Fonte vital – A preservação dos recursos hídricos será um dos temas de
destaque da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a
Rio+20, que será realizada no Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho. Como
anfitrião do encontro, o Brasil encontra-se em uma posição privilegiada no
panorama global. Com cerca de 3% da população mundial, o País detém
aproximadamente 13% das reservas de água doce do planeta. Água abundante,
predominantemente superficial, que não está congelada em geleiras e é fácil de
ser usada.
Esse, no entanto, é apenas o lado “meio cheio” do copo. Na verdade, cerca de
70% dessas reservas estão localizadas na Amazônia, distantes dos grandes centros
urbanos onde vive a maior parte da população brasileira. “Nossas reservas são
mal distribuídas”, diz o geógrafo Wagner Costa Ribeiro, da USP. “Com isso temos
dois grandes problemas: abastecer as grandes metrópoles, que já vivem uma
condição crítica em termos de fornecimento de água, e o Semiárido nordestino,
que representa 10% do território nacional e é a região mais povoada do mundo com
esse tipo de clima.”
E o problema pode se agravar. “Quanto mais a população se urbaniza, quanto
mais aumenta a renda, mais aumenta o consumo de água. Isso já é visível em
conglomerados urbanos como a região de Campina Grande, na Paraíba, onde vivem
cerca de meio milhão de pessoas”, diz.
De fato, o padrão de consumo é um dos pontos-chave para o futuro das reservas
hídricas mundiais. “Somos educados para enxergar apenas o consumo doméstico”,
afirma Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe-UFRJ.
“Ninguém se dá conta de que gastamos 11 mil litros de água para produzir uma
calça jeans, três mil litros para produzir uma camiseta, 15 mil litros para
produzir um quilo de picanha”, enumera. “Os EUA gastam 400 litros de água por
habitante ao dia. O mundo não comporta oito bilhões de pessoas com esse nível de
gasto”, diz Canedo.
Diante desse quadro, o Brasil pode ter boas oportunidades no futuro, aponta o
especialista. “Com a dificuldade de produção de alimentos, podemos nos tornar um
supermercado para o mundo, pois temos água, terra e variedade climática para
isso.”
Por outro lado, aponta Canedo, estamos longe de gerenciar bem os recursos
hídricos que seriam uma grande vantagem competitiva. “Mais de 50% da população
não têm acesso sequer à coleta de esgoto, que dirá ao esgoto tratado”, diz. “Com
isso, as fontes próximas ficam inutilizáveis e nossas cidades vão buscar água
cada vez mais longe, o que torna o abastecimento cada vez mais caro, além de
afetar o fornecimento em outras áreas urbanas, como acontece com São Paulo em
relação a Campinas, por exemplo.”
Isso é uma realidade também no Rio de Janeiro, onde 70% do abastecimento
provém do sistema do Guandu, interligado à Bacia do Paraíba do Sul. “Isso traz
uma certa fragilidade, embora tenhamos uma relativa abundância hídrica no
estado”, diz a presidente do Instituto Estadual do Meio Ambiente (Inea) do Rio,
Marilene Ramos. Canedo, por sua vez, aponta um possível conflito futuro entre
Rio e São Paulo, no momento em que São Paulo precisar avançar até a Bacia do
Paraíba do Sul para buscar água para sua região metropolitana.
Enquanto isso não acontece, os investimentos não podem parar. “Em 2011, demos
início a uma Parceria Público-Privada para aumentar a vazão de 10 m3 para 15 m3
por segundo no sistema do Alto Tietê, e neste mês terminaremos a modelagem de
nova PPP, para aumentar em 4,7 m3 por segundo a vazão na Bacia de Ribeira do
Iguape”, diz o secretário estadual de Saneamento e Recursos Hídricos de São
Paulo, Edson Giriboni.
As ações da secretaria, explica Giriboni, não se limitam aos investimentos em
transposições e obras para aumentar a oferta. “Temos vários projetos no âmbito
do Programa Mananciais, como o projeto de recuperação das bacias Guarapiranga e
Billings, vamos começar a incentivar programas para o reúso da água nas
indústrias e também firmamos um acordo com o banco japonês Jica, para financiar
um programa de redução de perdas no sistema da Sabesp “, diz.
Vicente Andreu, diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), órgão
que tem como função regular o uso da água bruta nos corpos hídricos de domínio
da União e implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, aponta alguns
avanços no gerenciamento das águas no país, inspirado no modelo francês, que
prevê a criação de comitês gestores por bacias hidrográficas. “O Brasil foi
destacado, junto com a África do Sul, como um dos países com a legislação mais
moderna para a gestão de recursos hídricos no 6º Fórum Mundial das Águas.”
No entanto, Andreu admite que ainda há um longo caminho a percorrer. E a
poluição continua sendo um problema dramático. “Embora o último Atlas de
Abastecimento Urbano da ANA aponte que mais de 70% das águas tenham boa
qualidade, e 11% tenham ótima qualidade, isso não acontece nas grandes cidades”,
explica. “Além disso, começam a surgir problemas de contaminação por agrotóxicos
e fertilizantes no Cerrado e de poluição por esgoto e dejetos no Nordeste.”
Entre 2001 e 2011, o Programa Nacional de Despoluição de Bacias
Hidrográficas, da ANA, investiu R$ 200,82 milhões na instalação de 55 estações
de tratamento de esgoto, que custaram R$ 720 milhões. A universalização dos
serviços de saneamento, no entanto, continua uma meta distante. “O governo
federal vem investindo fortemente, mas o atraso é grande e não vamos cumprir as
Metas do Milênio da ONU nessa área”, diz Andreu. Apesar dos esforços, 2011
registrou uma queda de 20% nos investimentos do setor em relação ao ano
anterior.
Segundo a própria ANA, seriam necessários R$ 40,8 bilhões de investimentos em
coleta e R$ 7 bilhões em tratamento até 2015 para implantar uma rede apenas nos
municípios em que o lançamento de esgotos tem potencial para poluir mananciais
de captação para o abastecimento público de água. O nó, explica Andreu, não é a
falta de recursos, mas de capacidade de aplicação do dinheiro. “Os municípios
não têm capacidade para elaborar projetos nessa área”, diz. “Por isso, estamos
começando a financiar não apenas obras, mas também a elaboração de
projetos.”
Para Giriboni, o País precisa avançar mais rápido nesse campo. “A sociedade e
os agentes políticos precisam se conscientizar de que o dinheiro gasto nessa
área não é a fundo perdido, ele traz ganhos para a economia, a saúde e o
ambiente”, diz o secretário de Saneamento de São Paulo, que defende a
desoneração do PIS/Cofins para o setor.
Outro fenômeno negativo apontado por Andreu é o que ele chama de “guerra
ambiental” entre estados e municípios, que aliada a estruturas ineficientes de
fiscalização, pode aumentar o problema de escassez. “Na pressa de atrair e
garantir investimentos, muitos estados e municípios aceleram a concessão de
licenças ambientais sem o devido cuidado e os conselhos gestores de recursos
hídricos acabam se tornando meros validadores, autorizando o uso em projetos que
podem ameaçar o abastecimento de água no futuro”, explica.
Uma solução, defende o diretor-presidente da ANA seria vincular os
financiamentos públicos de projetos, à regularização das outorgas para a
utilização de água.
Matéria no Valor Econômico, socializada pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4461.
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César Torres