VOCE É NOSSO VISITANTE N°

sábado, 12 de novembro de 2011

A importância da biodiversidade brasileira.

Na aurora da segunda década do século XXI a Terra abriga 7 bilhões de pessoas, distribuídas em praticamente qualquer território habitável do planeta. Este número ultrapassa o total de espécies vivas, excluídos os micro-organismos. Concentrados em regiões metropolitanas, aglutinados de forma ao mesmo tempo gregária e segregacionista, os humanos devem estar se perguntando: estava Thomas Malthus certo? Se sim, e agora?

A se considerar tal panorama, o futuro se avizinha muito pouco convidativo. Porém, o problema é, ao mesmo tempo, mais amplo e profundo. Não somente a demanda por alimentos deverá aumentar, mas também a demanda por água, por espaço físico e recursos naturais. Seria ingênuo pensar que o homem poderá encontrar meios de sustentar indefinidamente o crescimento populacional. Os recursos são limitados, pois os minerais e vegetais não são restaurados no seu ambiente. Atualmente já existe deficiência de vários insumos naturais. Elementos radioativos empregados em diagnóstico médico são alguns.

Muito em breve o petróleo será outro. Considerado como principal matéria prima da matriz energética mundial, os combustíveis fósseis também são a principal matriz da indústria química. O craqueamento do petróleo permite a produção de inúmeros produtos químicos utilizados para os mais diversos fins. Logo, o problema não está apenas na matriz energética, e sim na manutenção de um modelo econômico e social construído sobre a utilização intensiva e extensiva de recursos naturais.

Ao mesmo tempo em que o homem se constitui na única espécie biológica capaz de modificar o seu destino, parece que ainda não se deu conta do enorme problema que deverá enfrentar. De maneira a tentar traçar um panorama da realidade atual, em 2012 será realizada a Rio+20, evento durante o qual os principais atores do quadro global deverão, pressupostamente, participar e discutir as perspectivas futuras do nosso planeta.

Neste contexto, a importância da biodiversidade parece ter sido deixada de lado. Tendo sido o principal foco da ECO-92, o acesso aos recursos naturais deixou de ser o centro das atenções para que o tema da Rio+20 seja a economia verde e a busca de um novo modelo de sustentabilidade econômica. Seria possível ignorar a importância da manutenção da biodiversidade, em conjunto com os outros recursos naturais continuamente explorados pelo homem, para a manutenção do modelo econômico e social vigente?
Levando-se em conta que os humanos são parte intrínseca e atuante no processo de vida do planeta Terra, evidentemente que considerar como sendo menor a importância da manutenção da biodiversidade e sua exploração racional e sustentada será um enorme erro estratégico. Em primeiro lugar devido à relação dos organismos fotossintetizantes com a captura de carbono atmosférico e a produção de oxigênio, essenciais para a vida. Em segundo lugar por causa das relações diretas entre grandes extensões de floresta e fenômenos climáticos locais. As relações com as mudanças climáticas globais podem ser facilmente estendidas quando se considera a diversidade de vida dos oceanos conjuntamente com a vida terrestre.

Além disso, a evolução biológica levou à formação de uma rede intrincada de organismos vivos, essenciais para a geração, consumo e decomposição de matéria orgânica. As relações entre os organismos vivos constituem a essência da vida. E destas relações o homem se beneficiou, ao longo de toda a história.

Plantas, animais e micro-organismos constituem elementos biológicos continuamente associados às atividades humanas. Os exemplos que ilustram tais relações são infindáveis, mas a grande maioria destas relações ainda é desconhecida.

Dentre as múltiplas utilidades dos organismos vivos, estes foram e ainda constituem a melhor fonte de potenciais medicamentos para tratar as mais diversas enfermidades. Mesmo que durante os quase últimos 20 anos a indústria farmacêutica tenha praticamente abandonado as fontes naturais para a descoberta de novos fármacos. Tal abandono em favor de técnicas de síntese química se mostrou completamente infrutífero. Durante este período nenhuma nova classe de antibióticos foi descoberta. Levando-se ainda em conta que muitos medicamentos utilizados atualmente datam de mais de 50 anos, como vários agentes anti-parasitários, não é de se espantar que muitos organismos infecciosos apresentem resistência à grande maioria dos medicamentos em uso. Tal é o caso de várias bactérias, fungos, protozoários e vírus. Os recursos para o tratamento de tais doenças têm se mostrado cada vez mais escassos, devido à falta de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos que possam tratar as enfermidades causadas por estes organismos infecciosos.

Qual a razão da falta de pesquisa para a descoberta de novos agentes anti-infecciosos e de outros medicamentos essenciais para a manutenção da saúde humana e de animais domésticos, economicamente imprescindíveis?

Ironicamente, tudo parece indicar que as premissas estabelecidas pela Convenção da Diversidade Biológica em 1992 para o acesso ao patrimônio genético, repartição de benefícios e recompensa ao conhecimento tradicional associado tenha sido a principal razão pela qual as indústrias farmacêuticas gradativamente perderam o interesse na pesquisa de novos agentes infecciosos a partir de recursos naturais. O mau entendimento e a implementação de leis e políticas inadequadas, além da burocracia estagnante inerente aos processos de estabelecimento de contratos entre as partes envolvidas, levou a um quadro de desinteresse crescente para a continuidade de programas de bioprospecção.

E qual seria a vantagem em se buscar novos modelos de fármacos a partir de elementos da biodiversidade? A principal vantagem é que os organismos vivos “otimizaram” a produção de substâncias químicas ao longo de 3,5 bilhões de anos do processo da evolução biológica. Como resultados, verifica-se que as moléculas de origem natural, embora complexas, interagem de maneira extremamente eficaz, e muitas vezes específicas, com estruturas bioquímicas que tomam parte em inúmeros processos biológicos. Os seres vivos adquiriram a capacidade de produzir e/ou acumular tais substâncias para uma interação equilibrada com o meio ambiente. Interagindo com receptores, membranas e outras estruturas intra- e extra-celulares, as moléculas de origem natural constituem o melhor modelo para a descoberta e o desenvolvimento de novos fármacos. Tais fatos estão amplamente documentados na literatura científica.

Tendo recentemente completado 10 anos, a Medida Provisória 2186-16, que regulamenta o acesso e exploração dos recursos genéticos da biodiversidade brasileira, ainda constitui um sério entrave para a realização de programas de bioprospecção que possam resultar em produtos econômica e socialmente relevantes para o Brasil. Em se considerando que este país detém de 15 a 20% de toda a biodiversidade do planeta, parece ser um contra-senso que este potencial seja complemente sub-investigado e sub-utilizado em programas de descoberta de substâncias naturais para as mais diversas aplicações.
Fato interessante, a proteína verde fluorescente, cujo estudo, utilização e ampla aplicação no entendimento de inúmeros processos bioquímicos, foi isolada de uma medusa coletada na costa dos EUA. A investigação desta proteína e suas aplicações rendeu o prêmio Nobel de química para 3 pesquisadores estrangeiros. Este é um belo exemplo da importância em se conhecer moléculas de origem natural. O que estamos esperando?

Em se considerando os países que apresentam uma mega diversidade biológica, o Brasil é o melhor qualificado científica, econômica e socialmente para propor um novo modelo de acesso e exploração racional e sustentada de recursos naturais, para os mais diversos fins. Neste modelo, todos os atores envolvidos deverão trabalhar de maneira integrada e prospectiva, valorizando a biodiversidade brasileira, a pesquisa, potenciais aplicações, inovações científicas e tecnológicas e a disseminação deste conhecimento. A utilização de substâncias naturais para a descoberta e produção de novos medicamentos, aditivos alimentares e cosméticos constitui três vias que podem resultar em enormes benefícios econômicos e sociais para o Brasil. Não é mais possível que os entraves legais e burocráticos relacionados à implantação de programas de pesquisa, e de desenvolvimento e inovação de produtos oriundos da biodiversidade brasileira, continuem a limitar a descoberta de produtos tão relevantes.

Paralelamente, as iniciativas de pesquisa e conservação da biodiversidade brasileira devem ser intensificadas e aprofundadas, para que se possa realmente valorizar um dos maiores e mais importantes patrimônios nacionais. Para tanto, é necessário se estimular a a formação de pesquisadores e profissionais que possam melhor entender e aproveitar de maneira racional e sustentada os elementos da biodiversidade brasileira. Não é possível esperar mais.
Roberto Berlinck é professor do Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo.
Artigo socializado pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4382, e publicado pelo EcoDebate

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelos comentários.
César Torres

Siga-me

Seguidores

Literatura Brasileira

PALESTRAS.

Meio Ambiente:


*Educação Ambiental
*Desenvolvimento Sustentável
*Reciclagem e Energia Renovável
*Esgotamento Sanitário e Reuso da Água
*Novo Código Florestal

Poderão ser sugeridos temas considerando o público alvo.
CONTATO: cesaratorres@gmail.com
Telefones: (33) 8862.7915 / 3315.1683