Foto de Fabio Pozzebom/ABr
Enquanto o rendimento dos motores movidos a gasolina evoluiu muito nos últimos anos, eficiência dos motores a álcool caiu, avaliaram especialistas em evento do BIOEN-FAPESP
O novo regime automotivo, anunciado no dia 4 de outubro pelo Governo Federal, deve estimular o desenvolvimento de tecnologias que melhorem a eficiência de motores movidos a etanol no Brasil, que estacionou e vem até regredindo nos últimos anos. A avaliação foi feita por pesquisadores participantes do “Workshop Internacional sobre Aplicações do Etanol para Motores Automotivos”, realizado no mesmo dia 4 na FAPESP.
Promovido pelo Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), o objetivo do evento foi debater o estágio atual das pesquisas no Brasil e no mundo sobre motores de combustão interna – especialmente os que utilizam biocombustíveis como o etanol –, e identificar desafios em ciência básica, aplicada e em engenharia relacionados à área que possam ser tratados no âmbito do BIOEN.
Lançado em 2008, o BIOEN tem cinco divisões: “Biomassa para Bioenergia” (com foco em cana-de-açúcar), “Processo de Fabricação de Biocombustíveis”, “Biorrefinarias e Alcoolquímica”, “Aplicações do Etanol para Motores Automotivos: motores de combustão interna e células a combustível” e “Pesquisa sobre sustentabilidade e impactos socioeconômicos, ambientais e de uso da terra”.
Durante o evento, especialistas do Brasil e do exterior apresentaram resultados de pesquisa em motores de combustão que utilizam etanol, e discutiram possíveis áreas e oportunidades de pesquisa colaborativa em motores que utilizam biocombustíveis, envolvendo universidades, instituições de pesquisa e indústrias automotivas e de autopeças.
Segundo os pesquisadores, enquanto as tecnologias para melhorar a eficiência de motores movidos à gasolina no Brasil evoluíram muito, as voltadas para os motores a álcool estão “em ponto morto” e até deram “marcha ré” nos últimos anos.
“Não estamos fazendo o que deve ser feito com o álcool, que tem potencial para ter uma eficiência maior do que a gasolina, mas que está menor porque quem adapta os motores não está tomando os cuidados adequados”, disse Francisco Nigro, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador na área de combustíveis alternativos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), à Agência FAPESP.
De acordo com Nigro, em 1978, no início do Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool) – quando um dos principais objetivos do desenvolvimento da tecnologia de motores a álcool no Brasil era o aumento da eficiência energética e foram criados Centros de Apoio Tecnológico (CATs) para ajudar empresas do ramo de retífica a fazer a conversão de motores que operavam originalmente com gasolina para funcionar com álcool hidratado –, a eficiência energética dos motores a etanol chegou a ser 16% maior do que os movidos a gasolina.
Já na década de 1980, quando as montadoras começaram a fabricar automóveis a álcool e o desenvolvimento tecnológico passou a ser determinado por requisitos ambientais de controle da emissão de poluentes, o rendimento do álcool caiu.
A partir da década de 1990, acompanhando a queda dos preços do petróleo, a indústria automobilística voltou a investir mais na atualização tecnológica dos veículos a gasolina, o que resultou na redução da vantagem energética relativa dos veículos a etanol.
Desde 1997, com a exigência da utilização de uma tecnologia de catalisadores de três vias para atender as exigências do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve), instituído pelo Ministério do Meio Ambiente, a vantagem energética dos veículos a etanol foi reduzida para cerca de 4%. E vem se mantendo nessa faixa mesmo após o lançamento dos veículos flex fuel no mercado brasileiro em 2003.
“Estamos produzindo veículos flex que, quando operam com etanol, têm eficiência menor do que quando movido a gasolina. É fundamental aumentar o conhecimento de engenharia e desenvolvimento de calibração de motores a etanol porque as novas políticas públicas para diminuir as emissões de CO2 pelos automóveis devem aumentar a pressão sobre o etanol”, disse Nigro.
O novo regime automotivo dará incentivos fiscais para montadoras com fábricas instaladas no país que investirem em pesquisa e desenvolvimento para a produção de veículos mais seguros, que consumam menos combustível e que emitam menos poluentes.
As empresas mais beneficiadas serão as que atingirem, em 2017, a meta de produzir automóveis com desempenho de 17,26 quilômetros por litro de gasolina e de 11,96 quilômetros de etanol, a exemplo das metas fixadas por outros países, como os da Europa. Hoje, a média de consumo de um veículo típico brasileiro é de 14 quilômetros por litro de gasolina e 9,7 quilômetros por litro de etanol.
“Com essa nova legislação para reduzir o consumo de combustível no Brasil, a tendência é que as montadoras instaladas no país, que são multinacionais, tragam para cá o que há de mais sofisticado em termos de tecnologias para melhorar a eficiência da gasolina desenvolvidas no exterior , como injeção direta e motores menores com turbo”, avaliou Nigro.
“Provavelmente, isso deve aumentar a diferença na eficácia entre a gasolina e o etanol no Brasil, porque os veículos são desenvolvidos em nível mundial para utilizar gasolina, e também terão que ser bem desenvolvidos para o álcool aqui no país. Isso deve estimular o desenvolvimento de tecnologias para aumentar a eficiência do etanol”, apontou.
Consórcio de pesquisa
Em geral, quando as subsidiárias brasileiras das indústrias automotivas e de autopeças instaladas no país têm algum problema tecnológico, elas recorrem às suas matrizes no exterior para solucioná-los.
Mas, no caso dos motores a etanol, como as montadoras não utilizam 100% de álcool hidratado ou anidro nos motores dos automóveis comercializados no exterior, as filiais brasileiras não podem contar com a ajuda das matrizes para resolver certos problemas.
De modo a buscar soluções locais para os problemas tecnológicos que enfrentam no dia a dia com motores a etanol, um consórcio de empresas automobilísticas brasileiras iniciou em julho um projeto de pesquisa em parceria com universidades do Estado de São Paulo para melhorar o entendimento sobre os desafios tribológicos (de atrito e desgaste) em motores flex-fuel.
O consórcio tem a participação da Mahle, Petrobras, Fiat, Volkswagen, Renault e da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal do ABC (UFABC), e é apoiado pela FAPESP por meio do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), que financia pesquisa em colaboração entre universidades e instituições de pesquisa e empresas.
“Percebemos que há uma série de problemas peculiares ao uso de motores a etanol que podem ser melhor abordados por universidades e instituições de pesquisa do que pelas empresas, que realizam uma série de ações para resolver esses problemas, mas que têm suas limitações”, disse Eduardo Tomanik, consultor de pesquisa e desenvolvimento da Mahle.
De acordo com Tomanik, a iniciativa é pioneira no Brasil, onde ainda não é comum indústrias automobilísticas participarem de consórcios de pesquisa na etapa de conhecimento pré-competitivo – na qual ainda não foram descobertas tecnologias que resultem em vantagem comercial.
“Almejamos com esse projeto ter um conhecimento estruturado que permita às empresas participantes abordarem problemas em escala industrial, como, por exemplo, quais as reações químicas que ocorrem no óleo quando ele está contaminado com o etanol e consome as peças”, disse.
Outro objetivo do projeto é formar mão de obra especializada para desenvolver pesquisa na indústria automobilística brasileira. “Embora seja muito intensiva em tecnologia, quase não se realiza pesquisa na indústria automotiva. Nós pretendemos diminuir esta lacuna”, disse Tomanik.
De acordo com Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, além desse projeto, a FAPESP também apoia atualmente mais de uma centena de pesquisas relacionadas à melhoria da eficiência de motores, movidos a etanol, “que é um assunto de extrema relevância para o país e, especialmente, para o Estado de São Paulo”.
“Da energia que é utilizada hoje no Brasil, 47% vêm de fontes renováveis, sendo que 18% são provenientes da cana-de-açúcar. Para o Estado de São Paulo, onde 38% da energia que se utiliza hoje vêm dos derivados da cana-de-açúcar, a questão do etanol e do desenvolvimento de motores movidos a biocombustíveis mais eficientes é ainda mais importante”, disse Brito Cruz.
Matéria de Elton Alisson, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate
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César Torres