Em 2010, comunidade internacional tem como missão avançar na definição de metas de redução das emissões de carbono, que ficaram fora do acordo fechado na COP-15
Passados 30 dias do fim da 15ª Conferência das Partes (COP-15), a convenção das Nações Unidas sobre mudanças climáticas realizada no mês passado, na Dinamarca, não foi estabelecido ainda um cronograma de trabalho para a continuidade dos debates neste ano.
A COP-16 está marcada para novembro, no México, e a expectativa é de que amanhã, durante seu primeiro discurso pós-Copenhague, Yvo de Boer, secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), informe os próximos passos a serem seguidos pelos grupos de trabalho.
O planejamento é geralmente criado com um ano de antecedência, o que não ocorreu para o encontro em Copenhague. “Em Bali, em 2007, tudo foi desenhado: como seria cada etapa de discussões, quantas reuniões seriam feitas. Em dezembro, o que houve foi que saímos de Copenhague com esse acordo inconsistente, sem nenhum plano de trabalho”, critica a diretora de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Branca Americano. Ela, no entanto, não está totalmente descrente sobre a possibilidade de avanços. Reportagem de Cristiana Andrade, no Correio Braziliense.
“(O acordo) foi uma saída política, a discussão não acabou. Vamos precisar de mais um ano para resolver questões. A preocupação é não jogarmos para o alto o que já foi feito até aqui. Como ficamos escaldados com Copenhague, acho que ninguém vai deixar uma grande quantidade de questões abertas até o México”, espera.
O sentimento do chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Carlos Nobre, é de frustração pela dificuldade de ver a negociação avançar. “O resultado foi pífio e insuficiente. Todos achavam que, com a presença dos líderes e primeiros-ministros, fosse ocorrer um milagre, mas não houve compromisso, tudo ficará para o futuro.”
Para Nobre, houve demasiada pressão política e diplomática. E, mesmo com a possibilidade de criação de um fundo de US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020, por 20 anos, pode não haver tempo suficiente para a mudança rumo a uma economia de baixo carbono. “Os países industrializados precisam fazer uma conversão muito rápida de sua matriz energética, e estamos falando de uma necessidade de US$ 4 trilhões para de fato ocorrerem os ajustes necessários. É preciso haver uma quebra de paradigma, mas não consigo vê-la ocorrendo amanhã”, acrescenta.
Por outro lado, ele pondera: “Como cientista, posso dizer que um aspecto importante foi que, pela primeira vez, entrou no texto da conferência o reconhecimento de qual limite é perigoso para o planeta. Isso foi positivo”.
Uma das dificuldades, na opinião do especialista, é a posição da China. Segundo ele, é um desafio convencer o país asiático a reduzir suas emissões por meio de projetos conjuntos, que possibilitariam a aquisição de controle tecnológico e, ao mesmo tempo, seu desenvolvimento.
“A China está construindo várias usinas eólicas e, em cinco anos, deve ultrapassar Alemanha e Estados Unidos nessa área. São os chineses que têm o maior aproveitamento de energia solar no planeta. Não que eles não estejam fazendo nada para mudar sua matriz energética ou dando as costas para o problema do clima, mas precisam de energia para alimentar seu crescimento de 8% a 10% ao ano. É questão de escala buscar energia mais barata. Noventa e três por cento de sua energia elétrica ainda têm como fonte o combustível fóssil (carvão)”, pontua.
Para aqueles que esperam que as mudanças climáticas voltem a ocupar o centro da discussão da política internacional, a expectativa é de que, além do pronunciamento de De Boer amanhã, ministros do chamado Grupo Basics (Brasil, África do Sul, China e Índia), que se reúnem em Nova Déli (Índia) nos dias 24 e 25, definam algum tipo de ação conjunta para 2010. Afinal, trata-se de países em desenvolvimento com grande potencial de crescimento econômico e, consequentemente, de aumento nos níveis de emissões de gases causadores do efeito estufa.
“Acredito que, nesse encontro, os ministros desenhem uma estratégia comum para o apêndice 2 do acordo de Copenhague, que fala sobre as ações nacionais de mitigação (Namas) que cada um deve apresentar até o dia 31. Aqui no Brasil, há um grupo discutindo o que será levado para Déli, mesmo sem instruções da UNFCCC”, diz Branca Americano.
Legislação
Outra tarefa que vai demandar trabalho do governo brasileiro é começar a cumprir o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As metas traçadas até 2020 pela lei são de reduzir as emissões de gases poluentes entre 36,1% e 38,9%.
“Já estamos promovendo discussões internas de como montar o processo de consultas e propostas a serem discutidas entre ministérios, setores produtivos e os estados. O detalhamento das ações será disposto por decretos e é nisso que vamos trabalhar agora”, informa a diretora de Mudanças Climáticas do MMA.
Além da nova legislação, o segundo inventário das emissões de gases no Brasil será concluído este ano. No fim de 2009, uma síntese do material foi divulgada, mas sua finalização vai permitir projeções e desenhos de ações públicas compatíveis com a política do clima, o que é fundamental para que o plano tenha efeito prático. “O interessante é que a lei projeta planos setoriais e discrimina como os diversos setores devem caminhar para a consolidação de uma economia de baixo carbono”, diz Branca.
Segundo Carlos Nobre, outro fato que pode gerar efeitos positivos é a união entre nações do Hemisfério Sul – Brasil, Índia, África do Sul, Argentina e Chile – para o desenvolvimento de cenários climáticos futuros. “Cada país reunirá esforços de sua comunidade científica, como centros de tecnologia e universidades, para fazermos modelos matemáticos do sistema climático”, antecipa o pesquisador.
O Inpe, referência em monitoramento de florestas, está preparado para compartilhar sua tecnologia, treinar e capacitar agentes de outros países.
“Uma das ideias é trabalhar com os países do sudeste asiático. O Brasil tem tido um posicionamento solidário, principalmente com países mais pobres. Além disso, quem usar nossa tecnologia vai utilizar o satélite sinobrasileiro, o que estreita ainda mais o contato entre China, Brasil e outras nações. Podemos avançar também no ensino de tecnologia de biocombustíveis, área em que temos experiência de mais de 20 anos”, acrescenta Nobre.
Debate nas mãos de EUA e China, entrevista com Eduardo Viola
Professor titular de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Viola é um dos maiores especialistas brasileiros nas discussões sobre o combate às mudanças climáticas. Em entrevista ao Correio, ele afirma que, se os Estados Unidos e a China não se definirem claramente como favoráveis à transição para uma economia de baixo carbono, as discussões em nível internacional podem ficar estagnadas.
- Passados 30 dias do fim da COP-15, qual a avaliação que o senhor faz sobre o acordo fechado em Copenhague?
Conceitualmente, temos três grandes potências climáticas: Estados Unidos, China e União Europeia. E temos as potências médias: Brasil, Japão, Rússia, Coreia, Indonésia, África do Sul e México. Mas a chave para qualquer tratado vai depender das três maiores. O problema é que uma delas, a UE, é definidamente favorável a diminuir as emissões, mas as outras duas, ainda não. EUA e China mudaram sua posição nos últimos dois anos, mas ainda de forma insuficiente. Os Estados Unidos são um país fortemente dividido, com um terço da população que não acredita na gravidade da mudança climática. A China também é dividida. Começou a criar um segmento de economia de baixo carbono que pode ser uma revolução, mas a meta de reduzir em 40% a intensidade de carbono do PIB até 2020 é muito limitada, já que, continuando a crescer no ritmo atual, os chineses terão, em 2010, 80% a mais de emissões do que em 2005.
- Então, qual é o futuro possível?
Que os Estados Unidos mudem e se tornem definidamente promotores da economia de baixo carbono. Se a popularidade do presidente americano Barack Obama for fortalecida e, com isso, ele consiga aprovar a Lei Climática no Senado, será um fato muito positivo, pois os EUA teriam uma proposta definida (ainda que insuficiente) de redução, possibilitando avanços para um tratado global. Caso contrário, acho que a negociação climática pode ficar estagnada por um período significativo. É importante que EUA e China se reorientem aceleradamente para uma economia de baixo carbono.
- E a questão do que foi acordado em Copenhague, de manter a elevação da temperatura em até 2º C?
Há vários estudos científicos que mostram que vários países poderão ser seriamente afetados se isso ocorrer. Já temos aumento de 0,8ºC. Se houver a elevação em 1,5ºC, teremos uma situação muito grave para países vulneráveis (como os chamados países-ilha). No rumo atual, o aumento vai chegar bastante acima de 2oC. Vamos pagar um preço muito alto por causa dos fenômenos climáticos extremos.
- O que o senhor acha que de fato ocorreu em Copenhague? Por que não houve acordo vinculante?
Os chineses foram os principais bloqueadores das negociações. Eles impediram que constasse do acordo a redução das emissões totais em 50% e a dos países desenvolvidos em 80% até 2050, para evitar que, no futuro, fossem cobrados a reduzir suas emissões. Na minha opinião, a China se mostrou uma potência nacionalista arrogante, mas ela é muito complexa. Eles sabem que são vulneráveis e desenvolvem uma série de políticas públicas para a economia de baixo carbono. Se os Estados Unidos mudarem, a China vai ter de mudar. É importante considerar também a relação do clima com o desequilíbrio macroeconômico global hoje existente. A China tem um superavit comercial extraordinário e se nega a deixar flutuar o câmbio, o que produziria a valorização de sua moeda. Isso afeta todas as moedas do mundo – especialmente o real, o euro, a libra esterlina e o yen – e tende a criar uma coalizão antichinesa no plano da economia. E uma situação assim não seria boa para eles. Existem vários fatores que levariam a China a mudar, caso os EUA mudem.
- Podemos dizer que a briga é entre China e EUA?
Existe uma rivalidade entre as duas superpotências, mas eles têm uma interdependência muito grande. Então, se houver um conflito maior, vai ser um tiro no pé. Eu acredito que a ONU e suas convenções têm baixa eficácia para resolver problemas globais, porque há 200 países negociando, a maioria deles pouco relevantes ou irrelevantes, e funcionam sob o princípio do consenso. Um grupo menor, como o G-20, tenderia a produzir um acordo mais efetivo, que posteriormente seria referendado pela ONU. Talvez as potências climáticas se reorientem para negociar um tratado nesse espaço.
EcoDebate, 23/01/2010