Concentração de CO2 na atmosfera ultrapassa barreira simbólica de 4 centenas de partes por milhão e pode superar limiar da catástrofe em 25 anos, sugere estudo de grupo internacional
CLAUDIO ANGELO
Do Observatório do Clima
Algumas coisas desagradáveis são para sempre: ex-cônjuges, impostos e, agora, 400 partes por milhão de CO2 na atmosfera. Perto do último item, os dois primeiros são uma bênção.
Um grupo internacional de cientistas acaba de publicar um estudo no qual prevê que a concentração de dióxido de carbono no ar em 2016 terá a maior elevação de todos os tempos e terminará o ano no patamar de 404 ppm. Ou seja, em cada milhão de moléculas de ar no planeta, haverá 404 do principal gás de efeito estufa.
Dito assim parece pouca coisa. Mas, nos últimos 800 mil anos, essa concentração jamais ultrapassou 300 ppm. E, quando chegou nesta faixa, o mar subiu cerca de 10 metros no mundo todo, devido ao derretimento do gelo da Groenlândia e de parte da Antártida.
É que o gás carbônico segue a máxima segundo a qual os piores venenos estão nos menores frascos: ele é tão eficiente em aprisionar o calor irradiado pela Terra na atmosfera que mesmo uma quantidade ínfima tem grande potencial de aquecer o planeta.
Então, 404 ppm definitivamente não parece um limiar recomendável para cruzar. Só que é tarde demais agora: o climatologista Richard Betts, do Met Office britânico, e seus colegas afirmam que não retornaremos tão cedo a patamares de concentração de CO2 menores do que 400 ppm. Mesmo que a taxa anual de acúmulo desse gás no ar caia nos próximos anos em relação a 2016 – o que é muito provável que aconteça –, a humanidade poderá ultrapassar o limite de 450 ppm em cerca de 25 anos. Este é o limite que separa o mundo de um aquecimento potencialmente catastrófico neste século.
A nova análise foi publicada nesta segunda-feira (13) na edição on-line da revista Nature Climate Change. Ela tem entre seus autores o americano Ralph Keeling, da Universidade de San Diego, que dedica sua vida a medir CO2 no alto do vulcão Mauna Loa, no Havaí. Trata-se de um antigo negócio de família, que rendeu ao mundo uma das constatações mais chocantes sobre o aquecimento global.
TAL PAI, TAL FILHO
Keeling ainda não era nascido em 1958, quando seu pai, Charles, instalou no alto do mesmo vulcão o primeiro equipamento para medir as concentrações de CO2 na atmosfera. A pesquisa de Charles Keeling tinha como objetivo comprovar ou não a tese de um professor dele, Roger Revelle, de que o CO2 produzido por atividades humanas estava se acumulando perigosamente no ar e aquecendo o planeta. A resposta, dada já ao final do primeiro ano de medições, era positiva.
Keeling pai iniciou uma série de medidas mensais do CO2 que resultou em um dos gráficos mais famosos da história da ciência, a chamada curva de Keeling (que ilustra esta página). As medições foram continuadas por Ralph após a morte de Charles, em 2005.
A curva é cheia de “dentes”, que correspondem à variação sazonal da quantidade de carbono no ar: esta sobe no outono e no inverno, quando as florestas do hemisfério Norte perdem suas folhas (liberando carbono por decomposição), e cai na primavera e no verão, quando ocorre a rebrota (e o sequestro de CO2 do ar). Ano após ano, porém, o que a curva mostra é um crescimento contínuo das concentrações do gás. No primeiro ano de medição, havia 315 ppm de CO2 na atmosfera. Em 2013, o limiar de 400 ppm foi cruzado pela primeira vez no outono, no pico sazonal. Mas a média anual ainda estava abaixo disso. Em 2015, o valor anual fechou em 400,9 ppm.
Na última década, a concentração de gás carbônico no ar tem crescido a uma taxa média de 2,1 ppm por ano. Só que em 2016 ela deve ser ainda maior: 3,15 ppm. Trata-se de uma previsão feita por Betts, Ralph Keeling e colegas com base no comportamento de dois fatores conhecidos: o ciclo de carbono, que inclui as emissões de CO2 por desmatamento e combustíveis fósseis, e as temperaturas do oceano, que determinam quanto CO2 dissolvido no mar acabará na atmosfera (quanto mais quente, menos CO2 o mar absorve).
A aceleração prevista se deve, neste ano, ao malvado favorito do momento entre os climatologistas: o El Niño. O fenômeno cíclico do aquecimento do Oceano Pacífico aumenta a emissão de carbono por ecossistemas tropicais e o risco de incêndios florestais, como ocorreram em 1998 na Amazônia e na Indonésia e neste ano novamente na Indonésia.
O modelo usado pelos pesquisadores para fazer sua previsão da concentração anual foi testado para alguns meses deste ano. A previsão era a de que o CO2 chegasse a 407,57 ppm em maio e 406,7 em abril. A medição no Mauna Loa, porém, registrou 407,57 ppm já em abril, o que sugere que o modelo pode ser ligeiramente otimista. A força do El Niño deste ano é tamanha, notam os pesquisadores, que a alta é esperada mesmo com a ligeira queda na taxa de emissões por uso de energia no mundo entre 2014 e 2015.
Mas e depois que o El Niño passar e o planeta entrar na fase fria conhecida como La Niña, ainda este ano?
“As concentrações mínimas anuais de CO2 poderiam cair novamente abaixo de 400 ppm? Isso é excepcionalmente improvável”, escreveram os autores. Aqui quem entra em ação para controlar a marionete do CO2 são as emissões humanas. E, mesmo no cenário mais benigno de emissões descrito pelo IPCC, o painel do clima da ONU – um cenário que envolve sequestro maciço de carbono em usinas de bioenergia e que Keeling, Betts e colegas dizem que é também pouco crível de alcançar –, as concentrações ficam acima de 400 ppm até o ano 2150. “Portanto, nossa previsão apoia a sugestão de que o registro do Mauna Loa não voltará a mostrar concentrações menores que 400 ppm no nosso tempo de vida.”
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César Torres