As hortas urbanas são pequenas revoluções pacíficas que introduzem novas vivências no espaço urbano e avançam na conquista do direito aos sítios urbanos, enquanto arranjos de convivência.
Desde a guerra do Yom Kippur e da Crise do Petróleo que abalaram a economia global, ocorre a imposição sobre a necessidade de reflexão sobre o uso excessivo de uma fonte de energia não renovável e extremamente poluente. Esta realidade se ampliou a partir da constatação dos fenômenos responsáveis pelos processos de aquecimento global.
As hortas comunitárias urbanas se disseminam pelo mundo inteiro. Estas pequenas revoluções pacíficas introduzem novas leituras e vivências ao espaço urbano e avançam na conquista efetiva do direito à cidade. Esta passou a ser vista, definitivamente, como espaço fundamental para a produção de alimentos.
A agricultura urbana é sem dúvida, mais uma solução para se enfrentar as crises emergentes. Excesso de consumo de combustíveis fósseis, grandes distâncias de transporte e escassez hídrica dentre outros. Estes cenários se modulam em decorrência da falta de planejamento, especulação imobiliária e ingratidão socioambiental.
A implantação de avenidas em fundos de vale; a absurda ocupação das várzeas por vias expressas, a cidade toda mobilizada pelo automóvel, os condomínios fechados com seus extensos muros e gramados internos nos arredores da grande metrópole, a insuficiência de transporte público sobre trilhos, a poluição atmosférica, das águas e dos solos, o consumismo exacerbado e descontrolado e a constante falta de tempo e todas as demais mazelas que já parecem fatos “normais”, comprovam que o modelo adotado fracassou.
É um cenário apocalíptico, mas real, demonstra que este modelo tem conduzido a civilização humana aos colapsos atuais.
Um dos caminhos para a passagem do “consumir a cidade” para o “viver a cidade” também já se anunciava há bastante tempo. Se modelos violentos detonaram tentativas de harmonia urbana, teriam de brotar novas revoluções tranquilas, encontrando soluções democráticas e solidárias para resolução satisfatória deste paradigma.
A agricultura urbana é uma das atividades que busca melhor “viver a cidade” e compartilhar os seus espaços públicos, tal como as manifestações das artes de rua, a presença das bicicletas e tantas outras. Nos últimos anos, houve uma significativa ascensão da articulação desses movimentos com o intuito de transformar as cidades.
No que se refere ao ativismo em defesa da agricultura urbana, o Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo (MUDA-SP), os Hortelãos Urbanos, o Movimento Horta di Gueto e as diversas hortas comunitárias que nasceram articuladas a estes coletivos e redes são alguns exemplos importantes nesta segunda década do século XXI.
Como toda mudança, estas modificações de hábitos e atitudes necessitam de um tempo para assimilação e incorporação social e para sua integração nas políticas públicas, a fim de evidenciar reais transformações na estrutura da sociedade e no espaço urbano.
As hortas comunitárias em São Paulo são exemplos de práticas inovadoras que buscam democratizar o uso do espaço de maneira a transpor os muros da segregação social, do individualismo e da exclusão social. Várias são as experiências coletivas e hortícolas criadas ao longo dos anos.
Mas, agora, também é preciso atentar àquelas que nasceram do ativismo urbano com a ocupação do espaço público, na maioria das vezes abandonado, para criar uma área verde agregável onde se partilham experiências e se cultivam alimentos.
Mas ainda existe a oposição daqueles que estão ancorados nas antigas e persistentes estruturas sociais da diferença e da segregação. Ao mesmo tempo, é preciso praticar o desapego aos bens materiais e desejar uma nova forma de vivenciar o espaço público de uso coletivo, onde as diferenças podem se manifestar e se interagir democraticamente.
Qual é o significado de plantar uma muda de planta, de regá-la, de acompanhar seu desenvolvimento e enfim deixar que uma outra pessoa qualquer colha seu fruto para comer. Mais do que compartilhamento, isto é a construção de uma nova forma de solidariedade urbana. Os hortelãos urbanos também poderiam produzir inúmeras respostas diferentes que justifiquem suas motivações.
Os ativistas da Horta do Ciclista, na Avenida Paulista, por exemplo, afirmam que plantar e cuidar de um espaço público de uso coletivo no coração da cidade pode ser uma terapia para relaxar da estressante rotina paulistana e uma conexão com a natureza, melhor compreendendo como são os ciclos das plantas e o significado de produzir os alimentos.
Trata-se de um aprendizado coletivo sobre as funções e os usos do espaço público, onde há trocas de experiências entre moradores da vizinhança, trabalhadores dos escritórios próximos, moradores de rua e dos transeuntes em diferentes circunstâncias: nos mutirões, nos turnos de rega, na colheita de alguma hortaliça ou mesmo nos bate-papos cotidianos.
Ser uma hortelã ou um hortelão urbano é muito mais que plantar e produzir alimento na cidade. É acreditar que há outra maneira de se relacionar com os espaços públicos, com todas as pessoas que moram na cidade e com a alimentação de seus milhões de habitantes.
Talvez nem todos queiram se engajar em defesa da agricultura urbana, mas, sem dúvida, ela é uma das soluções possíveis para a crise metropolitana em que vivemos.
Ocorre esperar que a agricultura urbana, em todas as suas categorias e concepções, seja muito bem contempladas por práticas sociais inovadoras que precisam se consolidar. E que em todos os recantos deste país, não ocorra escassez hídrica, e se respire um ar melhor; que se conviva com as diferentes maneiras de ser e de pensar, se enalteça os princípios da democracia e da diversidade e se pratique a segurança alimentar pela retomada dos espaços públicos.
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César Torres