O conceito de desenvolvimento sustentável e sua irmã, a sustentabilidade,
têm sofrido abusos. Quem diz é a mãe das crianças, a norueguesa Gro Harlem
Brundtland. Ex-premiê da Noruega, Brundtland chefiou a comissão que em 1987
produziu o relatório “Nosso Futuro Comum”, onde o conceito foi cunhado. O
relatório serviu de base para a Eco-92.
Ela diz que o desenvolvimento sustentável ainda não foi implementado. E que,
mesmo com o sequestro da noção de sustentabilidade por empresas que não têm
práticas sustentáveis, o termo não deve ser abandonado. Brundtland abre hoje
(22) em Manaus o Fórum Mundial de Sustentabilidade. Em entrevista, ela falou de
suas expectativas para a Rio+20.
Folha – A senhora cansou do termo “sustentabilidade”?
Gro Brundtland – A expressão é “desenvolvimento sustentável”. Nos últimos dez
anos, as pessoas começaram a usar “sustentabilidade” como forma alternativa.
Sempre tive cuidado em não usar a palavra “sustentabilidade” sozinha enquanto
conceito. Precisamos de sustentabilidade em diversas áreas, mas também
precisamos de desenvolvimento sustentável. E não estou de saco cheio disso,
porque não aconteceu ainda.
A senhora não acha que houve abuso do conceito? Ele parece ter sido
sequestrado por empresas para fazer “greenwash” (dar aparência
verde).
Sim. Acho que há mais abuso quando se fala de sustentabilidade. Essa palavra
foi introduzida depois, como se entregasse aquilo que o desenvolvimento
sustentável significa. Você precisa olhar cada empresa para saber se ela está
adotando a sustentabilidade ou a responsabilidade social corporativa. Palavras
sempre podem ser mal usadas. Mas você não pode dizer: “Esse conceito foi
distorcido, então o deixamos de lado”. Não acho que possamos encontrar uma
maneira nova e melhor de descrever do que trataram a nossa comissão e a Rio-92.
Não vale a pena reinventar a roda porque alguém tentou roubá-la. Ela vai ser
roubada de novo.
Vinte e cinco anos depois do Relatório Brundtland e 20 anos depois da
Eco-92, o desenvolvimento sustentável entregou o que prometeu?
A totalidade do conceito, a visão dos pilares econômico, ambiental e social
numa abordagem de longo prazo não aconteceu em lugar nenhum. Mas muitas mudanças
aconteceram. O Protocolo de Montreal, entre a minha comissão e a Rio-92, é um
exemplo. O mundo se livrou das substâncias que afetam a camada de ozônio.
Mas críticos dizem que isso só aconteceu porque já era de interesse
das empresas.
Já ouvi isso. Mas a história não é assim tão simples. As pessoas mais
progressistas na indústria entenderam que aquilo não podia continuar. Mas, é
claro, não houve sucessos globais semelhantes, e os gases de efeito estufa são
um exemplo de abordagem ampla e global que envolve todos os setores da economia.
Daí a dificuldade de se chegar a um resultado.
O financiamento ao desenvolvimento sustentável pode impedir um acordo
no Rio?
Pode ser. Mas, se você se lembrar de Copenhague, mesmo sob pressão da crise
houve um compromisso de finanças. Isso pode acontecer novamente no Rio.
Países emergentes reclamam que os ricos já usaram todos os recursos
naturais e agora o ônus ficou conosco. Eles têm razão em reclamar?
Essa litania está aí desde a comissão. E no relatório da comissão nós
reconhecemos que não podemos dizer ao mundo em desenvolvimento “desculpem, nós
já enchemos a lixeira e agora vocês não podem mais jogar o seu lixo”. Precisamos
transferir tecnologia, ajudar o mundo em desenvolvimento a superar a pobreza,
dando dinheiro. Aí a pergunta é: o mundo desenvolvido fez isso? E a resposta é:
não o bastante.
Quais foram os principais avanços nestes 20 anos?
Houve uma mudança considerável no uso de energia. O que você pode ganhar
aumentando a eficiência energética está longe de estar realizado.
Existe algum país que possa liderar na economia verde?
A Coreia do Sul fez muitos esforços nessa direção.
Como o Brasil está indo?
Há uma melhora na questão do desmatamento na Amazônia, que pode ser medida.
Mas está muito melhor agora do que quando viemos em 1985. Eu me lembro que
estive em Manaus com um governador famoso [Gilberto Mestrinho] que achava uma
estupidez isso de os ambientalistas virem dizer o que fazer com a Amazônia.
Quando estivemos em Cubatão, aquilo era um dos casos mais graves de poluição
industrial. Hoje é um exemplo de como as coisas mudam.
Entrevista na Folha de S.Paulo, socializada pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4461. EcoDebate
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César Torres