O ser humano está se autodestruindo ao destruir a natureza”
ALVES, 27/04/2016
José Eustáquio Diniz Alves
O clima varia muito no espaço e no tempo. Para estudar a variabilidade climática – mudança das condições climáticas em torno de uma média climatológica – usa-se o termo “anomalia climática”, referindo-se à uma flutuação extrema de um ponto em uma série climatológica e que apresente desvios acentuados do padrão observado de variabilidade. Já mudanças climáticas designa uma tendência de alteração da média no tempo.
A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), dos Estados Unidos, possui uma série histórica que teve início em 1880 e que é atualizada todos os meses. O gráfico acima mostra que, em todos os meses de 1880, a temperatura ficou abaixo da média do século XX (nível zero para comparação). A temperatura média em 1880 foi -0,13oC. Cinquenta anos depois o aquecimento foi pequeno, pois a temperatura de 1930 ficou em -0,09oC, ainda abaixo da média do século XX. Somente o mês de novembro de 1930 ficou acima da média.
Cem anos depois do início da série, em 1980, a temperatura média subiu para 0,26oC em relação à média do século XX. Porém, nas décadas seguintes o ritmo se acelerou. O ano de 1998 foi o mais quente do século passado e ficou com uma temperatura de 0,63% acima da média. Ou seja, entre 1980 e 1998 o aquecimento foi maior do que nos cem anos anteriores.
No início do século XXI houve uma certa desaceleração, o que é chamado de hiato climático. Mas o aquecimento voltou forte na segunda década e, em 2015, a temperatura ficou 0,90oC acima da média. Para as noticias ruins não param por ai, os primeiros 4 meses de 2016 apresentaram temperaturas acima de 1oC. O aumento da temperatura em relação à média do século XX foi de 1,04oC em janeiro, de 1,21oC em fevereiro, de 1,22oC em março e 1,10º C em abril de 2016. No primeiro quadrimestre de 2016 a anomalia foi de 1,14ºC, a maior desde 1880 e bastante superior aos 0,84º C de 2015, que já tinha batido todos os recordes.
O gráfico abaixo, da NOAA, mostra as anomalias anuais. Nota-se que, entre 1880 e 1940, todos os anos ficaram com a temperatura anual abaixo da média do século XX, mas depois de 1980 todos os anos ficaram no vermelho, com temperaturas cada vez mais altas. A reta de tendência de todo o período, indica que a temperatura aumentou em 0,07oC por década. Neste ritmo o aumento de 2oC seria atingido em 300 anos.
Porém, o mesmo gráfico, mas com reta de tendência entre 1970 e 2015, mostra que o aumento da temperatura nos últimos 45 anos ficou em média 0,17oC por década. Neste ritmo o limiar de 2oC seria atingido por volta de 2070, contrariando as expectativas do Acordo de Paris, aprovado na COP-21, em dezembro do ano passado.
O aquecimento global provoca mudanças climáticas e aumento dos eventos extremos como fortes secas, ou tempestades, ciclones, tufões, furacões, etc. Os ciclones Keith, Allison, Iris, Isidore e Michelle atingiram o Caribe e a América Central no início dos anos 2000. O furacão Katrina, em agosto de 2005, foi o desastre natural mais caro na história dos Estados Unidos. O furacão Sandy atingiu a Jamaica, Haiti e Cuba e atingiu Nova Iorque e Nova Jersey com grandes prejuízos humanos e econômicos.
O tufão Haiyan, que atingiu o leste asiático, alcançou velocidades máximas de ventos de 315 quilômetros por hora, sendo considerado o ciclone mais forte já registrado na história. O tufão causou destruição generalizada nas Filipinas, provocando a morte de cerca de 6 mil pessoas e deixando centenas de milhares desabrigadas. Estes são alguns exemplos de desastres climáticos e que devem ser agravados nos próximos anos e décadas.
No Brasil existem inúmeros casos de praias e construções costeiras invadidas pelo mar. Diversas praias do Nordeste sofrem com o avanço do mar e a força das ondas. No Rio de Janeiro, em 2015, a ressaca e o avanço do mar provocaram a destruição da orla da Praia da Tataruga, em Rio das Ostras, na Região dos Lagos, na orla da Praia dos Cavaleiros em Macaé e no distrito de Atafona, na foz do rio Paraíba do Sul, no município de São João da Barra. No dia 21 de abril de 2016, a ressaca e as fortes ondas derrubaram um trecho da ciclovia Tim Maia, ao lado da avenida Niemeyer (matando duas pessoas). No dia 27 de abril de 2016, uma forte ressaca atingiu várias cidades da Baixada Santista, no litoral de São Paulo, inundando ruas e construções e destruindo parte das tradicionais muretas de contenção da orla da praia de Santos. Aumentam os ciclones tropicais no Atlântico Sul e Santa Catarina é um dos estados mais afetados.
O aumento do nível dos oceanos é uma realidade e uma grande ameaça. Segundo Nicola Jones: “Noventa e nove por cento do gelo de água doce do planeta está preso nas calotas da Antártica e da Groenlândia. Agora, um número crescente de estudos está levantando a possibilidade de que, com os lençóis de gelo derretendo, o nível do mar poderia aumentar em seis pés (1,8 metros) neste século, e muito maior no próximo, inundando muitas zonas costeiras povoadas do mundo”. O mundo está caminhando para uma situação de emergência climática.
Neste mês de maio de 2016, a onda de calor na Índia quebrou o recorde de temperaturas no país. No dia 19/05/16, foram registrados 51 graus Celsius na cidade de Phalodi, no estado desértico do Rajastão, batendo todos os recordes anteriores. No dia 20/05, o ciclone Roanu deixou 23 mortos e 500 mil deslocados e desabrigados em Bangladesh.
Em artigo publicado mês passado no periódico Atmospheric Chemistry and Physics Discussion, o cientista James Hansen e colegas (2016) afirmam que o aumento da temperatura em 2ºC pode ser extremamente perigoso, pois pode gerar super-furacões e elevar o nível do mar, no longo prazo, em vários metros, ameaçando as áreas costeiras em geral, especialmente as mais povoadas.
Relatório do Banco Mundial, divulgado em maio de 2016, prevê que 1,3 bilhão de pessoas serão afetadas pelas inundações nas próximas décadas e o prejuízo material pode chegar a US$ 158 trilhões. Será um desastre para a população e a economia internacional. O relatório diz: “Tomorrow’s risk is being built today. We must therefore move away from risk assessments that show risk at a single point in the present and move instead towards risk assessments that can guide decision makers towards a resilient future” (p. vii).
O fato é que vivemos numa sociedade de risco, com negatividades crescentes. O sistema hegemônico só se sustenta em pé se atender os três pilares da sustentabilidade (econômico, social e ambiental). Mas é praticamente impossível atender o tripé em um processo de continuo crescimento demoeconômico, em num Planeta finito. A utopia do Acordo de Paris e dos ODS pode se transformar em distopia, pois o que temos hoje é uma “orgia consumista”, nas palavras de Zygmunt Bauman, ou um “consumicídio” nas palavras de Josep Gali.
O efeito estufa e as mudanças climáticas podem fazer a humanidade regredir. Não é a natureza que está empobrecendo o ser humano. É o ser humano que está se apequenando ao empobrecer a natureza. O aquecimento global é a face mais visível deste processo. O desenvolvimento sustentável se tornou um oximoro e o tripé da sustentabilidade virou um trilema. Vejam os textos da REBEP que tratam deste assunto e outras referências:
Referências:
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (português e inglês)
ALVES, José Eustáquio Diniz. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI. Rev. bras. estud. popul. [online]. 2015, vol.32, n.3, pp. 587-598. ISSN 0102-3098.
ALVES, JED. Dia da Terra, aquecimento global e emissões de carbono, Ecodebate, 27/04/2016
JONES, Nicola. Abrupt Sea Level Rise Looms. e360 Yale, 05/05/2016
Entenda o impacto do aquecimento global, France Presse, 5/05/2016
HANSEN, J et. al. Ice melt, sea level rise and superstorms: evidence from paleoclimate data, climate modeling, and modern observations that 2°C global warming could be dangerous. Atmos. Chem. Phys., 16, 3761–3812, 2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelos comentários.
César Torres