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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Plano Nacional de Resíduos Sólidos: prevenção é o norte da política


O decreto que regulamentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos “fixou conceitos, delimitou as responsabilidades e tratou do poder público no âmbito da responsabilidade compartilhada, das cooperativas, ou seja, deu norte mais claro para os conceitos da nova política, a qual já traz novidades para o mundo institucional e jurídico”, avalia Lina Pimentel, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Apesar de o plano não estabelecer metas e prazos especificos para os setores, ele abre oportunidade para a negociação, que, segundo a advogada, “é o procedimento mais correto (…) para que se evitem questionamentos posteriores da validade do documento”.

De acordo com a advogada, outro aspecto relevante da Política Nacional de Resíduos Sólidos é o alerta em relação à responsabilidade do poder público diante da falta de aterros sanitários no país, um dos maiores gargalos brasileiros no que se refere a resíduos sólidos. “Quantas autuações administrativas por parte dos órgãos ambientais e interdições se têm contra o próprio poder público municipal?”, questiona.

O consumo exacerbado e o uso excessivo de embalagens também são aspectos que precisam ser revistos, aponta. Investir em prevenção e conscientização é o caminho viável para que a população entenda o que acontece quando o lixo não é separado. Por isso, explica, “reduzir a geração de resíduos e prevenir as próximas gerações” é uma tarefa a ser desempenhada.

Lina Pimentel é graduada em Direito pela Universidade Paulista (UNIP/SP). Atualmente, cursa pós-graduação em Direito Ambiental na Escola Superior de Direito Constitucional (ESDC). É gerente da Divisão de Estudos e Pareceres Legislativos do Departamento Jurídico da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo paulista.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que significa a postergação para junho das metas do Plano Nacional de Resíduos para reciclagem de resíduos sólidos?

Lina Pimentel – A reportagem que menciona a postergação talvez tenha sido mal informada ou compreendida de maneira equivocada pelos leitores. Na verdade, há uma postergação do prazo para a apresentação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Ele não contempla metas específicas para os setores, mas trata do tema de uma maneira mais aberta e, portanto, as metas específicas para a redução podem estar contidas nos acordos setoriais.

De acordo com o artigo 47 do decreto que regulamentou a política, “a elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos deverá ser feita de acordo com o seguinte procedimento: formulação e divulgação da proposta preliminar em até 180 dias, contados a partir da publicação desse decreto.” Então, segundo essa informação, o prazo encerra em junho.

Procedimentos

Em fevereiro, o governo deve estruturar o comitê interministerial, instância criada juntamente com o comitê orientador, que irá gerir a política em várias frentes como as políticas públicas, que avaliarão os planos municipais, estaduais e regionais de coleta seletiva, além do plano nacional. O comitê também irá tratar com o setor privado, provocando a logística reversa, que é o recolhimento dos materiais após seu uso pelo consumidor. Então, alguns produtos já elencados pela lei e pelo decreto estão colocados como sujeitos da responsabilização pós-consumo da cadeia. Isso será formalizado por três meios diferentes: os acordos setoriais, firmados entre os setores produtivos, de distribuição e comércio, além do poder público; por meio da secretaria executiva do comitê do Ministério do Meio Ambiente; e através dos termos de compromisso, firmados quando não se abrange um nível setorial no âmbito do acordo – quando uma ou duas empresas quiserem estabelecer um sistema de logística reversa com o poder público, para cumprirem com os ditames, elas poderão estabelecer termos de compromissos. Também é possível conduzir essas metas por meio de regulamentos, que são atos do poder executivo a partir de um decreto, por exemplo.

Metas

As metas podem ser numéricas ou quantitativas. Existem também as metas estruturais, quer dizer, como a logística reversa passa por uma série de providências até alcançar efetivamente um retorno e uma meta numérica para se buscar, é preciso unir as empresas de um mesmo setor, unir comerciantes, estudar os aspectos fiscais, de segurança do trabalho, seja para o gerenciamento de determinados resíduos, seja para a integração de cooperativas. Ou seja, uma série de metas numéricas surgirá por meio desses instrumentos que eu citei.

O procedimento mais correto é a negociação: os setores estudam o que é possível, quais as condições, os aspectos técnicos, as especificidades das classes de resíduos e, a partir disso, o poder público vai imputando expectativas e se chega a um acordo viável. Parte da responsabilidade também é do consumidor e do poder público. Então, tem uma série de atividades a serem contempladas no âmbito das negociações para que se evitem questionamentos posteriores da validade do documento.

IHU On-Line – Como a senhora vê o decreto que regulamentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos?

Lina Pimentel – Muitas pessoas não gostaram do decreto. De fato ele não traz prazos, metas. Porém, penso que é mais amplo para não engessar o processo. Ele fixou conceitos, delimitou as responsabilidades e tratou do poder público no âmbito da responsabilidade compartilhada, tratou das cooperativas, ou seja, deu norte mais claro para os conceitos da nova política, a qual já traz novidades para o mundo institucional e jurídico. Tinha receio de que, na medida em que o decreto viesse extremamente detalhado, não estivesse em consonância com as dificuldades do setor privado. O decreto tomou o cuidado de abordar questões que já são viáveis. Também foi feliz numa série de conceitos, os quais foram explicados. Está claro que o poder público tem um dever muito importante na comunicação social sobre risco acerca do mau gerenciamento de resíduos. Quer dizer, quando o setor privado está sujeito à política reversa, ele precisa ter, entre as atribuições, um setor de comunicação para atender o consumidor, de modo a orientá-lo sobre as regras atribuídas a determinado produto ou embalagem. O setor privado estava atuando sozinho nisso. A partir do decreto, ficou evidente a participação do poder público na educação ambiental.

O grande problema na Europa, onde já foram implantadas várias metas, é sempre o consumidor. É difícil se mobilizar para um ponto de coleta e absorver isso na dinâmica da vida. Tudo isso acontece depois de uma fase de maturação, da instituição de uma política nova como esta que está sendo implantada, mas, também, a partir de uma educação ambiental. Então, a integração dessa política com outras é interessante.

IHU On-Line – Qual o principal problema do Brasil em relação aos seus resíduos sólidos?

Lina Pimentel – O principal problema é a falta de aterros sanitários para depositar lixo comum. Quantas autuações administrativas por parte dos órgãos ambientais e interdições se têm contra o próprio poder público municipal? A lei tem como alvo principalmente acabar com os lixões e aterros controlados. Isso significa planejar os lixões e as ocupações no entorno. A prevenção é o norte da política; existem frentes para remediar situações geradas ao longo do tempo. Além disso, temos uma tarefa grande enquanto consumidores e empresas de reduzir a geração de resíduos e prevenir as próximas gerações. Não adianta fazer aterros regulares e enviar uma enorme quantidade de resíduos para esses locais. O problema é o consumo exacerbado, o excesso de embalagens e a geração de lixo individual de cada cidadão. Acredito que o objetivo macro dessa política é lidar com a situação passada, visando uma prevenção para o futuro.

IHU On-Line – Qual a responsabilidade do consumidor quanto à destinação dos resíduos?

Lina Pimentel – Desde a edição da lei, em agosto, o consumidor é, de forma compartilhada, responsável pelo gerenciamento dos resíduos. O decreto deixou claro que a responsabilidade do consumidor acontecerá para disponibilizá-los para a coleta ou devolução. Então, quando tiver um acordo setorial sob determinado resíduo e for estabelecido um ponto de coleta, o consumidor precisará devolver. Como isso irá impactar no custo do produto, quem irá arcar com essa conta financeira, é uma equação que será feita no ciclo de vida do produto.

Já existe a prática de devolução de pilhas, baterias, embalagem de agrotóxicos, pneus e, com certeza, isso acontecerá em outros setores. Outra obrigação do consumidor será fazer a separação do lixo para a coleta seletiva quando o município a tiver implementada. Em dois anos, os municípios têm de fazer o plano municipal e, em quatro, implementar a política. Presume-se que em quatro anos deve haver coleta seletiva em todo o país.

A tendência de ter acordos setoriais, que demandam negociações, são importantes para o consumidor não “pagar o preço”.

IHU On-Line – O problema da reciclagem de resíduos sólidos é pior nas mãos das empresas ou dos consumidores?

Lina Pimentel – O consumidor normal tem uma obrigação: disponibilizar o lixo que ele gera na lixeira para a limpeza pública recolher. Em municípios onde existe a coleta seletiva, a prefeitura faz o recolhimento do consumidor individual. Então, se ele toma o cuidado de fazer a sagração do lixo, ele já cumpre o seu papel.
Onde não há coleta seletiva, como em São Paulo, um consumidor que mora em um apartamento pequeno tem condições de separar o lixo em quatro latões e levá-lo a pontos de recolhimento como o Pão de Açúcar, por exemplo? Quem consegue fazer isso? Fica difícil e não podemos esperar que o consumidor exerça sua responsabilidade na medida em que existem outras dificuldades sociais envolvidas. Então, falta um papel importante de conscientização do setor público e privado para que a população entenda o que acontece quando misturamos diversos tipos de lixos.

Empresas que tenham uma gestão e uma governança coorporativa naturalmente irão olhar para seus resíduos e procurar as cifras. Percebo que ainda faltam unidades de reciclagem de tratamento disponíveis para reutilizar determinados resíduos. Esse mercado está em franco desenvolvimento a partir dessa política. Quem quer investir no Brasil terá um mercado imenso.

IHU On-Line – E o que a entrada desses resíduos significa para os solos?

Lina Pimentel – Alguns resíduos passam a ser relevantes para a destinação final adequada por conta de volume. Alguns resíduos são considerados inertes, ou seja, não interagem quimicamente com o solo e ficam retidos como uma pedra. Essa é uma categoria importante na medida em que se tem um volume grande de circulação. Outro tipo de resíduo é aquele que tem alguma característica de potencial contaminante e que tem de ser disposto adequadamente para não contaminar o solo. Na medida em que se tem a decomposição de determinados resíduos no solo, o resíduo contaminará os lençóis freáticos, propagando uma situação de contaminação.

IHU On-Line – Como você vê a questão das cooperativas que devem gerir os resíduos sólidos, como sugere a nova lei?

Lina Pimentel – Elas têm de se mostrar extremamente capazes para fazer um serviço de excelência. Da mesma forma que os consumidores exigem que as empresas tenham licenças ambientais, segurança para os trabalhadores, garantias de que irão prestar serviços de forma segura, as cooperativas também terão de aderir a essa posição. Historicamente, elas são formadas por pessoas que tiveram, infelizmente, uma baixa qualidade de educação. Apesar disso, elas entenderam que o seu papel é importante no âmbito da proposta de logística reversa.

As cooperativas estão com uma abertura imensa para se organizarem porque empreendedor nenhum irá contratar uma cooperativa que não esteja adequada em seus procedimentos e que possa expor a empresa a um risco trabalhista. Estou surpresa, porque tenho sido procurada também por cooperativas que querem prestar serviços a empresas.

Vejo que temos uma política socioambiental cujo objetivo também é a inclusão dos catadores como elementos importantes da cadeia do ciclo de vida dos produtos.

(Ecodebate, 11/02/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

TKCSA-Licença para impactar: os conflitos na Saúde Ambiental

BELO MONTE PARÁ
TKCSA, no Rio de Janeiro
De um lado, grandes empreendimentos como a TKCSA, no Rio de Janeiro e Belo Monte, no Pará. De outro, a população afetada e movimentos sociais que criticam os impactos socioambientais das obras, com sérios riscos à saúde e ao meio ambiente. E o poder público, de que lado está ?

Antes que se sinta o cheiro da fumaça dos alto fornos de uma siderúrgica ou se veja as turbinas funcionando de uma usina hidrelétrica, um caminho deve ser percorrido pelas empresas ou governos para conseguirem a autorização para os empreendimentos funcionarem. Pelo menos é assim que deveria ser de acordo com a legislação ambiental brasileira, para que se garanta que atividades e empreendimentos impactem negativamente o mínimo possível a população e o meio ambiente. Entretanto, no caso de obras como a da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e a ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), no Rio de Janeiro, moradores, movimentos sociais e pesquisadores denunciam que as empresas responsáveis pelos empreendimentos pressionam os governos para pegarem “um atalho”, o que, antes mesmo do pleno funcionamento e instalação das empresas, já vem prejudicando as populações locais e o meio ambiente.

No ultimo dia 7 de fevereiro, um seminário em Brasília reuniu cerca de 300 participantes, entre eles povos indígenas, ribeirinhos, pesquisadores e movimentos sociais contrários à construção de Belo Monte. Os manifestantes entregaram à Presidência da República um abaixo assinado com mais de 500 mil assinaturas contra a obra. Recentemente, a empresa Eletronorte, responsável pela construção de Belo Monte, recebeu uma licença parcial do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para começar a instalar o canteiro de obras do empreendimento, ação questionada inclusive pelo Ministério Público Federal no Pará. “Não existe em lugar nenhum na legislação, a possibilidade de se criarem parcelas da licença de instalação. Como a legislação não prevê essa licença parcial, o Ibama fica sem uma base para dizer o que ele pode ou não exigir. Ele [o Ibama] não exige tudo porque diz que não está dando licença completa. E não há uma regra interna do Conama [Conselho Nacional de Meio Ambiente], ou seja de quem for, que diz quais são os elementos necessários para que ele dê essa parcial. Por isso, ele fica com um grau de arbítrio muito grande e nós não temos como controlar”, critica o procurador do Ministério Público Federal no Pará, Ubiratan Cazetta.

No Rio de Janeiro, no final do ano passado, a TKCSA, com a autorização da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEA) e o governo do estado do Rio de Janeiro, descumpriu um acordo firmado entre o Ministério Público Estadual e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) que condicionava o funcionamento do segundo alto forno da siderúrgica à realização de uma auditoria. A auditoria foi determinada diante do fato de já terem ocorrido problemas de poluição ambiental em Santa Cruz, provenientes da entrada em operação do primeiro alto forno do complexo siderúrgico. No dia 26 de dezembro, uma forte poluição atingiu as casas da região. “A TKCSA tem um discurso de que só houve poluição no dia 26 de dezembro, mas quando você vai lá, você vê que todos os dias há poeira no ar, partículas prateadas. No dia 26 houve mais, mas a poluição lá é constante”, denuncia Karina Kato, pesquisadora do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), instituição que vem acompanhando os impactos do empreendimento.

Para o pesquisador da Escola Nacional de Saúde Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental Marcelo Firpo, pressões econômicas e políticas têm apressado o licenciamento de obras de grande porte, como a TKCSA e Belo Monte, com sérios impactos para a saúde da população e o meio ambiente. “Existe uma série de grandes empreendimentos no setor hidrelétrico, siderúrgico, de mineração, de infraestrutura – como a transposição do Rio São Francisco e a construção de rodovias – extremamente complexos e que podem gerar vários impactos à saúde da população, dos trabalhadores e dos ecossistemas. A velocidade com que o licenciamento vem sendo dado em função das pressões econômicas e políticas tem passado por cima da seriedade e do aprofundamento da análise desses impactos à saúde e também outros impactos socio-ambientais, que também terão repercussões sobre a saúde”, analisa.

O pesquisador considera também que as instituições responsáveis por licenciar e fiscalizar as obras muitas vezes se mostram vulneráveis. “Em várias situações existe uma vulnerabilidade institucional e um déficit de aplicação de políticas públicas que vem permitindo que principalmente grandes empreendimentos estejam numa velocidade de licenciamento que é inadequada em relação aos possíveis impactos sobre as gerações atuais e futuras”, reforça.

Como funciona o licenciamento

A resolução 001 do Conama cita 18 atividades que são consideradas “modificadoras” do meio ambiente, e que, portanto, precisam de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) para que tenham uma licença prévia de funcionamento. Entre as 18 atividades estão estradas, ferrovias, portos, aeroportos, linhas de transmissão de energia, hidrelétricas, complexos e unidades industriais e agroindústriais, como as siderúrgicas. O Conama foi instituído pela Lei 6.938/1981 , que também implantou a política nacional de meio ambiente. “Essa lei foi um marco histórico e divisor de águas na política ambiental do Brasil. É a partir dela que se constitui, além dos estudos (de impacto ambiental), o próprio Conama, e o sistema de regulamentação no nível federal e as suas implicações nos níveis estadual e municipal”, explica o pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa.

Estão previstas na legislação três fases de licenciamento para obras consideradas de impacto – a licença prévia, a licença de instalação e a licença de operação. Em cada uma dessas etapas, o responsável pelo empreendimento pode ser obrigado a cumprir uma série de exigências – as chamadas condicionantes – que são ações do empreendedor para minimizar os impactos da obra na região. Colocar em prática um plano de qualificação da mão de obra local ou ampliar a capacidade da rede coletora de esgoto são exemplos de duas ações que podem fazer parte das condicionantes que a empresa responsável pela obra precisa cumprir. A resolução 001 do Conama prevê também que sejam realizadas audiências públicas para informações sobre o projeto, seus impactos ambientais e discussão do Rima. E, de acordo com a resolução 009 , também do Conselho, as audiências devem ser realizadas sempre que o órgão ambiental julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 ou mais cidadãos. A mesma resolução afirma ainda que, caso a audiência pública seja solicitada e o órgão ambiental não a realize, a licença concedida não terá validade.

Apesar dos avanços na legislação, o pesquisador Alexandre Pessoa considera que as audiências públicas são usadas, muitas vezes, apenas para referendar os grandes empreendimentos. Ele alerta sobre a importância do controle social da população afetada nos passos do licenciamento. “O papel do controle social, que é uma prerrogativa legal, que diversas legislações colocam como um elemento necessário, deve ser viabilizado e o estado tem que ser permeável a isso, exatamente para que o detalhamento e as alternativas a determinados empreendimentos sejam consideradas nos estudos. Essa situação já faz parte da história dos grandes empreendimentos no Brasil e dos interesses do capital internacional e o cenário atual ratifica essa tendência histórica de dificultar o controle social. E isso coloca em relação direta o interesse público que deveria ser pauta do Estado e os interesses privados de uma burguesia nacional que é extremamente patrimonialista e que requer grande acúmulo de capital em detrimento da saúde ambiental”, analisa.

No caso de Belo Monte, há uma forte reclamação dos indígenas da região justamente com relação à participação no processo de decisão sobre a viabilidade da hidrelétrica. De acordo com a pesquisadora da Universidade Federal do Pará e antropóloga Sônia Magalhães, os direitos dos povos indígenas previstos na Constituição Brasileira estão sendo desrespeitados. “Os indígenas tem uma legislação específica nacional e internacional que não foi respeitada e isso inclusive é objeto de ação do Ministério Público, já que não houve as oitivas indígenas conforme está recomendado na legislação. É uma violação clara de direitos”, denuncia.

De acordo com a professora, também houve irregularidades nos processos das audiências públicas realizadas para a população em geral. Sônia critica o fato de apenas quatro audiências terem sido feitas, ambas em núcleos urbanos e sem que a população estivesse esclarecida sobre o assunto em discussão. “Até 48 horas antes de começar a audiência havia estudos referentes a Belo Monte sendo disponibilizados na página eletrônica do Ibama. Mas na página do Ibama não quer dizer que está disponível, especialmente para essa população que não tem acesso a esse meio de informação”, questiona.

A pesquisadora explica que parte da população que será atingida por Belo Monte não está nos núcleos urbanos e que a dificuldade de locomoção na região é grande, como ocorre em toda a Amazônia. Ela conta que houve uma iniciativa de se divulgar um documento impresso sobre Belo Monte nos núcleos urbanos onde foram realizadas as audiências, entretanto, a medida não foi suficiente para garantir que a população estivesse informada. “Foi feita uma brochura que eu qualifico de midiática, que foi mais para fazer a divulgação do empreendimento e menos para fazer o esclarecimento dos estudos de impacto. Além disso, essa brochura foi distribuída apenas nos núcleos urbanos e mesmo essa população não tem uma tradição de interpretar os acontecimentos a partir de documentos escritos. Em geral a forma de ela ter acesso à informação sobre os acontecimentos e discuti-los é pela forma oral”, relata.

A pesquisadora faz parte de um painel de especialistas vinculados a diversas instituições de ensino e pesquisa que analisaram o Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte e identificaram “graves problemas e sérias lacunas” no estudo. Entre as constatações, está a inadequação do conceito de ‘atingido’ utilizado no EIA. Sônia explica: “Essa barragem tem uma singularidade: além de inundar, ela seca um trecho importante do rio, de mais de 100 quilômetros e essa população que está à beira do leito do rio, não apenas do rio Xingu, mas também de um dos seus mais importantes afluentes, não foi considerada como afetada pelo empreendimento. Só foi considerada como afetada a população que está na área que será inundada. E esse conceito não responde às especificidades da barragem de Belo Monte. Esse é um grande problema porque no momento em que se utilizam conceitos inadequados para dar conta da realidade, a realidade foge da perspectiva analítica”, critica. Para a pesquisadora, as conseqüências dessa desvirtuação de conceitos são muito graves. “Num caso como este, isso significa não considerar uma parcela muito grande da população entre os atingidos. E as consequências são muito amplas porque dizem respeito à violação de direitos, à subestimativa de impactos e também à potencialidade de conflitos sociais que essa não consideração oportuniza”, alerta.

Falta controle social também na TKCSA

A falta de participação da população nas decisões sobre os empreendimentos de impactos ambientais se repete no caso da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. A TKCSA possui a licença provisória e também a licença de instalação, mas não a licença de operação, que é a ultima fase no processo de licenciamento. Moradores da região criaram um movimento para tentar impedir que a empresa continue a funcionar. “As audiências públicas foram esvaziadas e principalmente a empresa trazia pessoas de fora da região para apoiar. Há denúncias inclusive de que a empresa pagava essas pessoas para estarem na audiência pública. As perguntas dos participantes deveriam ser enviadas para a mesa por escrito e eles escolhiam quais seriam respondidas. Quando os moradores questionavam alguma coisa, eles enrolavam, usavam uma linguagem científica que não era acessível aos pescadores e moradores e não respondiam”, conta Karina Kato.

Questionado sobre as críticas a respeito do funcionamento das audiências públicas para grandes empreendimentos, o Inea respondeu, por e-mail, que de fato esse instrumento tem apresentado problemas. “Infelizmente, nos últimos anos, as audiências públicas realizadas em nosso estado não têm cumprido o seu relevante papel que é de esclarecimento, transparência e participação social, já que muitas vezes tem sido interpelada por grupos de interesses distintos que não permitem que as audiências transcorram de forma civilizada, o que não significa dizer que elas ‘serviriam apenas para referendar a implementação já definida da obra’, respondeu a diretora da Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilam) do Inea, Ana Cristina Henney. De acordo com ela, o Inea está reformulando os procedimentos de realização das audiências públicas. “Tais reformulações têm contado com a participação da Ceca [Comissão Estadual de Controle Ambiental], do Ibama, do Crea [Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia], do Ministério Público Estadual, além do Inea, cujo resultado final será a edição de uma Resolução do Conama, que, a propósito, está em vias de conclusão”, informou.
De acordo com os pesquisadores consultados, o estudo e o relatório de impacto ambiental da TKCSA também apresentam uma série de inconsistências. “O Rima é altamente deficiente, e essa deficiência é de tal gravidade que considero que somente após a apresentação de um novo estudo de impacto ambiental a licença eventualmente poderia ter sido dada e não nas condições inicialmente colocadas”, afirma Marcelo Firpo. Alexandre Pessoa lembra ainda que a própria Fiocruz realizou um estudo que mostra que há graves lacunas no relatório de impacto ambiental da TKCSA no que se refere à saúde das populações localizadas no território, em especial das comunidades de baixa renda situadas próximas ao complexo siderúrgico. “As últimas ocorrências em termos de poluição atmosférica no território de Santa Cruz não podem ser consideradas como acidente e sim como consequência de um licenciamento que não levou em consideração a consecução de estudos ambientais consistentes, situação que passa a ser nociva para a saúde pública e ambiental”, diz.

Agilidade X Consistência na Avaliação dos Impactos Ambientais

Caso o projeto de Belo Monte se concretize, a usina será instalada no rio Xingu, a 40 quilômetros da cidade de Altamira, no Pará. Os dois reservatórios da usina contabilizarão no total 516 Km2. A licença parcial que o consórcio Norte Energia recebeu do Ibama autoriza a empresa a instalar canteiro de obras e alojamentos com a autorização de desmatamento de 238 hectares para construir as instalações. O Ministério Público Federal questionou a emissão da licença e há um processo em curso para que a instalação do canteiro seja suspensa. Para o promotor Ubiratan Cazetta, o processo de licenciamento da usina apresenta vários problemas, já que a empresa não cumpriu as condicionantes apontadas pelo Ibama para que a obra desse prosseguimento. “Algumas das coisas que deveriam ter sido estudadas desde o início para a concessão da licença prévia o Ibama entendeu que não eram necessárias, que daria para conceder a licença prévia e os estudos seriam feitos antes da licença de operação. Mas o correto seria cumprir todas as condicionantes que foram exigidas, demonstrar que já tinham sido preenchidos todos os pré-requisitos para, aí sim, obter a licença de instalação, fazer o canteiro e já ir para a obra”, explica.

Questionado sobre o fato de o órgão ter emitido uma licença parcial, o Ibama respondeu que o procedimento já foi considerado legal em outras situações. “O Ibama analisa processos de licenciamento por solicitação dos empreendedores. Nesse caso o pedido de licença era para os canteiros e instalações afins. A Licença de Instalação da Usina ainda está sob avaliação. Em outras ocasiões a emissão de licença para atividades associadas foi contestada, mas a justiça considerou legal o procedimento”, respondeu o órgão, por e-mail, via assessoria de imprensa.

O instituto alega ainda que 24 das 40 condicionantes – ou seja, ações que a empresa deveria colocar em prática para dar prosseguimento à obra – já foram cumpridas. “Foram cumpridas 24 condicionantes que tinham relação com essa etapa do licenciamento, entre elas, ações antecipatórias nas áreas de saúde, educação e saneamento a fim de preparar a região para receber o empreendimento e o correspondente afluxo migratório que deverá envolver cerca de mil pessoas nesta etapa. Foi avaliado que as demais 16 condicionantes não eram pertinentes ao presente pedido de Licença de Instalação por não estarem associadas aos impactos previstos para essas instalações específicas. Mas o empreendedor terá que cumprir as condicionantes previstas na Licença Prévia para que o Ibama autorize a construção da hidrelétrica”, afirmou o órgão.

Ubiratan critica, no entanto, a forma como as condicionantes foram elaboradas. “O que impressiona, e impressiona mal, é que essas condicionantes foram feitas na licença prévia de tal forma genéricas que permite que o Ibama mude essas condicionantes cada vez que as analisa. Então, por exemplo, está escrito lá: resolver a questão do saneamento no município de Altamira. Como é uma condicionante muito genérica, na hora em que vamos discutir , o Ibama fala: ‘mas isso tem que ser feito em dez anos’. Só que não se colocou na condicionante claramente quais eram os prazos e resoluções. Então, da forma como isso foi utilizado em Belo Monte e em outros casos de grandes empreendimentos, a redação das condicionantes permite leituras diferentes”, observa. De acordo com o promotor, a cidade de Altamira, no Pará, que sofrerá grandes impactos já com a instalação do canteiro de obras, não está preparada para o empreendimento. O Ibama diz que nessa fase cerca de mil trabalhadores serão atraídos para a região, mas, de acordo com o promotor, cerca de 8 mil pessoas já se deslocaram para a cidade desde que o empreendimento conseguiu uma licença prévia, em fevereiro de 2010. “Com o início do canteiro e com o começo da ideia de que irá contratar alguém, obviamente esse volume de pessoas irá aumentar significativamente. Qual é o problema disso? É uma cidade que, independentemente da obra, já tem problemas crônicos e seríssimos na área hospitalar, tem um péssimo serviço de saúde pública, problemas sérios de habitação, de saneamento básico”, afirma.

A resolução 001 do Conama descreve também quais são as atividades técnicas que minimamente devem ser desenvolvidas pelo Estudo de Impacto Ambiental: “Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos potenciais impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais”. Para Alexandre Pessoa, tem havido, no entanto, uma flexibilização na legislação ou para que o estudos e relatórios de impacto ambiental não abranjam de forma detalhada todas essas atividades ou então para que sejam realizados apenas relatórios ambientais simplificados. O pesquisador afirma que existe um discurso muito forte por parte da mídia comercial e também por parte dos governos da necessidade de agilidade nos processos de licenciamento de grandes empreendimentos considerados essenciais para o desenvolvimento do país. E isso em detrimento da consistência dos estudos e exigências ambientais. “A agilidade do licenciamento de fato é necessária e se dá a partir do momento em que os órgãos de controle ambiental, enquanto instituições públicas, nas esferas federal, estadual e municipal tenham um quantitativo adequado de profissionais capacitados para que possam avaliar todas as etapas de licenciamento e realizar as atividades permanentes de fiscalização. No caso do Rio de Janeiro, a própria criação do INEA, a partir da união da FEEMA [Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente] com outros órgãos estaduais trouxe a promessa do fortalecimento do controle ambiental, enquanto política pública. O fato é que o discurso de agilização e flexibilização da legislação ambiental não pode em hipótese nenhuma ferir os critérios que esses estudos ambientais precisam ter em termos de abrangência e profundidade. Essa flexibilização está sendo exemplificada inclusive com novas legislações casuísticas, que tendem a acelerar através dos estudos ambientais simplificados obras que pela sua magnitude causam riscos potenciais ao ambiente e à saúde da população, comprometendo a sustentabilidade socioambiental”, problematiza.

A pressa no licenciamento ambiental também parece existir no caso da TKCSA. A Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) usou como justificativa para permitir o funcionamento do segundo alto forno da siderúrgica um laudo emitido por uma empresa de auditoria que, de acordo com reportagem publicada no próprio Inea no dia 21 de dezembro de 2010 “atestou como seguras as condições de funcionamento do equipamento”. Dessa forma, a Secretaria contrariou o acordo firmado entre Ministério Público Estadual e o Inea, que condicionava a continuidade dos trabalhos na siderúrgica a uma auditoria plena que concluiria os trabalhos em até 60 dias. “Esse acordo entre o Inea o Ministério Público foi desconsiderado pela Secretaria do Ambiente, em razão de recurso interposto pela TKCSA em que ela apontava que a partilha do alto forno 2 não traria nenhum tipo de problema”, explica o promotor de Justiça Marcus Leal, titular da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Meio Ambiente do Rio de Janeiro. Entretanto, no dia 26 de dezembro, pouco tempo depois, a população de Santa Cruz novamente se deparou com uma poluição além do habitual no meio ambiente. De acordo com Marcus Leal, o episódio é grave e está sendo apurado.

O Inea informou “que não descumpriu qualquer acordo com o Ministério Público, já que não autorizou a operação do forno 2″. De acordo com a diretora do órgão, Ana Cristina Henney, “esta decisão foi tomada, à época, pela SEA baseada na auditoria realizada”. Para Ana Cristina, é possível dar celeridade aos procedimentos de licenciamento ambiental sem que, com isso, se comprometa a qualidade das exigências ambientais. “Obviamente que qualquer que seja o empreendimento, com ou sem impactos ambientais relevantes, espera-se que os órgãos ambientais sejam ágeis em suas avaliações, o que é perfeitamente legítimo. Porém isso não significa dizer que tenhamos que prejudicar não só a consistência das exigências ambientais, como a qualidade de nossas avaliações”, afirma. “Não pode ser admissível que um empreendimento ou atividade que pretenda se implantar em um estado precise aguardar, muitas vezes, anos para ter o seu pedido deferido ou indeferido”, complementa.

Entretanto, para pesquisadores e movimentos críticos à atuação da TKCSA e ao processo de licenciamento da empresa a consistência das exigências ambientais tem sido sim prejudicada. Karina Kato critica o processo de auditoria em curso na empresa, realizada por uma empresa concorrente, a Usiminas, cuja independência necessária para gerir o processo tem sido questionada. “Nós não temos nenhuma informação sobre como foi feita essa escolha. E a Usiminas é totalmente ligada à Vale, que é uma das controladoras da CSA. A Vale até 2008 já teve ações diretas na Usiminas, depois vendeu. Atualmente o Previ, que é o fundo de pensão dos trabalhadores do Banco do Brasil, tem participação na Vale e na Usiminas. E agora, na sucessão do Agnelli [Roger Agnelli, presidente da companhia Vale], um dos nomes cotados para ser presidente da Vale é do atual presidente da Usiminas. Então, não há uma independência nessa auditoria, por mais que eles falem que é independente. O que há, na verdade, é um grande acordo para que essa auditoria saia favorável à empresa e para que a licença de operação que está condicionada a essa auditoria seja concedida agora no final de fevereiro”, afirma Karina.

De acordo com Marcus Leal, a Usiminas foi escolhida por indicação da Secretaria do Estado do Ambiente. “Quem está na presidência deste procedimento é o Inea, que é um órgão ligado a Secretaria do Estado do Ambiente. São eles que estão com a responsabilidade de realizar esse trabalho, o Ministério Público está na posição de acompanhar o trabalho. Qualquer situação que nos leve à conclusão de que houve favorecimento da TKCSA pelo fato de a auditoria ter sido realizada por uma empresa cuja formação do seu capital social é semelhante ou inclui uma outra sociedade que também faz parte do seu quadro societário será tratado de acordo com a lei, imputando responsabilidade civil, penal e administrativa àquele técnico, profissional ou àquela empresa que tenha omitido algum tipo de informação relevante ou que tenha feito uma afirmação com base em dados falsos”, garante o promotor.

A diretora de licenciamento do Inea também foi questionada sobre por que a Usiminas foi escolhida para realizar a auditoria. Entretanto, Ana Cristina respondeu apenas que “a Usiminas possui certa expertise” e que “quanto ao componente saúde ocupacional e gestão ambiental interna, estamos avaliando quais instituições poderão protegê-las”.A TKCSA já foi multada duas vezes pelo Inea e, segundo Ana Cristina, o instituto continuará fazendo vistorias periódicas e constantes na empresa. “O Inea só emitirá parecer favorável à operação da empresa quando tiver segurança de que todas as medidas de controle estão com a eficiência desejada e necessária”, comprometeu-se.

Procurada pela EPSJV, a Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro não respondeu às perguntas encaminhadas.

Alternativas aos grandes empreendimentos

A desconfiança em relação à auditoria em curso na TKCSA aponta a necessidade de se definirem parâmetros mais exatos de como esses processos devem ser feitos. Para Alexandre Pessoa, o ideal é que instituições públicas fossem responsáveis por esse tipo de avaliação. “A gravidade dos fatos exige uma auditoria ambiental idônea, que busque a responsabilização sobre o ocorrido, as análises de riscos à saúde envolvidas e, para isso, seria necessário que auditorias desse tipo fossem feitas por instituições públicas, de pesquisa como universidades públicas, menos permeáveis à influência econômica e política das empresas”, sugere. Marcelo Firpo concorda: “Seria muito importante que o Inea e o Ministério Público tornassem mais claros os critérios de escolha e as formas que estão sendo implementadas para garantir autonomia e independência dessa auditoria na CSA, por exemplo. O poder público pode consentir ou concordar que uma instituição ou grupo de especialistas realize avaliações desse tipo, o que não pode é essa avaliação ser realizada por grupos com critérios que não sejam transparentes em relação à sua idoneidade e independência. Poderia ser um conjunto de instituições, um grupo de profissionais, pesquisadores renomados, etc”.

A mesma resolução 001 do Conama que estabelece as diretrizes para a avaliação de impacto ambiental dos empreendimentos afirma que a hipótese de não realização das obras deve constar como dos Relatórios de Impacto Ambiental. O 5º parágrafo do artigo 9 da resolução afirma que o Rima deve avaliar “a caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como a hipótese de sua não realização”. Para o promotor Ubiratan Cazetta, o questionamento sobre se a obra seria ou não viável não foi feito de forma adequada no caso de Belo Monte. “Essa é uma pergunta que se faz na fase da licença prévia. Qual é a melhor opção? Fazer ou não fazer a obra? Em tese, essa pergunta foi respondida com a concessão da licença prévia. Mas por que eu digo em tese? Primeiro porque temos muitas críticas à forma de condução dessa licença prévia. Há inúmeras ações judiciais em andamento. E também, independentemente disso, as tais condicionantes já responderiam à pergunta [sobre fazer ou não a obra]. Se o empreendedor não cumprisse as condicionantes, a obra não sairia do papel, mas as condições não estão sendo cumpridas e mesmo assim o Ibama vai concedendo uma licença de instalação parcial”, aponta.

Questionado pela EPSJV se a hipótese de não realização de Belo Monte ainda estava em consideração mesmo diante das inúmeras críticas e do abaixo assinado contrário à hidrelétrica entregue pelos indígenas à presidência da república, o Ibama respondeu que “está avaliando com muito rigor as questões afetas as populações e possui, no caso dos indígenas, a anuência da Funai. Também está sendo considerado o benefício para as populações que serão removidas das palafitas e passarão a ter saneamento básico”. O órgão respondeu ainda que nem todos os indígenas são contrários à obra. “O licenciamento ambiental nunca será unanimidade. Assim como há indígenas contrários ao empreendimento também há aqueles que são a favor. O debate faz parte dos processos democráticos e o incentivamos. Alguns elementos que surgem dessas discussões, por vezes, nos auxiliam na tomada de decisões. E é somente depois de concluídas as análises dos estudos de impacto ambiental que saberemos se o Ibama emitirá ou não uma licença”, garantiu.

Para Alexandre Pessoa, a posição das populações afetadas por esses grandes empreendimentos é frágil. “Essa sociedade patrimonialista tem ainda um diferencial hoje no neoliberalismo que é a grande influência das transnacionais, que desempenham um papel muito forte sobre o Estado que, por sua vez, acaba tomando em alguns momentos uma posição vacilante ou subserviente”, avalia. De acordo com o pesquisador, no caso da TKCSA, se fosse considerada de forma séria a hipótese de não construção da siderúrgica, como prevê a resolução do Conama, outras opções concorreriam com o empreendimento. “O estudo com critérios técnicos, auditorias ambientais e com a participação inclusive das instituições de pesquisa e setores das universidades, poderia revelar, problematizar e pedir revisão dos estudos. A área onde se localiza a TKCSA tem vocação pesqueira, grandes áreas verdes disponíveis, então, este estudo poderia considerar que um turismo sustentável, por exemplo, poderia ser mais interessante para os moradores do que a siderúrgica”, afirma.

Para Marcelo Firpo, a legislação ambiental possui lacunas no que se refere à avaliação da saúde das populações atingidas, já que os órgãos ambientais têm pouca experiência e formação para avaliar esses impactos específicos. Outra lacuna, segundo o pesquisador, está relacionada à participação da sociedade civil nos processos de avaliação e licenciamento. Ele lembra que há uma proposta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro que amplia a participação das populações envolvidas. “É uma proposta chamada ‘avaliação de equidade ambiental’, que significa aumentar a participação das populações atingidas e movimentos sociais no processo de licenciamento e também impedir que esse empreendimento agrave vulnerabilidades e desigualdades frente aos impactos produzidos”, explica. Mas, para Firpo, a vontade política já resolveria grande parte dos problemas de licenciamento ambiental. “Apesar dessas lacunas, a legislação atual seria suficiente para ser mais rigorosa caso houvesse disposição do Executivo em implementá-la”, reforça.
Reportagem e análise de Raquel Júnia – Escola Politécnica de Sáude Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

‘Há muitas evidências de danos dos agrotóxicos à saúde


A pesquisadora Lia Giraldo explica como os agrotóxicos foram introduzidos no Brasil a ponto de o país ser hoje o campeão mundial no uso de venenos. Lia é pesquisadora do departamento de saúde coletiva, do laboratório Saúde, Ambiente e Trabalho, da Fiocruz Pernambuco. Ela coordena um grupo de pesquisadores responsáveis por revisar os estudos científicos existentes sobre onze agrotóxicos que estão em processo de revisão pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O uso de agrotóxicos no Brasil vem crescendo ano após ano. O país lidera o ranking dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Por que consumimos tanto veneno?

Desde a década de 70, exatamente no ano de 1976, o governo criou um plano nacional de defensivos agrícolas. Dentro do modelo da Revolução Verde os países produtores desses agroquímicos pressionaram os governos, através das agências internacionais, para facilitar a entrada desse pacote tecnológico. Em 1976, o Brasil criou uma lei do plano nacional de defensivos agrícolas na qual condiciona o crédito rural ao uso de agrotóxicos. Assim, parte desse recurso captado deveria ser utilizada em compra de agrotóxicos, que eles chamavam, com um eufemismo, de defensivos agrícolas. Então, com isso, os agricultores foram praticamente obrigados a adquirir esse pacote tecnológico. E também com muita rapidez foi formatado um modelo tecnológico de produção que ficou dependente desses insumos, e isso aliado ainda a uma concentração de terras, mecanização, com a utilização de muito menos mão de obra. Tivemos um grande êxodo rural: de lá para cá o Brasil mudou completamente, era um país rural e virou um país urbano, seguindo um fenômeno que aconteceu também em outros países. Então, o Brasil se rendeu às pressões econômicas internacionais na defesa desse modelo. Depois disso houve muito lobby político, e, inclusive, tivemos ministro ligado a empresas produtoras de agrotóxicos. E isso fez com que o Brasil não só passasse a ser consumidor, mas também produtor desses produtos. As cinco maiores produtoras de agrotóxicos tem fábricas no Brasil – Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e Monsanto. E depois, dentro dessa linha, e associado ao ciclo de algumas monoculturas como a soja, o algodão, o café e a cana de açúcar, esse modelo casou bem com o modelo de produção de monocultura extensiva , demandando cada vez mais terras, cada vez mais expulsando o pessoal do campo para a cidade. Na divisão internacional do capital, o Brasil ficou com esse perfil de exportador de commodities , com um modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio e essa é a explicação para sermos os campeões no uso de agrotóxicos.

A pressão para que os agricultores passassem a usar agrotóxicos também foi colocada em prática nos outros países do hemisfério sul?

Sim. Se analisarmos países da América Latina, como a Argentina e o Uruguai, cada um com suas características, perceberemos que isso se repete. Mas no Brasil esse quadro ganha proporções maiores com o nosso gigantismo territorial e também facilidades e estratégias de abertura para o capital externo, com um governo absolutamente permeável. O Brasil estranhamente tem dois ministérios da agricultura, um para o agronegócio, que é o ‘gordão’, com bastante dinheiro, e outro para a agricultura familiar, que é magrinho e com pouquinho dinheiro. São dois ministérios da agricultura com políticas completamente divergentes. E por onde a bancada ruralista consegue pressionar a casa civil? Por dentro. Criaram uma estrutura por dentro do governo, que é o Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento], onde passam os interesses do agronegócio. A bancada ruralista tem total trânsito no governo através do Mapa. E a agricultura familiar fica na depêndencia do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o MDA. Isso é uma boa evidência para mostrar como tem sido a política do Brasil: uma política ambígua para dar resposta às pressões da globalização.

E quais são as características destes agrotóxicos hoje. Eles são mais tóxicos do que nos anos 70?

A evolução da toxidade tem mais a ver com a resistência das pragas aos produtos. A motivação da evolução não é para produzir produtos menos tóxicos para a saúde ou o meio ambiente. Mas sim porque a natureza reage e as pragas se tornam mais resistentes, e as empresas são obrigadas a produzir novas moléculas para os agrotóxicos serem efetivos. Isso está aliado também com o aumento da quantidade de uso, porque enquanto eles não conseguem produzir uma nova molécula a qual a praga seja mais sensível, eles aumentam a carga de agrotóxico. Então, existe uma toxidade e um perigo com a introdução de novas moléculas, que são mais tóxicas para os seres vivos, portanto para nós, seres humanos também – para as células, para o DNA, para as estruturas biológicas. Mas também há um grande perigo quando se aumenta a concentração de um produto que está tendo baixa eficácia e se aplica esse produto sozinho ou associado a outro ou a um coquetel de outros produtos tóxicos. Se, aumentando a concentração de determinado produto, ele já começar a ameaçar a saúde pública, esse produto já não pode mais ser usado. Aí inventam uma outra molécula, e assim vai. E como as experiências feitas para o registro são baseadas apenas em efeitos agudos – ou seja, a morte – e não há testes de longo prazo principalmente para a saúde humana, a nova molécula é registrada. Mas uma coisa é ver se um ratinho desenvolve câncer em seis meses ou um ano e outra coisa é uma pessoa ficar exposta durante muitos anos. Então, esses aspectos não são levados em consideração para o registro de novos produtos e, com isso, eles têm conseguido registrá-los, até que nós comecemos a registrar novamente danos à saude e ao meio ambiente e uma série de efeitos negativos que vão então permitir que a agência reguladora casse o registro ou restrinja os produtos.

E quais as consequências disso para o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores rurais e também para a população de modo geral?

Muitas vezes tudo é feito para ocultar o risco. Se a saúde pública não tem um sistema de informação capaz de monitorar as populações expostas, sejam elas de trabalhadores que trabalham com os produtos, sejam elas de consumidores que consomem os produtos com resíduos, acaba-se não tendo a informação que permitiria a restrição do uso. Então, a falta de informação muitas vezes tem sido utilizada para manter os produtos no mercado. Não existe, portanto, um monitoramento adequado. O Brasil investe muito pouco em monitoramento e essa falta de informação é o grande álibi das indústrias. As consequências vistas em estudos experimentais são evidências importantes, mas não são suficientes. Porque pode-se alegar que foi em determinado contexto, que é para uma determinada espécie e não para outra, então cria-se sempre uma flexibilidade na hora de extrapolar os dados para a sáude humana. É muito dificil estabelecer essas regras de consumo e de proteção baseando-se nos parâmetros que são adotados, porque eles são criados justamente para proteger o capital. É necessário, portanto, que tenhamos outros indicadores de vigilância da saúde que não sejam apenas esses restritos a estudos experimentais animais, mas sim baseados em estudos clínicos e epidemiológicos. Há uma resistência quanto a esses estudos serem internalizados como parâmetros para tomar as decisões de registro ou de captação de uma molécula, porque ou os estudos não existem, ou são muito restritos. O governo, as universidades e mesmo as empresas não incentivam esses estudos e a falta desse tipo de informação é uma politica para manter a outra política, porque obviamente favorece a manutenção do modelo. Mas existem muitas evidências de danos dos agrotóxicos à saúde, só que, infelizmente, pelos protocolos que são estabelecidos, esses danos não são reconhecidos para a tomada de decisão.

Como aparecem essas evidências?

São evidências clínicas através de doenças, agravos, sintomas, efeitos como abortamento, distúrbios cognitivos, de comportamento, morte, manifestações de neoplasias, tumores, distúrbios endócrinos. E muitas vezes os médicos não associam essas evidências com a exposição aos agrotóxicos, não registram isso, não informam, e os sistemas de informação não incentivam e não capacitam os profissionais. Então, há todo um sistema de ocultamento de risco. Dessa forma, quando se consegue fazer o diagnóstico e documentar, acaba ficando como um caso isolado. O próprio pessoal da saúde pública chama veneno de remédio, ‘remédio para barata, para mosquito’, quando, na verdade, remédio é um conceito farmacológico de cura e não para ser utilizado no lugar da palavra veneno, veneno é para matar uma praga que está atrapalhando a lavoura, não tem nada que ver com a sáude. Então, as confusões conceituais fazem parte desse processo de ocultamento de risco. Antigamente esses produtos todos vinham com uma caveirinha para mostrar que era perigoso, hoje as embalagens vêm com mensagens ecológicas, um bulário com uma linguagem muito sofisticada e de difícil interpretação que as pessoas não conseguem entender. Boa parte dos nossos trabalhadores rurais é analfabeta ou semi-analfabeta e não tem capacidade de entender o que está escrito. Tudo isso faz parte também desse modelo de favorecimento dessa tecnologia que gera muito dinheiro para as empresas produtoras.

Recentemente a Anvisa decidiu pelo banimento de dois agrotóxicos – o endosulfan e o metamidofós. Como a senhora avalia a atitude do país no monitoramento desses agrotóxicos?

Ambos são muito toxicos, têm efeitos adversos muito importantes e esses efeitos são proibitivos. A nossa legislação é muito clara: se o produto tiver evidências de efeitos carcinogênicos, mutagênicos, que podem afetar o desenvolvimento embrionário, etc, tem que ser proibido. Então, o que fazemos é buscar se existem essas evidências para poder manter ou não o produto autorizado.

E hoje há muita pesquisa sobre os efeitos dos agrotóxicos?

A maior parte dos estudos são experimentais, em laborátorios, com animais, com os protocolos que são estabelecidos pelas agências internacionais, e com esses estudos as evidências são muito fortes. Agora, também procuramos levantar evidências clínicas e epidemiológicas, que embora em menor quantidade, também encontramos bastantes informações que mostram efeitos em populações expostas, em situações de pessoas que tiveram agravos e, nesses casos, o profissional que atendeu conseguiu estabelecer relações entre o agravo e a exposição ao agrotóxico. Esse material foi todo usado para orientar a decisão da Anvisa de propor o banimento do Endossulfan e do Metamidofós.

E em que aspectos é preciso avançar para que se tenha mais pesquisa e se consiga avaliar melhor os efeitos desses produtos?

Primeiro, as empresas não poderiam ter o registro apenas com estudos dirigidos pela empresa, porque a maioria desses estudos tem conflitos de interesse. Deveria haver um fundo setorial dessas empresas para que o governo induzisse pesquisas nas universidades públicas; para que as universidades e os institutos de pesquisa públicos pudessem ampliar a capacidade de pesquisas nestas áreas, porque a maior parte das pesquisas que as empresas colocam para defender o interesse da molécula [componente base do agrotóxico], são os estudos que eles promoveram e que não tiveram o controle do setor público.

A autorização dos agrotóxicos é feita apenas com base nesses estudos?

As moléculas que estão em processo de reavaliação pela Anvisa hoje, no passado foram autorizadas apenas com base nesses estudos das empresas. Hoje já temos um papel um pouco mais cuidadoso das agências, basicamente da Anvisa, porém quem ainda tem a obrigação de apresentar as evidências de que a molécula não traz agressividade à saúde é a empresa. Portanto, não temos contra-povas e poderíamos ter contra-provas feitas por órgãos públicos. A reprodução da pesquisa poderia ser feita por um instituto de pesquisa público, com uma certificação de que de fato aquele resultado foi obtido. E não ser baseado apenas em estudos experimentais, mas também de ordem clínica e epidemiológica, porque não se reproduzem os mesmos efeitos de uma espécie para outra.

Mas e no caso de produtos novos, já que não haveria ainda evidências clínicas?

Por serem novos teriam que passar por todos os estudos experimentais os mais precaucionários possíveis, inclusive utilizando células humanas experimentalmente, por exemplo. Isso se pode fazer com amostras de sangue, não precisa explorar a pessoa, pode-se fazer cultura de células humanas para fazer certos testes. E depois, se não tiver nenhuma evidência de mutagenicidade nem outras evidências, a molécula deveria ser utilizada com muita parcimônia, de forma que as pessoas que fossem expostas no trabalho pudessem ser acompanhadas com o tempo, para ver se de fato não houve nenhum problema. Porque após a concessão do registro, não há a previsão de nenhuma reavaliação periódica. A molécula deveria passar a cada cinco anos obrigatoriamente por uma reavaliação a partir de dados coletados em função de monitoramento, mas não há monitoramento nenhum. É questão de ter uma política para isso, que implicaria novos procedimentos dos três orgãos – Anvisa, Ministério da Agricultura e Ministério do Meio Ambiente -, porque o registro passa pela concordância dos três orgãos.

E a política existente hoje foi concordada com os três órgãos?

Os órgãos são mais ou menos independentes, mas quem faz o registro é o Ministério da Agricultura, com base nos pareceres da Anvisa e do Ibama e no seu próprio. Mas do ponto de vista legal, quem dá o registro para a utilização é o Ministério da Agricultura. Mas a Anvisa pode pedir a reavaliação no caso de danos à saúde. Mas a saúde teria que ter não só esse processo. Se os estudos mostram, depois de comprovados, que foram bem feitos, que não há nenhum efeito proibitivo, então, o produto deveria entrar numa quarentena e ficar sob observação. Ao mesmo tempo a população potencialmente exposta deveria ser monitorada e, a cada cinco anos, reveríamos o registro. Essa seria a conduta certa da saúde, mas não existe isso. Cada vez que a Anvisa chama um produto para reavaliar porque na literatura internacional aparecem publicações afirmando que o produto é toxico para a saúde humana, o lobby econômico tenta impedir. Por isso todo o processo é judicializado e o Ministério da Agricultura está direto contra a reavaliação e a favor da manutenção da molécula. Então, é difícil porque além do lobby do agronegócio, há também a própria parte do governo que pressiona a favor de manter a molécula no mercado.

A senhora considera que este lobby seria dificultado com os estudos mais eficientes?

O conflito de interesses existe, mas o que não pode é esse escancaramento das agências governamentais em receber e aceitar esse tipo de pressão. As empresas têm o direito de defender os seus negócios, mas sem que obviamente a saúde pública e o meio ambiente sofram danos. Elas têm que provar que não causam danos para saúde, mas elas não só não provam que não causam danos, como também usam de artícficios cientificistas para obter o registro. Por outro lado, as instituições públicas de pesquisa não estudam, então fica difícil. O governo deve ter uma política de ciência, tecnologia, inovação tecnológica e de resguardo da saúde e do meio ambiente contra a introdução de novas tecnologias que não estão devidamente asseguradas.

E de que forma podemos pensar no fim do uso dessas substâncias tóxicas?

Essa é uma pergunta que fazemos o tempo todo. Até o final da década de 60, a produção agrícola era feita sem o uso dessas substâncias. Na história da humanidade, a agricultura é a primeira grande revolução produtiva e a maior parte do tempo foi feita sem isso. E existe toda uma ciência da tecnologia, do que chamamos hoje de agroecologia, que é o que o pessoal fazia antigamente. Agora, na medida em que se muda o modelo de produção na base da monocultura extensiva e em agroquímico, se condiciona e se cria um empobrecimento do solo. E à medida que existem mais agroquímicos, mais pragas resistentes exigem mais química, e, assim, cria-se um círculo vicioso de dependência química. E aí é preciso desmamar, como acontece com uma pessoa com dependência química, mas para desmamar é preciso primeiro garantir aos produtores que passarão para uma agricultura tipo agroecológica ou orgânica, incentivos e segurança, para que eles possam produzir. Como aconteceu antes, quando o crédito rural foi condicionado ao uso do agrotóxico, agora pode acontecer o contrário: ser dado o crédito para aqueles que não usarão agrotóxicos, fazer o inverso e criar uma nova escola de agricultura. As indústrias de agrotóxicos ganharam as universidades e as escolas de agronomia, que passaram a ensinar os agrônomos a só produzirem com química. Então, é preciso reformular o ensino da agronomia também.

E a sociedade em geral e os trabalhadores rurais estão convencidos da importância desta mudança?

Eu acho que a consciência cresceu muito, porque esse modelo é insustentável e se torna cada vez mais caro e cada vez mais dependente de tecnologias pelas quais se terá que pagar royalties e etc. Com isso, a soberania alimentar e a soberania produtiva também vão se perdendo. Esses conflitos permitem espaço para que essas outras alternativas se coloquem. Hoje no Brasil está muito vivo o movimento pela agroecologia, cada vez mais está havendo espaço e interesse por esse outro modelo. Mas não é facil porque não há incentivo por parte do governo. Então, precisaríamos politizar mais essa discussão para que possamos ter, por parte do Estado, outra postura pública perante essas questões.

Ainda existem muito agrotóxicos que são proibidos em outros países e ainda permitidos no Brasil?

Há vários. Esses onze agrotóxicos que estamos no processo de revisão junto à Anvisa estão sendo revistos justamente porque já foram denunciados os efeitos proibitivos deles. E a Anvisa tem uma lista de cerca de 60 produtos já proibidos em outros países. É muito lento esse processo porque infelizmente não temos uma conjuntura política e jurídica favorável à proteção da sáude, mas sim favorável à produção.
Entrevista da Escola Politécnica de Sáude Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), publicada pelo EcoDebate, 11/02/2011

Brasil determina fim do uso do agrotóxico metamidofós que já era proibido em toda a União Europeia


Anvisa comprova que metamidofós é altamente tóxico. Descobertas põem em xeque também o modelo de produção agrícola brasileiro.


O metamidofós é um veneno utilizado em culturas de algodão, amendoim, batata, feijão, soja, tomate para uso industrial e trigo. Mas a partir do dia 30 de junho de 2012, ele não poderá mais ser ministrado no país. A decisão foi tomada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no último dia 17 de janeiro, com base em um estudo elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que aponta os prejuízos do produto para a saúde humana. O metamidofós, segundo a Anvisa, mesmo em pequenas doses, provoca intoxicação e, a longo prazo, pode provocar danos ao processo de reprodução e também ao sistema nervoso, sobretudo do trabalhador rural, que tem contato mais direto com o veneno. O produto já é proibido na União Europeia, China, Japão, Paquistão, Indonésia, Costa do Marfim e Samoa. “As empresas tentaram impedir pela via judicial o trabalho da Anvisa de reavaliação de 14 ingredientes ativos e não apenas do metamidofós.Tivemos que derrubar várias liminares, eles queriam manter os produtos como estão no mercado. Mas nós convencemos os juízes de que nossa razão de existir é esta”, conta o gerente geral de toxicologia da Agência, Luis Cláudio Meireles.

Em 2002, o produto já havia sido reavaliado pela Anvisa, que decidiu por excluir alguns cultivos da lista de culturas permitidas de serem tratadas com metamidofós. Nessa ocasião, a Agência também proibiu a aplicação costal do produto, situação em que o trabalhador utiliza um borrifador instalado nas costas. De lá para cá, novos estudos foram feitos e a ciência comprovou que o veneno era mais tóxico do que se imaginava. Luis Claudio explica que Anvisa, quando decide reavaliar um produto, o coloca em consulta pública para que os setores interessados possam se manifestar. “A saúde é sempre colocada como o patinho feio da história. Fazem parecer que nós queremos atrapalhar o desenvolvimento. Mas felizmente temos conseguido sustentar nosso trabalho, porque acho que esse tema tem um impacto muito positivo na sociedade, que olha o agrotóxico com muita desconfiança. E tem que olhar mesmo porque estamos falando de substâncias tóxicas”, afirma.

Outro modelo agrícola

“Se há uma substância tóxica, a Anvisa tem que acompanhar. O ideal era que tivéssemos uma agricultura que não necessitasse dessas substâncias, mas hoje, infelizmente, ela é dependente. Agora, é preciso ir substituindo para aquelas menos tóxicas, tirando aquelas mais graves e reduzindo ao máximo, além de ir entrando com outras técnicas de produção agrícola”, observa Luis Claudio. Ele conta também que a Anvisa tem trabalhado no registro de produtos para a agricultura orgânica, que são de baixa toxicidade.

Para o professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), André Burigo, a decisão da Anvisa é importante para mostrar que o modelo de desenvolvimento adotado atualmente precisa ter limites. “O interessante é que na própria consulta pública se percebe que as manifestações contrárias ao banimento são muito embasadas no argumento do impacto que terá a medida no setor produtivo, na cultura do algodão, da soja, dizendo como esse é um veneno importante. Então, mesmo quem defende esse modelo de desenvolvimento e produção aponta a contradição de como esse modelo é dependente do veneno e fica vulnerável frente a uma proibição”, diz.

André observa que não é, portanto, apenas o movimento agroecológico que aponta que o atual modelo hegemônico agrícola é químico-dependente. “Isso não é uma fala apenas do movimento agroecológico, mas está presente na fala de quem defende este mesmo modelo”, reforça.

Além do metamidofós, outras oito substâncias utilizadas na agricultura estão sendo analisadas pela Anvisa. Luis Claudio ressalta que a população em geral e os cientistas devem contribuir para embasar as decisões da Anvisa. “É muito importante que movimentos sociais, pesquisadores e populações que muitas vezes são prejudicadas se manifestem sobre os produtos em consulta pública”, convida.

Leia nota técnica da Anvisa proibindo o metamidofós. Consulte o especial Saúde sem agrotóxicos da EPSJV. Reportagem de Raquel Júnia

Bisfenol-A(BPA) e estudos recentes


Muita gente chega aqui no blog ao procurar sobre Bisfenol no google. Afinal, o que é o Bifesnol ? Por que estão falando tanto dele? Por que está sendo proibido em alguns países ? Quais seus reais impactos sobre a saúde humana ?

Conceito

O Bisfenol-A (BPA) é um composto utilizado na fabricação do policarbonato, um tipo de plástico rígido e transparente. Serve para diluir a resina de poliéster a fim de torná-la mais líquida e facilitar sua laminação.

Onde está presente

O BPA está presente em recipientes de alimentos e bebidas, como mamadeiras, embalagens plásticas e copos infantis. Além disso, pode ser encontrado no revestimento interno (forro) de enlatados (para evitar a oxidação), garrafas reutilizáveis de água (do tipo squeeze) e garrafões de água mineral. Também é encontrado em uma variedade de produtos, incluindo lentes de óculos, CDs e DVDs, computadores, eletrodomésticos, ferramentas pesadas, equipamentos esportivos, equipamentos médicos. As resinas epóxi são facilmente formadas e resistem a químicos, o que fazem delas úteis em produtos tais como placas de circuito impresso, tintas e adesivos, selantes dentais e película de revestimento interno de latas de metal. Os produtos plásticos compostos por BPA, comercialmente produzidos desde a década de 50, tornaram-se onipresentes devido a resistência de seus fragmentos, transparência visual e por ter alta resistência ao calor e à eletricidade.

O problema

Com o passar dos tempos, a colagem que conecta os blocos feitos com o BPA, deteriora, liberando moléculas de BPA. A quantidade liberada é realmente muito baixa, mas os plásticos estão tão dispersos — estão presentes nas mamadeiras infantis, nas garrafas d’água, nas latas de metal para alimentos, nas embalagens para estocar alimentos, que a população está constantemente sendo exposta a estas pequenas contaminações.

Num estudo de 2003-2004, feito pelo CDC/U.S. Centers for Disease Control (nt.: Centros de Controle de Doenças dos EUA, equivale ao Ministério da Saúde brasileiro), perto de 93% das pessoas testadas, com idade de seis anos e acima, tinham BPA A detectável em suas urinas; as fêmeas tinham níveis um pouco mais altos do que os machos. Estudo recente publicado pela Universidade da California, mostrou que 96% das gestantes estudas na California, apresentavam BPA na urina.

O BPA é uma substância que se enquadra no grupo dos Disruptores endócrinos, ou também denominados de Desreguladores endócrinos. O próprio nome já diz, é uma substância química semelhante a um hormônio que promove alterações no sistema endócrino (mimetiza hormônios, se liga a receptores hormonais, ativa substâncias hormônio-dependentes).

Diversos estudos científicos têm encontrado efeitos notáveis da exposição perinatal do BPA, que incluem:
1) Alterações no desenvolvimento da próstata e da glândula mamária;
2) Hiperplasia intraductal e lesões pré-neoplásicas da glândula mamária na idade adulta;
3) Alterações no útero e ovário;
4) Alterações ligadas ao dimorfismo sexual no adulto;
5) Alterações comportamentais, tais como hiperatividade, aumento de agressividade e déficit de atenção;
6) Alterações no comportamento sexual;
7) Aumento da susceptibilidade ao vício de drogas.
8) Alterações tireoideanas

Embora os riscos inerentes à exposição ao BPA sejam no desenvolvimento fetal, bebês, crianças e mulheres grávidas, há também uma grande preocupação com os efeitos dessa substância em adultos. Tem sido relatado em estudos científicos que o bisfenol-A pode estar relacionado com doença cardiovascular, diabetes, obesidade e disfunção hepática.

Panorama no Brasil

No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) limita o uso da substância em 0,6 mg para cada quilo de embalagem.
Já na União Europeia a partir desse ano está proibida a fabricação de mamadeiras com o BPA. Mas atualmente ainda não há um consenso sobre a recomendação no uso desta substância.

Em novembro de 2010 a Organização Mundial da Saúde (OMS) promoveu um encontro com especialistas para avaliar as evidências científicas sobre o tema e concluiu que os alimentos são, de fato, a principal fonte de exposição ao BPA. Produtos como brinquedos, resina dentária e papel de nota fiscal teriam importância menor. Os especialistas afirmaram, porém, que os níveis de BPA encontrados em humanos são baixos, indicando que o químico é rapidamente metabolizado e eliminado pela urina.

Médicos conscientes

“O problema é que estamos expostos a uma contaminação contínua e há uma ação combinada do bisfenol com outros desreguladores endócrinos presentes no cotidiano, como agrotóxicos e até o fitoestrógeno da soja. Não se sabe até que ponto um pode potencializar o outro”, afirma a médica Ieda Verreschi, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia do Estado de São Paulo. A entidade promoveu no final de 2010 um fórum sobre o assunto e lançou a campanha Diga Não ao Bisfenol A, a Vida Não Tem Plano B. Segundo Dra. Ieda, há indícios de que os desreguladores endócrinos são perigosos mesmo em concentrações inferiores ao limite permitido pela legislação. “Nesse caso, vale o princípio da precaução. Devemos considerar o bisfenol como potencialmente perigoso até provar o contrário.”

Bem, a ANVISA afirma que não há estudos suficientes para proibir a utilização do mesmo na fabricação de determinados plásticos. Mas a União Européia foi um pouco cautelosa e proibiu pelo menos em mamadeiras. O que já é um avanço !



Atualidade

Essa semana um jornal de Brasília me procurou pra uma entrevista sobre o tema, sendo assim fiz uma busca sobre o que havia de mais atual sobre Bisfenol. Até o momento em 2011 (sim, 2011) foram publicados na maior base de dados (Pubmed) “somente” 17 artigos sobre o Bisfenol: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=bisphenol

Quase que semanalmente estão publicando estudos sobre BPA.

Os mais recentes mostram correlação entre BPA e desenvolvimento de hiperatividade e déficit de atenção em filhotes de ratas expostas a baixas doses de BPA durante a gestação.
Artigo: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21277317

Outro estudo mostra que que exposição ao BPA durante a gestação e lactação leva a alterações morfológicas no cérebro dos filhotes e com isso alterações comportamentais na fase adulta.
Artigo: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21277127

A faculdade de Harvard publicou um artigo sobre BPA e saúde de crianças e afirmam categoricamente que apesar de AINDA não existirem estudos em humanos, os estudos em animais mostram alterações. Portanto o BPA é uma substância preocupante e profissionais de saúde devem orientar os pacientes a evitarem exposição.
Artigo: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21293273

Dr. Frederico Lobo – Sou médico, clínico geral e dentro do meu arsenal terapêutico utilizo da medicina tradicional chinesa (acupuntura) e de estratégias ortomoleculares (lembrando que ortomolecular não é especialidade médica ou área de atuação). Busco ter uma abordagem holística/integrativa dos meus pacientes, utilizando tal arsenal. Acredito que todos nós temos o dever de lutar pela restauração do equilíbrio entre o homem e a natureza e para isso, faz-se necessário que a Saúde seja interpretada por uma ótica ecológica (por isso ecologia médica). Não acredito que possa existir saúde sem a integração multidisciplinar entre todos os profissionais da área da saúde, sem educação em saúde (educação é a base de tudo) e muito menos sem respeito pelo ecossistema.
Artigo originalmente publicado no Blog Ecologia Médica e republicado pelo EcoDebate, 11/02/2011

Crime continuado e silencioso contra a Biosfera



Millos Augusto Stringuini e José Truda Palazzo Jr.

Introdução

O presente artigo é resultado de mais de 30 anos de observação e enquete sobre públicos muito variados, incluindo centenas de alunos de graduação e pós-graduação no Brasil e no exterior, para os quais foi perguntado:

•O que possibilita a existência da vida no planeta?
De forma impressionante, ressalvados somente cinco respostas corretas, os questionados sempre responderam de forma incorreta.

A imensa maioria das pessoas pensa que a existência da vida na Terra é devida à água. Além disso, muitas outras falam do carbono, algumas dizem energia e petróleo e mais um sem número de respostas absurdas, como o dinheiro e economia, as leis, o sexo, etc.

Das cinco pessoas que acertaram a resposta, quatro eram biólogos e um engenheiro agrônomo.

O imenso desconhecimento na sociedade da resposta correta é a prova incontestável do descaso da humanidade com um fenômeno natural que é à base da existência de todos os seres vivos existentes na biosfera.

Além disso, se contam aos milhares as reuniões, conferências mundiais, seminários falando de meio ambiente. Igualmente, tratados, livros, artigos de direito ambiental e um grande volume de pesquisas científicas publicadas anualmente sem que qualquer referência seja realizada ao fenômeno que possibilita a existência da vida no Planeta Terra.

Esse texto tem como objetivo demonstrar que o desconhecimento da existência e dinâmica do fenômeno que possibilita a vida no planeta Terra e a falta de preservação de sua integridade, implicará, dentro de algum tempo, na extinção de milhares de espécies e da humanidade.

A produção de vida.

A Terra é um “planeta com vida” porque existe clorofila e fotossíntese.

Um planeta pode ter água, carbono, nitrogênio, fósforo e potássio e demais elementos, mas não terá vida se não tiver clorofila e, portanto, fotossíntese.

A fotossíntese é o fenômeno dinâmico gerado pela clorofila em presença da luz solar nos cloroplastos celulares que produz e mantêm a vida no planeta. É fato que algumas comunidades dos fundos abissais marinhos vivem de quimiossíntese, mas qualquer organismo que tenha seu ciclo de vida vinculado às áreas emersas e aos ambientes acima dos 1000m de profundidade, bem como a maioria dos que vivem nos fundos marinhos colhendo a “chuva de organismos” que o mar aporta, têm suas vidas inexoravelmente dependentes da fotossíntese.

Para relembrar aos esquecidos as aulas de biologia no segundo grau, nas quais a imensa maioria dos alunos achava desagradável estudar a fotossíntese, publica-se abaixo a fórmula desse maravilhoso fenômeno que permite a existência de vida nesse planeta, inclusive a humana.

•FOTOSSÍNTESE

6CO2 + 6H2O + luz (energia) → C6H12O6 + 6O2

Durante a noite ocorre o fenômeno inverso:

Liberação de CO2 e consumo de O2.

RESPIRAÇÃO.

C6H12O6 + 6O2 → 6CO2 + 6H2O + energia.

Merece total destaque o fato de que a fonte primordial de clorofila e fotossíntese no planeta é o fitoplâncton oceânico e das águas doces.

De fato, a maior quantidade de fotossíntese produzida na Terra é realizada pelo fitoplâncton, que é formado por diminutas “plantas marinhas” (principalmente algas verdes, diatomáceas, cianofíceas e dinoflagelados) que estão na base da teia da vida dos mares e, portanto, do planeta.

O fitoplâncton aquático é a “fonte primordial de geração de oxigênio para o planeta”. Se existe uma grande quantidade desse elemento no planeta, disponível para todos os seres vivos e a humanidade respirar, deve-se à existência, principalmente, do fitoplâncton.

Os vegetais clorofilados terrestres contribuem também e são fontes amplificadoras do processo de produção de fotossíntese originado nos mares.

As florestas tropicais, além da função de produção de oxigênio e captação e fixação de gás carbônico – fotossíntese – são reguladoras hidráulicas do ciclo das águas e do clima global em cooperação com os dois pólos frios terrestres (sul e norte).

Por sua vez, o planeta Terra possui um “quantum naturalmente incremental da presença de clorofila e de fotossíntese” (quantum fotossintético) para manter a vida e seu ciclo evolutivo no planeta, gerado pelo fitoplâncton e ampliado pelos vegetais terrestres.

Incremental porque, quanto mais fotossíntese é produzida pelos vegetais clorofilados e, principalmente, pelo fitoplâncton, mais oxigênio será disponibilizado na atmosfera, equilibrando dinamicamente a relação de concentração no ar do Oxigênio e do Gás carbônico. Um ciclo virtuoso de produção de oxigênio e captação e absorção de gás carbônico.

Por outro lado, quanto mais humanos e motores de todos os tipos existirem no planeta maior será a necessidade de fotossíntese, pois ambos consomem oxigênio e produzem gás carbônico.

Entretanto, com os processos de poluição das águas oceânicas e doces, do ar e dos solos, associado ao desmatamento, a humanidade promove, constantemente, uma redução crescente (muito provavelmente exponencial) do “quantum fotossintético” do planeta, ou seja, paulatinamente os humanos estão alterando o equilíbrio dinâmico da relação de concentração no ar do Oxigênio e do Gás Carbônico.

Oceanos e a vida.
Fitoplâncton oceânico
As florestas são extremamente importantes para a vida na Terra. Abrigam uma imensa biodiversidade, mantém perenes as bacias hidrográficas, promovem a ciclagem da água na atmosfera e realizam fotossíntese. Aquilo que quase ninguém sabe na humanidade é que somos vitalmente dependentes da fotossíntese realizada nos mares do planeta, seja para sobreviver e ou enfrentar a ameaça das mudanças climáticas de origem antrópica. O fitoplâncton oceânico afetado pela poluição de todos os estados físicos da água e pelo aquecimento global está sendo reduzido em aproximadamente 1% ao ano. Segundo estudo publicado recentemente por um grupo de pesquisadores na revista científica Nature, desde 1950 a quantidade de fitoplâncton no planeta já diminuiu cerca de 40%. Isso é muito pior do que o desmatamento das florestas tropicais em termos da produção de oxigênio pela fotossíntese – é um criminoso desastre ambiental de proporções inenarráveis. Todavia, como as vítimas são plantas microscópicas e não árvores ou mamíferos atraentes aos olhos humanos, a conduta narcisista hedonista negligente da humanidade com a natureza, permite a continuidade desregrada desse crime contra a vida no planeta. Aquilo que não é visível para os humanos é desconsiderado cognitivamente. O invisível não tem valor. Não faltarão pessoas para negar a importância desse fenômeno ecológico para a humanidade e a totalidade da vida no planeta. A informação de que o fitoplâncton possui altas taxas de regeneração comunitária em função de fenômenos sazonais, seguramente será apresentada para justificar a continuidade desse atentado criminoso contra a vida no planeta em nome da economia. Todavia, o que os defensores do absurdo antropocêntrico certamente desconhecem é que os fenômenos de dinâmica populacional e comunitária no Planeta, por Lei natural, invariavelmente terão suas máximas expressões numéricas reduzidas pela pressão constante dos fatores de poluição. Quanto maior for a poluição de todos os tipos, menor será a abundância e distribuição do fitoplâncton e, portanto, da biodiversidade planetária. As más notícias não param por aí. O fitoplâncton fixa o dióxido de carbono (CO2) através da fotossíntese, o que contribui para seu próprio crescimento e também da teia alimentar marinha. Uma parte do carbono fixado na biomassa do fitoplâncton termina se tornando o carbonato de cálcio dos sedimentos nas profundezas oceânicas, permanecendo lá por milhares de anos. Todavia, uma boa parte do dióxido de carbono (CO2) que não contribui para o crescimento da biomassa acaba retornando para a atmosfera pela respiração da comunidade fitoplanctônica. O resultado líquido entre a fotossíntese (produção primária) e a respiração combinada determina, portanto, se os oceanos estão atuando como um depósito (sink) de carbono ou como uma fonte (source), ou seja, se estão absorvendo o carbono que emitimos irresponsavelmente na atmosfera ou se estão devolvendo. Há abundantes evidências científicas de que essa equação é definida em grande parte pela temperatura da água. Quando a temperatura sobe, também sobem os níveis de fotossíntese e respiração. Entretanto, a respiração aumenta mais rapidamente seus níveis de ocorrência que a fotossíntese, transformando os oceanos em fonte, e não mais em depósito de carbono. O continuado despejo de carbono na atmosfera pelas atividades humanas, inegavelmente provoca o aumento desmesurado da temperatura, provocando também uma diminuição da capacidade dos mares de absorver esse carbono via fotossíntese, formando um ciclo vicioso e uma espiral de destruição que ameaça toda a vida no planeta. Resumindo, como o fitoplâncton oceânico é a base (fotossintética e nutricional) de todas as teias de vida do planeta, diminuindo a quantidade de fitoplâncton, toda a quantidade de vida no planeta diminuirá junto, iniciando pelo zooplâncton, corais, peixes e toda a vida aquática e terrestre. A humanidade está criminosamente promovendo de forma continuada a perda da base de produção primária da vida na Terra, associada à entrada num ciclo de aquecimento retroalimentado de conseqüências avassaladoras. Conclusões. Esse é um problema para o qual atualmente inexistem soluções imediatas, do ponto de vista institucional e legal, visto ser internacional, ou seja, algo a ser resolvido por toda a humanidade. A humanidade através da liderança da ONU e dos Governos dos Estados Membros deveria estar promovendo um grande esforço global para aumentar a quantidade de seres clorofilados na biosfera e, prioritariamente, o fitoplâncton, pois eles são a única fonte de geração de vida no planeta. Todavia, o proclamado “desenvolvimento econômico” age exatamente no sentido contrário, está promovendo a redução da quantidade de produtores de fotossíntese no planeta Terra e, em especial, do fitoplâncton. Muito pouco adiantará reduzir as emissões de gases estufa se não for promovida uma constante ampliação da capacidade fotossintética do planeta. Nesse sentido, é preciso buscar não apenas a restauração das áreas florestadas e preservadas no plano global, mas também a redução IMEDIATA dos demais impactos humanos sobre os oceanos, inter alia:
1.Eliminação das descargas orgânicas e de poluentes sobre os rios, plataformas continentais, através da universalização da coleta e tratamento de efluentes urbanos e industriais até o mais elevado grau de purificação tecnologicamente disponível, com limitação geográfica das concentrações urbanas, decretando o fim da operação dos emissários oceânicos de esgotos, sem tratamento.
1.Redução planejada e acelerada da ocupação das zonas costeiras, em especial no tocante aos ecossistemas associados ao meio marinho cuja produtividade fotossintética é essencial à continuidade da vida; manguezais, marismas, estuários e lagoas;
1.Eliminação rápida e progressiva da Pesca Industrial, visto que essa é uma atividade de “mineração da biodiversidade marinha” sem qualquer sustentabilidade. Essa atividade deverá ser substituída por maricultura sustentável e pesca de pequena escala com monitoramento e regulamentação adequados, sendo que a captura de predadores de topo de cadeia (atuns e afins, tubarões e outros) deverá cessar imediatamente;
1.Restrição e controle da exploração e explotação de hidrocarbonetos e outras atividades de extração mineral nos oceanos, pois elas afetam de forma direta o fitoplâncton pelos seus crônicos derrames e resíduos;
1.Ampliação constante e progressiva da porcentagem de áreas marinhas protegidas de uso estrito, principalmente em regiões de alta produtividade e diversidade biológica (recifes de coral, montes submarinos, ilhas oceânicas, vents3 e seeps4 abissais) onde as atividades humanas capazes de interferir nas teias vivas sejam proibidas ou fortemente restringidas. Além disso, do ponto de vista institucional e diplomático, é inegável a existência hoje de “uma grande opera bufa ambiental mundial”. Nela, metaforicamente, é vendida para o grande público a ilusão de que a humanidade através de seus governos está solucionando os problemas ambientais existentes. Um enorme engodo, pois os problemas ambientais historicamente existentes continuam aumentando e sendo agravados em suas magnitudes. Os governos sobre a face da Terra, protegendo seus interesses econômicos, dificilmente aceitarão controlar a poluição dos mares e a destruição do fitoplâncton, pois o pensamento econômico de curto prazo é o principal motivador das ações da maioria dos humanos. O problema de fundo que ameaça a integralidade da vida no planeta, ou seja, a redução quantitativa e a morte continuada dos fotossintetizadores, nem mesmo tem sido considerado como algo a ser pautado. Se a humanidade continuar a promover a redução do quantum fotossintético do planeta, até a metade do século XXII, muito provavelmente, a humanidade estará extinta da face da terra pela fome e com ela milhares de outras espécies. O desafio atual para aquilo que resta de lucidez e verdade da humanidade é resolver, científica, institucional e legalmente esse problema ecológico internacional, para o qual as provas existentes são irrefutáveis. Entretanto, no contexto atual, onde uma luz no fim do túnel ainda não apareceu, a desconsideração da importância da fotossíntese, pelos humanos é um crime continuado e silencioso contra a Biosfera e todos aqueles que ignoram o colapso ambiental dos oceanos e rios, são cúmplices desse processo que já se aproxima do ponto crítico de irreversibilidade. Quem sobreviver ao caos ecológico resultante dos séculos XX e XXI, reconhecerá os erros cometidos pela humanidade e justificados pela economia e o antropocentrismo.!
1 Biólogo, Doutor em Ciências do Meio Ambiente – Professor “cátedra sul” da Universidade de Liége – DSGE – Bélgica, Perito Internacional. 2, Presidente da rede Costeiro-Marinha e Hídrica, Consultor em Meio Ambiente. 3 Thermal vents were discovered by Dr. Robert Ballard in 1977 through the use of deep sea submersibles off of the coasts of the Galápagos Islands. This discovery changed the scientific understanding of the world’s oceans and of deep sea life. Fonte: Webster’s Online Dictionary 4 Vaza oceânica. EcoDebate, 11/02/2011

Perfume das flores pode ser vital para sobrevivência de insetos polinizadores


Não só os humanos amam o doce aroma de um jardim na primavera. Os insetos também são seduzidos pelo perfume, e somente agora os biólogos estão percebendo o quanto o cheiro os afeta. Isso pode ajudar a explicar a queda acentuada no número de polinizadores ao redor do mundo – incluindo as famosas abelhas – e oferecer estratégias para inverter a tendência.

Segundo pesquisadores norte-americanos, o perfume de uma flor pode ser tão vital para os insetos polinizadores como sua forma ou cor. Para chegar a essa conclusão, biólogos ligaram eletrodos em mariposas do tabaco e, em seguida, esborrifaram em suas antenas 80 diferentes tipos de moléculas de odor das flores favoritas do inseto. Nove desses produtos químicos levaram a um aumento da atividade cerebral das mariposas, agindo como verdadeiros feromônios sexuais, o que influenciaria a polinização.

Surpreendentemente, os mesmos neurônios não foram acionados pelas mariposas quando estas foram expostas a espécies de flores diferentes de sua favorita, ainda que os perfumes fossem muito semelhantes para os seres humanos. Para confirmar que os insetos não estavam contando com pistas visuais, os biólogos as deixaram explorar 20 flores de papel branco, perfumadas com odores familiares ou não. Ainda assim, as mariposas preferiram as flores com cheiros familiares.

Mas o que aconteceria se esses aromas fossem alterados? Uma bióloga da Pensilvânia, Jordana Sprayberry, tem algumas ideias. Ela está estudando o efeito que fungicidas têm sobre zangões para rastrear refeições e polinizar flores durante o processo.

Utilizando um labirinto de quatro câmaras – três sem perfume ou comida e um quarto com um alimento perfumado com odor de flores – Spraybarry descobriu que oito dos nove zangões encontraram a recompensa em menos de cinco minutos. Ao espalhar um fungicida nas câmaras, no entanto, o sucesso para encontrar a comida caiu em 30%, e levou o dobro do tempo.

A pesquisa alerta para a importância do odor nos ecossistemas. Ainda que, ao contrário das mariposas, os zangões utilizem a visão para encontrar a fonte de alimento, o cheiro exerce um papel crucial na busca. Alterar ou remover o odor das flores pode fazer com que os insetos desapareçam – e é preciso considerar que o número de polinizadores no mundo já está em decadência. “O que está em jogo é mais do que um jardim bonito”, conclui Spraybarry. [NewScientist]

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