesse e a sociedade de modo geral. Seriedade em ações de responsabilidade social significa transparência nas ações e nos relatórios de sustentabilidade e diálogo permanente com seus grupos de interesse.
*Reinaldo Dias é professor da Universidade Mackenzie Campinas. É doutor em Ciências Sociais, mestre em Ciência Política pela Unicamp e especialista em Ciências Ambientais. in EcoDebate

Agricultura Urbana


As hortas urbanas são pequenas revoluções pacíficas que introduzem novas vivências no espaço urbano e avançam na conquista do direito aos sítios urbanos, enquanto arranjos de convivência.
Desde a guerra do Yom Kippur e da Crise do Petróleo que abalaram a economia global, ocorre a imposição sobre a necessidade de reflexão sobre o uso excessivo de uma fonte de energia não renovável e extremamente poluente. Esta realidade se ampliou a partir da constatação dos fenômenos responsáveis pelos processos de aquecimento global.
As hortas comunitárias urbanas se disseminam pelo mundo inteiro. Estas pequenas revoluções pacíficas introduzem novas leituras e vivências ao espaço urbano e avançam na conquista efetiva do direito à cidade. Esta passou a ser vista, definitivamente, como espaço fundamental para a produção de alimentos.
agricultura urbana é sem dúvida, mais uma solução para se enfrentar as crises emergentes. Excesso de consumo de combustíveis fósseis, grandes distâncias de transporte e escassez hídrica dentre outros. Estes cenários se modulam em decorrência da falta de planejamento, especulação imobiliária e ingratidão socioambiental.
A implantação de avenidas em fundos de vale; a absurda ocupação das várzeas por vias expressas, a cidade toda mobilizada pelo automóvel, os condomínios fechados com seus extensos muros e gramados internos nos arredores da grande metrópole, a insuficiência de transporte público sobre trilhos, a poluição atmosférica, das águas e dos solos, o consumismo exacerbado e descontrolado e a constante falta de tempo e todas as demais mazelas que já parecem fatos “normais”, comprovam que o modelo adotado fracassou.
É um cenário apocalíptico, mas real, demonstra que este modelo tem conduzido a civilização humana aos colapsos atuais.
Um dos caminhos para a passagem do “consumir a cidade” para o “viver a cidade” também já se anunciava há bastante tempo. Se modelos violentos detonaram tentativas de harmonia urbana, teriam de brotar novas revoluções tranquilas, encontrando soluções democráticas e solidárias para resolução satisfatória deste paradigma.
A agricultura urbana é uma das atividades que busca melhor “viver a cidade” e compartilhar os seus espaços públicos, tal como as manifestações das artes de rua, a presença das bicicletas e tantas outras. Nos últimos anos, houve uma significativa ascensão da articulação desses movimentos com o intuito de transformar as cidades.
No que se refere ao ativismo em defesa da agricultura urbana, o Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo (MUDA-SP), os Hortelãos Urbanos, o Movimento Horta di Gueto e as diversas hortas comunitárias que nasceram articuladas a estes coletivos e redes são alguns exemplos importantes nesta segunda década do século XXI.
Como toda mudança, estas modificações de hábitos e atitudes necessitam de um tempo para assimilação e incorporação social e para sua integração nas políticas públicas, a fim de evidenciar reais transformações na estrutura da sociedade e no espaço urbano.
As hortas comunitárias em São Paulo são exemplos de práticas inovadoras que buscam democratizar o uso do espaço de maneira a transpor os muros da segregação social, do individualismo e da exclusão social. Várias são as experiências coletivas e hortícolas criadas ao longo dos anos.
Mas, agora, também é preciso atentar àquelas que nasceram do ativismo urbano com a ocupação do espaço público, na maioria das vezes abandonado, para criar uma área verde agregável onde se partilham experiências e se cultivam alimentos.
Mas ainda existe a oposição daqueles que estão ancorados nas antigas e persistentes estruturas sociais da diferença e da segregação. Ao mesmo tempo, é preciso praticar o desapego aos bens materiais e desejar uma nova forma de vivenciar o espaço público de uso coletivo, onde as diferenças podem se manifestar e se interagir democraticamente.
Qual é o significado de plantar uma muda de planta, de regá-la, de acompanhar seu desenvolvimento e enfim deixar que uma outra pessoa qualquer colha seu fruto para comer. Mais do que compartilhamento, isto é a construção de uma nova forma de solidariedade urbana. Os hortelãos urbanos também poderiam produzir inúmeras respostas diferentes que justifiquem suas motivações.
Os ativistas da Horta do Ciclista, na Avenida Paulista, por exemplo, afirmam que plantar e cuidar de um espaço público de uso coletivo no coração da cidade pode ser uma terapia para relaxar da estressante rotina paulistana e uma conexão com a natureza, melhor compreendendo como são os ciclos das plantas e o significado de produzir os alimentos.
Trata-se de um aprendizado coletivo sobre as funções e os usos do espaço público, onde há trocas de experiências entre moradores da vizinhança, trabalhadores dos escritórios próximos, moradores de rua e dos transeuntes em diferentes circunstâncias: nos mutirões, nos turnos de rega, na colheita de alguma hortaliça ou mesmo nos bate-papos cotidianos.
Ser uma hortelã ou um hortelão urbano é muito mais que plantar e produzir alimento na cidade. É acreditar que há outra maneira de se relacionar com os espaços públicos, com todas as pessoas que moram na cidade e com a alimentação de seus milhões de habitantes.
Talvez nem todos queiram se engajar em defesa da agricultura urbana, mas, sem dúvida, ela é uma das soluções possíveis para a crise metropolitana em que vivemos.
Ocorre esperar que a agricultura urbana, em todas as suas categorias e concepções, seja muito bem contempladas por práticas sociais inovadoras que precisam se consolidar. E que em todos os recantos deste país, não ocorra escassez hídrica, e se respire um ar melhor; que se conviva com as diferentes maneiras de ser e de pensar, se enalteça os princípios da democracia e da diversidade e se pratique a segurança alimentar pela retomada dos espaços públicos.

COP21: O risco de ser mais um pacote de promessas vazias. Entrevista especial com Lucia Ortiz

“Os Direitos Humanos estão no centro dos ataques durante esta COP, justamente quando a questão das mudanças climáticas e das políticas necessárias para conter um aumento de temperatura catastrófico deveria ter como centro as suas vítimas e a proteção dos seus direitos como objetivo”, diz a coordenadora do programa Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da ONG Amigos da Terra.


Depois da primeira semana de negociações na COP-21, que iniciou em Paris no dia 30-11-2015, alguns pontos centrais ainda continuam “entre colchetes”, o que significa dizer que os países ainda não chegaram a um acordo sobre eles, como a discussão sobre qual será o limite da temperatura aceitável, 1,5 ou 2 graus, “reconhecendo 2 graus já como um nível perigoso de aquecimento global”, frisa Lucia Ortiz na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail.
Para Lucia, a questão de fundo em jogo na COP deste ano, e a “mais grave”, é o fato de que o acordo de Paris “vem sendo construído sobre a proposta dos EUA, na desastrosa COP-15de Copenhague”, que é a de “fazer uma junção de promessas do que cada país pode reduzir de emissões e então assinar o acordo”. De acordo com ela, tal proposta “i) não respeita um dos princípios fundamentais da Convenção do Clima firmada em 1992, o das responsabilidades comuns porém diferenciadas, ou o que o Movimento por Justiça Climática define como o reconhecimento da Dívida Ecológica dos países do Norte para com o Sul; ii) diz a ciência que a soma do que foi apresentado pelos países em suas contribuições nacionais pretendidas não é suficiente para parar o aumento da temperatura média da Terra nos 1,5 graus e pode chegar a 4 graus, o que significa centenas de milhões de pessoas mortas ou refugiadas sem acesso à comida, água, terra; e iii) os Estados Unidos não querem que o acordo seja vinculante, ou seja, obrigatório por lei, então corre o risco de ser mais um pacote de promessas vazias”.
Lucia Ortiz também chama a atenção para o ataque aos direitos humanos durante a primeira semana da COP-21. “Do lado de fora, os ataques terroristas tiveram como consequência o estabelecimento de estado de emergência – não climática – em Paris, restringindo assim as liberdades civis e o direito de expressão e manifestação dos milhares que se mobilizaram, para além de empurrar uma ação dos estados, para demonstrar que as soluções dos povos para mudar o sistema estão em marcha. Do lado de dentro, nas negociações do texto da Plataforma de Durban, onde deveria se reforçar o que já estabelece o artigo 2 da Convenção – do qual todas as partes da COP são signatárias -, a reação é oposta e pode haver retrocesso. União Europeia, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália e alguns países árabes querem remover a linguagem sobre Direitos Humanos do texto que inclui garantias a uma Transição Justa e a proteção social dos trabalhadores”, informa.
Lucia Ortiz é integrante da ONG Amig@s da Terra Brasil, onde coordena o programa Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo. Lucia Ortiz é geóloga e mestre em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que avaliação já é possível fazer da primeira semana de COP-21?
Lucia Ortiz – Como Amig@s da Terra, uma federação ecologista com grupos em 75 países, nossa maior expectativa para essa COP foi sempre com a força da mobilização e das mensagens, exemplos e soluções mostrados pormanifestantes representando povos do mundo todo que demandam uma mudança de sistema como única forma real de enfrentar as mudanças climáticas. Apesar dos ataques terroristas em Paris antes da COP, com consequente limitação da presença e liberdade de expressão dos manifestantes, avaliamos que a voz e a organização de diversos setores da sociedade estão fortes, sem medo, convergentes, e com capacidade de envergonhar a falta de ação dos líderes mundiais e de repercutir o interesse das corporações por detrás deles e suas falsas soluções.
Já as negociações oficiais – que têm como foco a abstração das toneladas equivalentes de carbono, e não o modelo global de produção e consumo que segue dominado pelas corporações – seguem atendendo as baixas expectativas de conseguir parar o aumento da temperatura global e assim responder aos milhões de atingidos no mundo todo. Sobretudo de que os países industrializados venham a concordar em cortar emissões de acordo com sua responsabilidade histórica e de forma vinculante, ou em proporcionar o financiamento e transferência de tecnologias suficientes para a adaptação e a transição nos países em desenvolvimento.
Nessa primeira semana da COP-21 já se viu quais são os pontos que vão ficar trancados para uma possível decisão de alto nível na segunda semana. Alguns, por sua complexidade técnica e política, poderão ser deixados pelos Ministros para depois de Paris, e assim lá se vão mais de duas décadas de COPs intermináveis…
IHU On-Line – Qual é o resultado que se espera da COP-21? Que questões centrais não podem ficar de fora do acordo?
Lucia Ortiz – Há questões de fundo em jogo e outras mais específicas para essa COP. Primeiro, e mais grave, é que o provável Acordo de Paris, que vem sendo construído sobre a proposta que osEstados Unidos levaram ao final daCOP-15 de Copenhague e que foi um estrondoso fracasso, de fazer uma junção de promessas do que cada país pode reduzir de emissões e então assinar: i) não respeita um dos princípios fundamentais da Convenção do Clima firmada em 1992, o das responsabilidades comuns porém diferenciadas, ou o que o Movimento por Justiça Climática define como o reconhecimento da Dívida Ecológica dos países do Norte para com o Sul; ii) diz a ciência que a soma do que foi apresentado pelos países em suas contribuições nacionais pretendidas não é suficiente para parar o aumento da temperatura média da Terra nos 1,5 graus e pode chegar a 4 graus, o que significa centenas de milhões de pessoas mortas ou refugiadas, sem acesso à comida, água, terra; e iii) os Estados Unidos não querem que o acordo seja vinculante, ou seja, obrigatório por lei, então corre o risco de ser mais um pacote de promessas vazias.
Sobre este último ponto, o governo brasileiro considera que haverá acordo nas metas globais deredução de emissões com princípios vinculantes, já as metas das Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas (INDCs, da sigla em inglês) não deverão ser vinculantes, mantendo a soberania de cada país na sua implementação. Com isto, espera manter os Estados Unidos dentro das negociações (ver mais em: www.cartadebelem.org.br ou @grcartadebelem).
Agora entre as questões quentes dessa COP, ainda “entre colchetes” ao final da primeira semana de negociação, estão:
– As referências à necessidade de limitar a temperatura em 1,5 ou 2 graus, reconhecendo que 2 graus já como um nível perigoso de aquecimento global, ainda estão no texto, enquanto foi retirada a referência à “Net Zero”, que poderia significar a vinculação provável das metas de temperatura ao uso de falsas e perigosas soluções tecnológicas como a captura e o sequestro geológico de carbono (CCS da sigla em inglês) ou as compensações de carbono fóssil por plantações ou captura de carbono nos solos e nas florestas, o que é um ponto positivo.
– A mitigação, ou redução de emissões, tem sido priorizada, acima da necessidade de adaptação e ajuda aos mais pobres, ao financiamento e transferência de tecnologia para a transição dos países em desenvolvimento e para a recuperação dos impactos e desastres climáticos já sentidos, ou seja, não há o devido balanço entre mitigação e os demais temas.
– A opção anterior de remover o item sobre perdas e danos no texto foi vencida, mas a sugestão de manter este tema crucial para as vítimas de eventos climáticos extremos enfraquecido dentro do texto sobre Adaptação é um risco.
– O financiamento, dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento, continua controverso, não apenas insuficiente quanto ao volume de recursos prometidos. O Fundo Verde do Climaainda é uma incógnita quanto às fontes dos recursos, para que e para quem, e ainda com capacidade de beneficiar grandes bancos, corporações e falsas soluções, como considerar mercados de carbono como fontes de financiamento.
– Por fim o mais ultrajante: continuam os debates sobre inclusão – ou não (!) – de linguagem sobreDireitos Humanos.
Os ataques corporativos e conservadores aos direitos das mulheres, dos trabalhadores, dos povos indígenas durante as conferências de meio ambiente não são uma novidade, veja-se o ataque ao direito a água e aos direitos reprodutivos da mulheres na Rio+20 em 2012 no Brasil, mas esse tema tem gerado grande mobilização, inclusive on-line direto de Paris e do Tribunal dos Povos Pelos Direitos da Natureza neste fim de semana.
Como em geral acontece durante os períodos da COP, dia 10 de dezembro é celebrado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, e a pressão deve aumentar. Para os movimentos do Brasil, frente ao crime ambiental da Vale e daBHP Billiton no Rio Doce, esse vai ser um dia de ação pelos direitos dos povos atingidos e pela responsabilização das transnacionais por suas violações sistemáticas e sistêmicas contra os direitos humanos.
IHU On-Line – De que modo os direitos humanos estão sendo atacados na COP-21, tanto dentro quanto fora da conferência?
Lucia Ortiz – Os Direitos Humanos estão no centro dos ataques durante esta COP, justamente quando a questão das mudanças climáticas e das políticas necessárias para conter um aumento de temperatura catastrófico deveria ter como centro as suas vítimas e a proteção dos seus direitos como objetivo, em especial dos povos mais vulneráveis e menos responsáveis pelo problema.
Do lado de fora, os ataques terroristas tiveram como consequência o estabelecimento de estado de emergência – não climática – em Paris, restringindo assim as liberdades civis e o direito de expressão e manifestação dos milhares que se mobilizaram, para além de empurrar uma ação dos estados, para demonstrar que as soluções dos povos para mudar o sistema estão em marcha.
Do lado de dentro, nas negociações do texto da Plataforma de Durban, onde deveria se reforçar o que já estabelece o artigo 2 da Convenção – do qual todas as partes da COP são signatárias -, a reação é oposta e pode haver retrocesso. União Europeia, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália e alguns países árabes querem remover a linguagem sobre Direitos Humanos do texto que inclui garantias a uma Transição Justa e à proteção social dos trabalhadores.
IHU On-Line – O que é a transição justa que está sendo pautada na COP-21?
Lucia Ortiz – Para os movimentos sociais demandando justiça climática, está claro que combater as mudanças climáticas requer uma mudança do sistema econômico que está na raiz do problema. Para Amig@s da Terra, isto significa que os sistemas energéticos controlados por grandes empresas devem mudar, prescindindo por completo dos combustíveis fósseis; que os sistemas alimentares devem mudar, prescindindo por completo dos sistemas de produção e distribuição da agricultura industrial que também são intensivos em combustíveis fósseis; que a forma de gerir as florestas, os territórios e as águas deve ser aprendida com os povos que têm cuidado da terra por meio de organização comunitária há gerações, com leis e modelos de gestão pública-comunitária que garantam os direitos dos povos, prescindindo por completo dos mecanismos de financerizaçãoda natureza e de tomada de territórios pelas grandes corporações.
Esta mudança não pode ser concebida sem implicar uma transição justa, construída com os trabalhadores e trabalhadoras em conjunto com toda a sociedade, de modo a assegurar o emprego decente e mecanismos de requalificação e recolocação profissional, bem como a liberdade de organização, a garantia de direitos fundamentais como a negociação coletiva, a greve, o acesso à saúde e o diálogo social, que é a pauta construída pelo movimento sindical e que converge com diversos outros setores. Passa também pelo estabelecimento de uma ampla rede de seguridade e proteção social, entendida como um direito humano, além de políticas públicas que garantissem formas de trabalho dignas.
Confederação Sindical Internacional conquistou com apoio dos demais setores nos últimos anos que o tema da transição justa estivesse referido no texto das negociações do clima e de meio ambiente, dando-lhe conteúdo e força política.
Essa semana desde Paris uma diversidade de atores sociais defendia que permanecesse no texto desta COP a garantia de integridade da Mãe Terra, a proteção da saúde, a transição justa e a criação de trabalho decente, e o respeito, proteção, promoção e cumprimento dos direitos humanos para todos, incluindo povos indígenas, incluindo o direito a um ambiente saudável e sustentável, incluindo o direito dos povos sob ocupação, a igualdade de gênero e intergeneracional.
Brasil defende os direitos humanos no Acordo, enquanto os defensores das suas transnacionais querem deixá-los apenas no preâmbulo do texto, como princípios sem força vinculante, mas nosso Congresso Nacional está longe de defender os direitos dos Povos Indígenas e das populações tradicionais.
IHU On-Line – Quais são os pontos mais polêmicos da Convenção acerca da discussão sobre a financeirização da natureza? Como se deu a discussão sobre o avanço do mercado de carbono até esse momento na COP-21?
Lucia Ortiz – Depois que a abordagem de REDD foi definida na COP de Varsóvia, passou-se a definir aspectos mais técnicos de sua implementação e verificação, como parte das metas de contribuições nacionais apresentadas na COP-21. A maioria deles já foi tratada nas negociações prévias. Porém, desde 2009 há uma força-tarefa de governadores da Amazônia e dos Estados Unidos pressionando e avançando em leis subnacionais na expectativa de que as florestas brasileiras sejam colocadas em mercados globais de carbono florestal.
As medidas nacionais anunciadas pelo Brasil na semana anterior à COP-21 frustraram os planos daCalifórnia e de outros estados dos EUA de comprar créditos de compensação de carbonoflorestal do Acre e outros estados da Amazônia brasileira. O anúncio foi celebrado por Amigos da Terra Internacional e por organizações e movimentos sociais do Brasil como uma medida positiva para limitar o alcance dos mercados mundiais de carbono.
No dia 27 de novembro, o Brasil publicou um decreto oficial que estabelece o marco nacional para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de florestas (conhecida pela sigla REDD+), no qual declara que “pagamentos por resultados REDD+ e seus respectivos diplomas não poderão ser utilizados, direta ou indiretamente, para cumprimento de compromissos de mitigação de outros países perante a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC)”, e que tais títulos “não gerarão direitos ou créditos de qualquer natureza”.
Venda de créditos de carbono
A decisão do Brasil de proibir a venda de créditos internacionais de REDD+ antes da COP-21 das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas é um claro rechaço às aspirações de alguns países do Norte e de especuladores de carbono de colocar a maior zona de floresta tropical do mundo num mercado de carbono mundial.
A decisão do Brasil fortalece os esforços da sociedade civil e dos movimentos sociais em rejeitar os mercados de carbono, a compensação de emissões por REDD+ e outros meios através dos quais os governos do Norte pretendem evadir sua responsabilidade histórica com as mudanças climáticas.
A compensação de emissões de carbono, ou offset, também chamada de permissão para poluir, é amplamente considerada como uma brecha para os poluidores, ao invés de ser uma forma legítima de redução de emissões. Além disso, leva à financerização da natureza e a violações de direitos humanos, enquanto a carga injusta de compensar emissões recai sobre os povos que dependem das florestas. (Para acessar o informe da Plataforma DHESCA Brasil sobre Economia Verde e Violações de Direitos Humanos no Acre, ver aqui)
O anúncio teve lugar enquanto o Departamento de Recursos Atmosféricos da Califórnia está a ponto de incluir a compensação por REDD+ do estado do Acre e outras jurisdições em seu programa de limites máximos e comércio como forma de cumprir com as metas de redução de emissões mediante a compra de créditos do exterior.
Ao frustrar as esperanças da Califórnia de ampliar seu mercado de carbono, esperamos que o anúncio do Brasil aumente a pressão para que o estado adote medidas reais para realizar a transição da sua economia baseada em combustíveis fósseis e também para evitar a destruição das florestas mediante a redução do consumo de petróleo, óleo de palma e outras commodities que destroem a Amazônia.
Esta medida é coerente com o que o Governo Brasileiro tem expressado em diálogo com organizações da sociedade civil e responde às nossas preocupações sobre a possibilidade de dupla contabilidade de carbono na contribuição nacional pretendida, apresentada pelo Brasil à CQNUMC.
Assim mesmo, em nível nacional temos que seguir lutando contra os mercados de carbono e os mecanismos de compensação florestal, como aquele criado pelo Código Florestal de 2012. As compensações de carbono florestal permitem o múltiplo pagamento e a geração de títulos especulativos sobre uma mesma área de floresta natural, o financiamento da expansão de plantações industriais de árvores e o aumento dos preços de terra, e assim dos conflitos por território na Amazônia, enquanto a construção de grandes barragens e a exploração de petróleo continuam contribuindo para a destruição da região e do clima global.
Financeirização da natureza
Apesar do certo silencio nesta COP sobre mercados de carbono, a lógica de separar elementos da natureza e transformá-los em títulos transacionáveis em mercados financeiros segue presente. Nas negociações previas, a União Européia tentou empurrar a discussão sobre ‘novos mecanismos de mercado’ para substituir esquemas projeto-a-projeto e dar escala aos mercados cobrindo setores inteiros da economia, como a agricultura, sofrendo então a oposição dos países do G77, ou então incluí-los numa discussão sobre ‘varias abordagens’ de contabilidade de carbono. Agora a lógica da compensação vai mudando de nome pra esconder o conteúdo, de modo que os mercados de carbono podem estar tanto dentro das metas nacionais, como por traz de novas expressões como ‘abordagens cooperativas’ ou resultados de mitigação transferíveis’.
Uma dica sobre a força dos interesses pelos mercados de carbono pode ser vista nos eventos paralelos à COP-21, onde segue a promoção de falsas soluções que envolvem a financerização da natureza, mercados de carbono e a chamada “agricultura climaticamente inteligente, como oGlobal Landscape Forum esse fim de semana. Mas lá está também , a presença dos ativistas do Brasil e do mundo para denunciar os novos mecanismos e estratégias de colocar à venda seja o carbono, a biodiversidade, a cobertura vegetal, as soberania alimentar e as práticas de agroecologia e assim apropriar-se dos territórios e dos modos de vida das populações que realmente esfriam o planeta.
Para o Brasil, é importante lembrar que metas nacionais assumidas deverão se converter em políticas públicas que estarão repletas de falsas soluções e terão efeito na vida de tod@s nós. Em que pese ter assumido uma meta individual de redução de emissões considerada ambiciosa, o Brasil propõe atingi-la sem lidar com uma redução progressiva do uso de combustíveis fósseis, com 21 milhões de hectares de plantações de eucaliptos, com mais hidrelétricas na Amazônia e com mecanismos de financeirização da natureza, como REDD, mercados de carbono, Pagamentos por Serviços Ambientais e venda de Cotas de Reserva Ambiental (CRAs, estabelecidas no novo Código Florestal) na bolsa de valores do Rio de Janeiro (BVRio). A chamada “economia verde”, a qual nos opusemos naRio+20, é um dos pilares de uma política climática inócua, onde se pode lucrar mais sem mudar o modelo predador de desenvolvimento.
IHU On-Line – Em que consiste a manifestação que está sendo prevista para o dia 12 de dezembro nos diversos espaços públicos de Paris?
Lucia Ortiz – O Governo da França proibiu as grandes manifestações que estavam previstas para o dia 29 de novembro. No dia 4 de dezembro, nas ações previstas contra a presença das corporações e suas falsas soluções na COP, em frente ao evento corporativo que nós chamamos “CO(r)P Solutions21”, houve policiamento ostensivo e repressão.
Ainda assim, o 29 de novembro foi marcado pela cadeia humana em vários bairros de Paris, por uma mobilização on-line chamada «march4me», e pela simbólica marcha dos sapatos na Place de la République.
Para o dia 12, a possibilidade apresentada pelo governo é que haja uma manifestação dentro de um estádio no sul de Paris. Mas tenho certeza de que o movimento por justiça climática surpreenderá com ações criativas e antissistêmicas para dar a última palavra.
Por Patricia Fachin
(EcoDebate, 10/12/2015) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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