Até há bem pouco tempo atrás, as discussões ambientais restringiam-se a proteger ursos panda, evitar desperdício de água e reciclar latinhas de cerveja.
A crise ambiental mais complexa, é resultante da repetição ao longo de décadas, de hábitos de consumo coletivos e individuais predatórios, mas abençoados pela lógica de mercado e por uma cultura de sobre-consumismo permanente.
Entre os hábitos está o consumo indiscriminado de carne de qualquer origem. A atual manutenção, em “estoques vivos”, de 30 bilhões de aves, peixes e mamíferos de dezenas de espécies exerce uma tremenda e inédita pressão sobre todos os ecossistemas.
Basta lembrar que cada um desses animais, assim como cada um dos quase sete bilhões de animais humanos, demandam sua porção de terra, de água, de comida e de energia, despeja seus dejetos sobre a terra e gera emissão de poluentes no solo, no ar e na água.
Não há como negligenciar que cada hambúrguer, nugget, salsicha e lata de atum provoca um impacto e um respectivo custo ambiental que aproximam a civilização humana da bancarrota ecológica.
E urgente repensar os paradigmas de consumo global, como única alternativa viável para evitar as grandes catástrofes que se anunciam com tanto vigor.
Estima-se, que no mundo, a cada segundo, uma área de floresta tropical do tamanho de um campo de futebol seja desmatada para produzir carne de boi equivalente a 257 hambúrgueres.
O custo total de determinada coisa não é apenas o valor do dinheiro que se gasta para comprar. Este é apenas o “preço nominal” ou “custo econômico”.
Os procedimentos tem custos econômicos, culturais, sociais, estéticos, ambientais e até morais. E a produção de carne gera vários tipos de custos, quase todos desconhecidos dos indivíduos.
Além do que se paga diretamente no balcão do mercado e que corresponde ao custo econômico da carne, há outros fatores envolvidos que deveriam compor o preço final do produto.
O custo ambiental da carne é um dos maiores problemas ambientais da Terra. Uma série de cálculos e estudos estabelece a relação do consumo de carne com a saúde do planeta.
No Brasil, em média, um quilo de carne bovina é responsável por cerca de 10 mil metros quadrados de floresta desmatada, pelo consumo de 15 mil litros de água doce limpa, pela emissão de relevantes quantidades de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso na atmosfera e pelo despejo de fósforo, mercúrio, bromo, chumbo, arsênico, cloro, entre outros elementos tóxicos provenientes de fertilizantes.
Também pelo descarte de efluentes como sangue, urina, gorduras, vísceras, fezes, ossos e outros que acabam chegando aos rios e oceanos, depois de contaminarem solo e aquíferos subterrâneos.
E pelo consumo de energia elétrica e de combustíveis fósseis, e também pela destinação de antibióticos, hormônios, analgésicos, bactericidas, inseticidas, fungicidas, vacinas e outros fármacos, via urina, fezes, sangue e vísceras, que inevitavelmente atingem os lençóis freáticos.
Isto gera pesados encargos para os cofres públicos com tratamentos de saúde, decorrentes da contaminação gerada pela pecuária e gastos do poder público com infraestrutura e saneamento necessário para equilibrar os danos causados pela pecuária, além de custos pelas isenções fiscais e subsídios concedidos pelos governos estaduais e federal para as atividades pecuárias.
Tudo isso está presente em cada quilograma de alcatra, maminha, picanha e outros cortes, consumidos diariamente e nos churrascos domingueiros. Mas nada disso é computado no balcão do açougue.
É importante observar que estes dados relativos à produção de 1kg de carne de boi não são estimativas alarmistas, são constatações lúcidas de estudos científicos e dados oficiais.
A criação de suínos, caprinos, bubalinos e ovelinos gera números semelhantes.
Ou seja, a produção industrial de carnes é uma das fontes mais importantes de poluição do meio ambiente, exigindo áreas gigantescas, consumindo enorme volume de recursos naturais e energéticos e onerando os cofres públicos, além de gerar bilhões de toneladas de resíduos tóxicos sólidos, líquidos e gasosos, que contaminam solo, água, plantas, animais e pessoas.
A legislação brasileira é rigorosa em relação à poluição industrial. Porém, não há fiscalização para o setor pecuário e a aplicação das leis ambientais tornaria praticamente inviável a atividade.
Se o governo brasileiro retirasse incentivos e subsídios, cobrasse impostos e obrigasse a internalizar os custos energéticos, o uso de recursos naturais e os danos ambientais, cada quilo de alcatra custaria uma pequena fortuna.
Em 1960, um grande tsunami atingiu a costa de Bangladesh. Apesar dos prejuízos materiais, não houve uma única perda humana. No entanto, vários milhares de pessoas morreram quando um tsunami de magnitude similar arrasou a mesma área, em 1991.
Neste meio tempo, os imensos manguezais, que davam proteção natural àquela região, foram devastados para dar lugar a inúmeras fazendas industriais de carnicicultura (criação de camarões em cativeiro).
Um outro mundo é possível. Ocorre enfatizar que a manifestação não é de natureza ideológica, sendo apenas pequena reflexão isenta. Mas uma nova autopoiese sistêmica para o arranjo social, é imprescindível.
Fonte: http://www.vegetarianismo.com.br/sitio/index.php?option=com_content&task=view&id=2736&Itemid=33
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.