“O padrão de consumo dos ricos tornou cada vez mais grave a crise ambiental
no planeta. A saída, portanto, não pode ser a contenção do crescimento da
demanda material dos pobres, mas a reversão do modelo de vida dos ricos
assentado no consumo ostentatório”, escreve Marcio Pochmann,
presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, em artigo
publicado no jornal Valor, 22-03-2012.
O economista chama a atenção para o risco da “chamada economia verde estar a
serviço da ocultação, mais uma vez, da manutenção do quadro geral de dominação
imposto pelos países ricos. Isso pode estar ocorrendo justamente quando as
economias do norte convivem com inegável esvaziamento de suas posições relativas
no mundo”.
Eis o artigo.
As resistências à mudança por parte do sistema econômico dominante terminam
por dar maior curso ao aprofundamento da crise ecológica atual. Sem a revisão do
padrão de crescimento do consumo material global, prossegue a tendência do
desaparecimento da abundância dos recursos naturais e da elevação das emissões
de gases nocivos ao meio ambiente, provocando a mudança climática e o aumento da
temperatura média da terra.
Das 45 mil espécies atualmente catalogadas, quase 40% encontram-se ameaçadas
de extinção. Somente nas últimas três décadas, o planeta perdeu um terço de suas
florestas naturais, enquanto a quantidade retida de água por meio de barragens
tornou-se três vezes superior à área ocupada por florestas no mundo.
Ao mesmo tempo, a conversão de terras para a exploração econômica desde 1980
tornou-se bem maior que o verificado no acumulado nos séculos XVIII e XIX. Para
o crescimento de 53,3% da população mundial entre 1980 e 2010, a área ocupada
pela urbanização simplesmente dobrou.
Percebe-se por que a generalização da economia de alto carbono impacta o
comportamento da temperatura global, com a elevação radical da concentração de
dióxido de carbono na atmosfera. A elevação da renda per capita vem, em geral,
acompanhada do aumento da intensidade da emissão de carbono na atmosfera, cuja
concentração cresce de 275 partículas por milhão (ppm) antes do ciclo de
industrialização para próximo de 400 ppm atualmente. A concentração de gás
metano, que girava em torno de 720 a 780 partículas por bilhão (ppb) entre os
anos 1.000 e 1.800, passou para 1.750 ppb nos anos 2.000. A consequência direta
tem sido o movimento de aquecimento global.
Nesse contexto, os pobres são os que mais sofrem os efeitos da crise
ecológica, pois vivem, geralmente, nas áreas de maior poluição e excluídos das
condições de vida decente, sem acesso adequado a moradia, saneamento, energia
elétrica. Talvez por isso os maiores defensores das teses do limite da produção
e, por consequência, a redução do consumo dos outros sejam justamente os
ricos.
Na realidade, o modo de vida das classes ricas assenta-se no consumo
ostentatório e que degrada consideravelmente a ecologia, esvaziando o futuro das
próximas gerações. Isso porque o padrão de consumo ostentatório das camadas
ricas da população não resulta da busca ao atendimento das necessidades
materiais da existência humana, mas ao interesse de se diferenciar dos
demais.
Conforme definiu Thorstein Veblen na passagem do século XX
(A Teoria da Classe Ociosa), a rivalidade ostentatória revela o
desejo dos ricos de serem reconhecidos como melhores que os outros. E, por conta
disso, o consumo ostentatório expressa-se insaciável, gerando necessidades
materiais indefinidas e resultando em referência cultural a ser imitada por
parte restante da população.
O crescimento da produção permite elevar o nível geral de riqueza, enquanto requisito básico para melhorar a sorte dos pobres. Mas o aumento da riqueza sem a sua redistribuição justa favorece justamente os ricos, impulsionando a prevalência do padrão de consumo ostentatório.
Atualmente, os países ricos representam um quinto da população mundial e detêm 80% da riqueza global. A perspectiva das nações não ricas para enfrentar a crise ecológica global não pode ser a mesma defendida pelos ricos.
Certamente o avanço tecnológico pode contribuir para que o padrão de vida urbano reduza o grau de emissão de gases nocivos à biosfera, bem como altere o conteúdo fortemente material do consumo. Mas cabe indagar a respeito da propriedade dos novos avanços tecnológicos quando cerca de dois terços dos investimentos em tecnologia encontram-se em poder das grandes corporações transnacionais.
Somente 500 grandes corporações transnacionais controlam a metade da produção mundial, em grande medida voltada ao atendimento do padrão de consumo ostentatório dos ricos e arremedado por muitos não ricos. Nesses termos, tem-se o risco de parte da teorização em torno da chamada economia verde estar a serviço da ocultação, mais uma vez, da manutenção do quadro geral de dominação imposto pelos países ricos. Isso pode estar ocorrendo justamente quando as economias do norte convivem com inegável esvaziamento de suas posições relativas no mundo.
Eco debate publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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César Torres