[O Globo] No dia 10 de janeiro último, foi divulgada pelo Secretariado da Conferência Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20 – a primeira versão da proposta da declaração a ser acordada e firmada pelos países em 22 de junho, no Rio. O documento de 19 páginas e 128 parágrafos é até bastante conciso considerando-se que foi elaborado tomando-se em conta quase 700 contribuições, inclusive as posições oficiais de uma centena de países, que totalizaram mais de 6 mil páginas de propostas.
Em linhas gerais, o documento propõe a reafirmação do compromisso político firmado na Rio 92 e os seus desdobramentos nos últimos 20 anos e alinha um conjunto de propostas para dar um salto qualitativo na implementação destes compromissos onde a referência à economia verde e a um arranjo renovado da governança global para sustentabilidade são parte significativa.
A reafirmação dos compromissos com os princípios fundantes do multilateralismo, os direitos humanos e os compromissos assumidos na Rio 92 é adequada em identificar avanços, mas tangencia a questão central dos limites do planeta. Nos últimos 20 anos, a despeito dos avanços, aumentamos fortemente a nossa pegada ecológica absoluta e estamos ultrapassando os limites de sustentação do planeta. Por exemplo, as emissões globais de gases de efeito estufa que deveriam ter diminuído, aumentaram mais de 40% entre 1990 e 2010.
Esta falta de enfoque nos limites do planeta reflete na forma como é tratada a erradicação da pobreza. A lógica que transparece é a da pobreza como um obstáculo a ser superado para alcançar sustentabilidade. É importante ir além e reconhecer que a qualidade ambiental e a erradicação da pobreza e promoção do bem-estar são interdependentes. Não se alcançará um sem o outro.
O documento assume implicitamente que tecnologia e ecoeficiência poderão garantir a todos no mundo um padrão de consumo como o hoje desfrutado pelo topo da pirâmide. Hoje, 10% da população mundial são responsáveis por quase 60% do consumo, portanto, a não ser que haja uma revolução na demanda relativa de recursos naturais, é inegável que mudanças nos padrões de produção e consumo dos mais ricos também serão necessárias. Não se trata de apenas erradicar a pobreza, mas de reconhecer limites planetários e implementar mecanismos de redução das desigualdades.
O documento não apresenta propostas de ação que enderecem conjuntamente o desafio de garantir qualidade ambiental e erradicação da pobreza. Entre o conjunto de propostas, vale destacar a proposta de estabelecimento até 2015 de Metas do Desenvolvimento Sustentável, abrangendo, entre outras, as áreas de produção e consumo sustentável, oceanos, segurança alimentar, agricultura sustentável, energias renováveis, acesso a água, trabalho decente, redução de desastres entre outros.
A “economia verde” aparece como mecanismo central de implementação e alocação de recursos, traduzidos nas diversas indicações sobre a importância do setor produtivo e dos mercados. O documento traz alertas sobre possíveis distorções da economia verde, mas não aponta como evitá-las, como aumento dos mecanismos de transparência e controle social.
Outros pontos positivos no campo da economia são o reconhecimento da insuficiência do PIB como métrica para desenvolvimento, a geração de empregos “verdes e decentes” e a eliminação de subsídios nocivos (como os dados ao petróleo e certas formas de pesca e agricultura).
A única passagem do texto que apresenta duas propostas concorrentes para o mesmo tema é no modelo de governança global. Em uma proposta praticamente se mantém o status quo com algumas melhorias e na outra são criadas duas instâncias: (I) o Conselho de Desenvolvimento Sustentável – órgão com poder autorizativo; e (II) a Agência de Meio Ambiente, que seria o órgão implementador das políticas. Não se esclarece como de fato estas propostas contribuirão para melhor avançarmos na agenda da sustentabilidade.
Em resumo, o documento tem uma série de lacunas, mas felizmente oferece uma boa base para se construir nos próximos meses uma Declaração do Rio que seja de fato um salto qualitativo para a promoção do desenvolvimento sustentável tão necessário.
Tasso Azevedo é engenheiro florestal e escreveu este artigo com a colaboração de Aron Belink, coordenador de Políticas Internacionais do Instituto Vitae Civilis.
Artigo originalmente publicado em O Globo e socializado pelo Jornal da Ciência / SBPC
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César Torres