Precisamos de uma bioeconomia local e planetária que dê mais valor ao “saber viver” do que ao “saber fazer”. O comentário é de Iñaki San Sebastián em artigo publicado no sítio www.atrio.org, 10-08-2011. A tradução é do Cepat.
Em nosso opulento primeiro mundo temos aceitado o “deus” crescimento como único redentor capaz de libertar-nos do drama do desemprego. E como se cresce? Quanto mais se consume melhor e em todos os níveis. Para tanto utilizamos três ferramentas: Uma publicidade agressiva que incentiva o consumo; crédito barato que nos permite comprar inclusive sem dinheiro e uma política intencionada de vida limitada dos produtos (obsolescência) para nos obrigar a voltar às lojas o quanto antes. Com tantas tentações, facilidades e enganações como não cair num consumismo descontrolado que nos arrasta a comprar às vezes até o que não queremos?
O que temos conseguido em função da ambição, egoísmo e falta de solidariedade, “virtudes” estas tão ligadas à propensão do consumo? A princípio uma felicidade paradoxal que enche de antidepressivos nossos armários. Assim mesmo, fica evidente nosso fracasso geracional na hora de melhorar a qualidade de vida da maioria dos habitantes do planeta. Os conflitos éticos estão aí. O pior de tudo é que, além de gerar uma percentagem elevadíssima de insatisfeitos e indignados, estamos colocando em risco a sobrevivência da mãe Terra.
Até quando poderá resistir a um consumo incontrolado de seus recursos naturais, acompanhado de um derrame desenfreado de dejetos poluentes?
Diante dessa realidade, os Estados ocidentais, obsessivos até agora pela lógica do crescimento pelo crescimento devem reagir e pensar numa refundação do político que nos leve a pensar a economia subordinada à biosfera. Disso se trata precisamente a Bioeconomia. A ciência que pesquisa o impacto da empreitada humana sobre o meio ambiente e fixa as regras do jogo necessárias para alcançar um desenvolvimento econômico sustentável.
Ou seja, um desenvolvimento que não faça tão feliz as minorias priviliegiadas e faça sofrer o menos possível o restante das pessoas. E não apenas isso, mas que para, além disso, defenda o meio ambiente e mantenha a capacidade de regeneração da biodiversidade. Em suma, se trata de revalorizar uma atividade socioeconômica humanística que, sem menosprezar o capital monetário, dê a devida importância ao capital social e ao capital biológico. O capitalista avaro sem sentimentos e depredador deve dar um passo em direção às necessidades dos demais e às realidades sociais, econômicas, biológicas e ambientais.
O maior problema atual da Bioeconomia é que exige atraver-se a ir contra a corrente. Para essa nova ciência, a empresa humana é uma economia de cooperação, confiança, justiça, fraternidade e compaixão, capaz de conseguir crescimento econômico e criação de riqueza sem destruir a base biológica da qual depende. Ao mesmo tempo, é uma economia que não se concentra nos benefícios apenas para si, deixando o resto para os demais e introduz o conceito de “crescimento bioeconômico” na ideia de progresso pós-moderno. O objetivo é priorizar um nível de vida digno, o pleno emprego, a educação universal e a saúde para todos. Algo assim como questionar a lógica de um crescimento sem limites do Produto Nacional Bruto (PNB). A alternativa seria começar a criar as condições para uma mudança radical de nosso estilo de vida, pensando seriamente em universalizar a Felicidade Nacional Bruta (FNB).
Até aqui uma breve busca de uma teoria muito bonita e fácil de aceitar, que coloca a ênfase máxima nos valores e conceitos sobre os quais se assenta a Bioeconomia.
O tema se complica um pouco mais quando se quer passar da teoria para a prática. Precisamente, quando se trata de aplicar determinadas políticas econômicas e de emprego “bioeconômicas”. Estamos realmente preparados para debatê-las com serenidade e rigor, diferenciando bem as necessidades e exigências de curto prazo, médio e longo prazo?
Em curto prazo nos desafia o problema do desemprego. A médio e longo prazo a inquietude nos chega pelas notícias alarmantes sobre a deterioração do meio ambiente e a acelerada destruição da biodiversidade. O que podemos fazer?
Por que não nos colocamos iniciativas diferentes frente ao que fizemos até agora?
O que nos impede de debatê-las abertamente, analisando sua viabilidade imediata?
Tentemos:
Produtividade e tempo de trabalho
Em nosso primeiro mundo, pensando nas pessoas, na biodiversidade e no meio ambiente, não se trata de produzir mais e mais, mas sim de consumir menos e melhor. O esbanjamento é o inimigo número um. Assim, cada vez resulta menos escandaloso afirmar que temos que pensar, seriamente, em tranformar as ganâncias de produtividade em redução de tempo de trabalho e criação de emprego.
Também é preciso ir interiorizando a importância de se voltar ao local. Indubitavelmente se perde em produtividade, mas se reduz consumos intermediários como transporte, embalagem, publicidade, etc, com uma poupança de energia. Uma agricultura biológica local que funciona a base de energia renovável e renuncie a técnicas contaminantes e equipamentos “energívoros” tem suas vantagens. Humaniza nossa vida cotidiana e acaba gerando emprego “verde” ao induzir incrementos na produção de produtos e equipamentos ecológicos. De outro lado, geram novas atividades que nos permitam reparar e reutilizar determinados bens favorecendo uma lógica de pequena indústria local correspondendo a postos de trabalho. O mesmo, poderíamos dizer, da reciclagem de dejetos.
É evidente a importância do papel que jogam as administrações locais nesses temas. Proporcionando-lhes meios e exigindo uma boa gestão. Não parece tão absurdo uma seletiva moratória aos grandes projetos de infraestrutura e a conseguinte liberação de recursos financeiro em favor do local.
Serviços públicos e bens de comunicação
Há um enorme campo de atuação na melhoria dos serviços públicos: Saúde, educação, infraestrutura social para a atenção de pessoas portadoras de deficiências, etc… “Produzir” saúde, conhecimento e fórmulas de acompanhamento às pessoas que por idade, doença ou acidente não possam ser virar por conta própria, além de gerar emprego, humaniza e faz felizes as pessoas mais necessitadas.
Como pode faltar dinheiro para isso?
Por outro lado, impulsionam bens de comunicação como a amizade, o conhecimento, o intercâmbio intelectual, a participação em manifestações culturais de todo tipo, novas tecnologias, etc. Uma boa fórmula para um bom viver ao alcance de todos e criar mais emprego. As corporações municipais tem muito o que dizer também nesse campo.
Em outra ordem das coisas e apesar de sua complexidade, quem sabe esteja na hora de se colocar o tema de uma renda básica cidadã. As diversas administrações públicas sabem muito bem que o único consumo a manter, a todo custo, é o das pessoas mais desfavorecidas.
Busca de fontes de financiamento
Dinheiro, dinheiro, dinheiro. Têm-se muito e está mal distribuído. É o mercado numa economia financeira que de mãos dadas com o neoliberalismo e a globalização já adquiriram uma dimensão de escândalo. Carece de valor de uso (vil metal, papel, plástico, títulos bancários ou fantasia virtual da engenharia financeira). Entretanto, seu valor de troca é imenso e ao permitirmos comprar quase tudo, menos a felicidade, deperta uma cobiça que está na base de todas as desigualdades sociais. O mercado se sente cômodo sob uma “lei da selva” na qual os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. E não é apenas isso, mas irritam-se quando alguem sugere uma redistribuição da renda. Nessas circunstâncias, o que podem fazer as administrações públicas, além de reduzir o gasto através dos orçamentos?
Não têm alternativas com a ferramenta fiscal?
No Estado espanhol tem se dado muito reformas fiscais e são remendos porque nunca se põe o guizo no gato. Coloca-se ênfase naquilo que é mais fácil, os impostos indiretos. Aos diretos das grandes fortunas, nem se toca ou se limita suavemente. Agora mesmo com os aumentos no IVA, na taxação à gasolina e em taxas generalizadas aos artigos de consumo, etc, se vai afastando do central. É prciso tentativas de recolocar o imposto ao patrimônio, tocar às SICAV, etc, tem-se muito aqui no que debater e avançar.
Como medidas fiscais transnacionais, limito-me a apresentar algumas, com única intenção de suscitar o debate:
- Um imposto sobre a riqueza em escala mundial que ajude a erradicar os paraísos fiscais, suprimindo o sigilo bancário;
- Uma política fiscal financeira global, pensada para combater a especulação, aplicável às transações na Bolsa;
- Taxa unitária adicional sobre os ganhos das multinacionais;
- Taxa sobre as emissões de carbono;
- Eco-imposto que integre os custos da construção e manutenção de infraestrutura viárias, nos custos gerais do transporte;
- Uma política fiscal financeira global, pensada para combater a especulação, aplicável às transações na Bolsa;
- Taxa unitária adicional sobre os ganhos das multinacionais;
- Taxa sobre as emissões de carbono;
- Eco-imposto que integre os custos da construção e manutenção de infraestrutura viárias, nos custos gerais do transporte;
- Taxa de dejetos nucleares de longa duração.
A médio prazo é preciso evitar que transnacionais e o capital financeiro internacional se coloquem acima dos Estados-nação, sem nenhum contrapeso político. Como conclusão, pediria que as cabeças pensantes se voltassem desapaixonadamente a olhar a Bioeconomia. Uma ciência que tem bastante presente a unidade da vida humana com sua base biológica e propõe o paradigma do desenvolvimento bioeconômico. Algo que vai para além do crescimento econômico, ao garantir os interesses do presente e das futuras gerações, tanto nos aspectos quantitativos como qualitativos. Para avançar no tema, temos que desenvolver um processo educativo interdisciplinar, abarcando a biologia, a economia e o conhecimento em geral. Objetivo: dar mais importância ao “saber viver” do que ao “saber fazer”.
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César Torres