O conjunto humano pode organizar-se de diversos modos. A evolução e a dinâmica de cada um produzem atritos de diferentes aspectos, o que leva tais grupos sociais à guerra ou a procura pela harmonia a fim de garantir as respectivas existências. Vamos tentar fazer pequena análise desse assunto.
A própria Natureza, inteligência criadora, nos ensina como proceder na organização sociológica. Ela criou, desde os tempos imemoriáveis, resultante do exercício evolutivo de milhões de anos, o protótipo desse vínculo segundo a natureza de cada estirpe. Na espécie humana, instituiu a família, modelo perfeito de aglomeração de indivíduos. Básica e logicamente, essa organização se compõe de pai, mãe e filhos.
O pai, pelos atributos genéticos, ostenta musculatura desenvolvida que indica suas funções. Ele será o chefe, responsável, provedor, guia, comandante, lutador. A mãe, fisicamente subordinada ao chefe, o complementa constituindo o casal, verdadeira unidade vital. A mãe é portadora da principal função existencial, pois é a geratriz, alimentadora e educadora da prole nos primeiros anos. Os filhos têm apenas uma função: aprender. Aprendem do pai e da mãe. Vivem num ambiente de solidariedade, amor e justiça.
Essa é a organização básica que nos foi legada para servir de norma; é produto de um instinto inteligente. Suporta qualquer crítica, mantendo-se incólume.
Com o passar do tempo e atuação das forças evolucionárias, a dinâmica familiar cresce numericamente e se transforma numa grande família, sem perder a estrutura genética e os valores próprios da língua e tradições culturais, seus sinais mais visíveis da identidade.
Na escala de desdobramento cíclico, ocupam seus lugares os avós, irmãos, tios, sobrinhos, primos, noras, genros, cunhados. Esse conjunto que se organiza pela descendência, passa a ter o nome de clã. Estrutura-se com o suporte da presença e atuação do chefe superior do clã, cuja principal função é distribuir obrigações e justiça, pois todos são seus “filhos”, ou descendentes.
Quando o chefe entende conveniente, pode expulsar da comunidade alguma ovelha negra ou acolher de outros grupos as fêmeas ou machos casadouros. Enquanto não chegarem a adultos, as crianças têm uma só ocupação: aprender a ser adultos. Por isso, a importância da educação.
Os bens e alimentos são naturalmente, por índole e sentimento de justiça, distribuídos igualmente entre todas as subfamílias segundo suas necessidades. Tal como fazia o patriarca, quando era apenas pai, em relação a todos os seus descendentes. Não havia ricos nem pobres. Por isso, desconheciam essa aberração social. Se ocorre eventual escassez de algo essencial, todos se privam dele sem qualquer sentimento de injustiça, pois o reconhecimento da igualdade de direitos está arraigado e consolidado no inconsciente desde a infância.
Conforme as situações externas, que exercem fortíssima influência nos componentes de uma comunidade, esses clãs podem diminuir ou aumentar numericamente. Mas sempre mantendo a estrutura natural tradicional.
Quando cresce muito, transforma-se em nação, mas não perde os valores de sua identidade e estrutura primordial como mostra a existência ainda hoje de diversas comunidades primitivas igualitárias por esse mundo afora. Releva-se como exemplar para o homem moderno a sociedade constituída pelos silvícolas ainda não contagiados pelas mazelas do materialismo dos ditos civilizados.
Reconhecendo a igualdade e justiça como valores aglutinantes da verdadeira sociedade, os idealistas atuais têm formado diversas comunidades, como as ecovilas, cooperativas e sociedades alternativas. O sistema comunitário também estrutura as sociedades religiosas de diversos matizes.
Quando um conjunto se agiganta pelo crescimento nominal e perde o controle organizacional pela complacência de algum chefe fraco ou omisso, algum dissonante finca um pau no chão e declara para os demais: “este pedaço de chão é meu.” Para isso, inventou uma palavra que não existia; propriedade. Imagine-se a dificuldade dos demais em entender o que significa propriedade, palavra abstrata, advinda de uma volúpia egoística personalística, um momento de loucura existencial?
Daí em diante, alguém vendo o exemplo, num ambiente sem autoridade por deterioração moral ou cumplicidade do chefe, fincou outro pau logo adiante e disse as mesmas palavras. Pronto. Estava iniciada a primeira corrosão social do mundo, com a introdução do conceito materialista de valor. A injustiça passou a ser um valor diferenciador básico. Esse foi o começo da introdução do sistema econômico na norma social, duas entidades completamente distintas que vivem em simbiose para a desgraça da grande parcela fraca, miserável e ignorante.
Daí em diante, a História registra a evolução da sociedade, não mais composta de clãs, mas de um amontoado de humanos que passou a se chamar povo. Nesse cadinho social, por contágio, os componentes adquiriram uma exasperada cobiça que o ambiente normal se transformou em um banquete perverso e permanente em que cada indivíduo procura devorar seu semelhante. Não há mais irmandade. Todos são inimigos conviventes que mantêm um relacionamento voltado exclusivamente para seus interesses individuais. Os recursos da natureza passaram a ser saqueados, perdendo-se o respeito e gratidão para com a mãe-Terra. Ficou um ambiente favorável ao estímulo à violência – produto do desamor – produzindo como consequência um grande grupamento disforme, completamente inferior, injustiçado e desnaturado.
É o que hoje se vê a todo lado, em qualquer circunstância. É um ambiente revoltante para os bons e honestos que sofrem testemunhando tamanha miséria e injustiça.
Os párias são mantidos anestesiados pela ignorância geral e universal, propiciados pelo obscurantismo das crenças religiosas, do analfabetismo mental e oferta abundante de diversionismos de várias categorias.
E quanto maior a população mundial, mais se acentuam as injustiças e contradições sociais provocadas pelo maior apetite da classe argentária.
Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista e articulista do EcoDebate.
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César Torres