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sábado, 4 de setembro de 2010

Multifuncionalidade agrícola



Na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, em Pirassununga, uma pesquisa coordenada pela professora Fabiana Cunha Viana Leonelli tem o objetivo de analisar as diferentes maneiras de produzir e gerar renda em ambientes rurais, como a multifuncionalidade agrícola. Esse novo modo de pensar o ambiente rural — tradicionalmente associado, no Brasil, à monocultura em grandes propriedades —, repensa a ocupação do espaço agrário, valorizando o produtor e as especificidades locais.

A professora conta que seu interesse pelo assunto vem desde quando trabalhava como analista na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), onde interagia com realidades agrícolas distintas e via como pequenos produtores ficam à margem do agronegócio. Ela explica que a multifuncionalidade agrícola consiste em utilizar as diferentes possibilidades que o espaço rural pode trazer, explorando os produtos e particularidades locais, que muitas vezes existem com exclusividade na região; e em valorizar o produtor e a pequena produção familiar. Como consequência deste modelo, há manutenção da paisagem e da natureza ao redor e a preservação da organização social. Fabiana diz que o foco está no agricultor — e isso significa não somente diversificar a produção, já que não se aposta na monocultura, mas também agregar outras atividades, como o turismo e a gastronomia.

A manutenção da paisagem representa sustentabilidade sendo posta em prática— assunto muito comentado, mas, segundo Fabiana, com poucas ações efetivas. Sobretudo porque, de acordo com ela, a sustentabilidade é inviável no atual modelo agrícola baseado no latifúndio monocultor. Ela cita como exemplo iniciativas no sul de Minas Gerais, onde pequenas e médias propriedades promovem turismo em lugares como hotéis fazenda, providos de gêneros produzidos localmente, o que dá autenticidade ao local e preserva um estilo de vida ao mesmo tempo benéfico ao produtor e a quem procura descanso e qualidade.

Qualidade é também a premissa sobre a qual se baseia o slow food, movimento de âmbito mundial que procura, por meio da gastronomia, resgatar o valor da produção e dos alimentos, recuperando sabores regionais. Fabiana diz que isso é reflexo de “uma preocupação das pessoas com o que se come e como se obtêm a comida”.

No Brasil, a multifuncionalidade agrícola está presente em poucos lugares como o Vale dos Vinhedos (RS), e algumas produções de café e queijo na Serra da Canastra, em Minas Gerais. Porém, em países europeus a prática é incentivada pela Política Agrícola Comum, difundida em países como França, Alemanha, Portugal, Espanha e Itália, o que justifica os subsídios governamentais para a agricultura. Fabiana explica que o modelo agrícola adotado lá reflete a opção pela manutenção de uma estrutura social: “Se estas pessoas saíssem do lugar onde vivem e trabalhassem para cidades maiores, encontrariam subemprego e uma qualidade de vida pior”, sem contar que, segundo ela, acabar com este tipo de produção e promover a mudança deste produtor para a cidade levaria a um desequílibrio na distribuição da população, tradicionalmente heterogênea na Europa, e na ocupação do território.

São CarlosO projeto de Fabiana ainda está em fase embrionária. Ele foi pensado usando como exemplo uma pesquisa feita em São Carlos no início dos anos 2000, para a elaboração do plano diretor da cidade. Na época, a ideia foi inserir o plano da área rural no plano urbano, onde a proliferação de condomínios residenciais verticais cria vazios de ocupação, “verdadeiras ilhas de prosperidade espalhadas num espaço maciço não organizado”. Foram pensadas atividades rurais relacionadas à política municipal, o que significou agregar serviços do espaço rural, destinando, por exemplo, parte da produção para merenda escolar e, em nível local, pensar no entorno rural. Atualmente, a professora está em contato com a Secretaria Municipal de São Carlos para saber o andamento do projeto que servirá de base para o atual.

Nesta nova iniciativa, ela conta com apoio de profissionais de outras áreas, até mesmo porque a multifuncionalidade precisa ser pensada amplamente. Estão envolvidos no projeto o professor Antonio Cozella, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a professora Kelen Christina Leite, da área de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Roberta Sá, coordenadora do Slow Food Cerrado.

A professora explica que, para funcionar a multifuncionalidade precisa ser pensada conjuntamente, em uma parceria entre poder público, institutos de pesquisa, iniciativa privada e produtores locais. Ela diz ainda que é necessário entender e respeitar as diversidades regionais, e por isso não pode ser pensada como política pública para todo o país. Fabiana ressalta a sustentabilidade presente nesta maneira diferente de utilizar o espaço rural, capaz de, segundo ela, “localmente mudar a realidade”.
Imagem: Marcos Santos
Reportagem de Camila Camilo, do USP Online, publicada pelo EcoDebate, 07/07/2010

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César Torres

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