Estudo revela que áreas da região de Campinas têm de ser constantemente reavaliadas
Estudo de doutorado do Instituto de Biologia (IB) mostrou que a restauração
da Mata Atlântica, de algumas áreas no entorno de Campinas, é possível, mas esse
processo pode ser lento e necessita de uma manutenção e monitoramento de longo
prazo, adverte Letícia Couto Garcia, autora da tese. “Essas áreas devem ser
constantemente reavaliadas a fim de constatar o que precisa ser melhorado para
intervir no caminhar dessa recuperação”, afirma ela. Os resultados mais
significativos da pesquisa se relacionaram às funções que as espécies
desempenham nessas áreas e ao número de espécies.
Segundo a pesquisadora, a diversidade de espécies
arbóreas conseguiu ser recuperada após cinco décadas, atingindo número similar
de espécies de uma mata nativa, bem como a cobertura das suas copas. Foi
recuperada a quantidade de flores e de frutos por hectare nas áreas avaliadas,
as quais consequentemente ofereceram frutos e flores para os animais consumirem.
Além do mais, a quantidade de madeira (área basal) foi recuperada em
aproximadamente 12 anos.
A bióloga tomou como referência a mata de Ribeirão Cachoeira (no distrito de
Sousas), área tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural
de Campinas (Condepacc). Trata-se de uma propriedade particular com cerca de 60%
de sua extensão averbada como Reserva Legal do condomínio de chácaras Colinas do
Atibaia.
Essa mata nativa foi comparada com as matas em restauração dos municípios de
Santa Bárbara D’Oeste (que tem 12 anos), de Iracemápolis (23 anos) e de
Cosmópolis (55 anos). Porém, os melhores parâmetros foram obtidos da amostra de
Cosmópolis porque, conforme Letícia, quanto mais antiga a mata, mais colonização
por outras espécies ocorreu ao longo do tempo.
Sua pesquisa, orientada pelo professor da Esalq da USP Ricardo Ribeiro
Rodrigues e coorientada pelo docente do IB da Unicamp Flávio Antonio Maës dos
Santos, buscou avaliar se essas matas que estão em restauração são
autossustentáveis, ou seja, se ainda necessitam da interferência humana no
auxílio desse processo que, na falta da restauração ativa, seria ainda mais
lento do que naturalmente ocorreria.
A
doutoranda conta que foram estudadas áreas de diferentes idades de restauração
com vistas a compará-las à mata nativa. A intenção era observar quão longe elas
estavam de atingir os parâmetros dessa mata-referência: o quanto as árvores
cresciam, se tinham restabelecido a cobertura da copa e a diversidade funcional
– se o conjunto formado era de diferentes espécies, mas com as mesmas funções de
uma mata nativa, enumera.
Pensando assim, ela sondou a diversidade de espécies, quanto faltava para
atingir os valores de uma área nativa e os recursos que ofereciam. “Será que
forneceriam flores e frutos para alimentar os animais que frequentam essas
áreas, e que auxiliam a polinização das flores e a dispersão de sementes?”,
indaga.
A autora da tese escolheu esse tema almejando a recuperação do ambiente
degradado. O objetivo era refletir se de fato isso seria efetivo quanto às
espécies e às interações por meio do replantio.
Alguns aspectos, averiguou ela, foram exitosos, mas ponderou que, como a
Ecologia da Restauração é uma disciplina nova dentro da Biologia Aplicada,
existe uma ausência de áreas recuperadas com idade avançada para a
comparação.
Peculiaridades
Letícia, que chegou a Cosmópolis por meio de um projeto
visionário de restauração, relata que alguém percebeu que não havia mais peixes
no rio, que estava ficando cada vez mais devastado. Resolveu recuperá-lo por
iniciativa própria. Isso foi em 1955. Com um plantio, a área se tornou a mata
atual, muito procurada para lazer.
A diversidade de espécies arbóreas, comenta a bióloga, conseguiu ser
recuperada em cinco décadas, atingindo um mesmo número de espécies de uma mata
nativa. Já as outras formas de vida – como trepadeiras, ervas, epífitas (que
vivem sobre outras plantas) e arbustos – não atingiram nem a metade dos valores
de uma mata nativa.
A explicação da doutoranda é que, no Estado de São Paulo, essas áreas estão
muito isoladas, em razão de sua fragmentação. Assim, sementes de outras espécies
não conseguem chegar em alguns trechos, dificultando a sua recuperação. “Elas
não têm todas as funções que essas espécies teriam numa mata nativa. Por outro
lado, recuperou-se a quantidade de flores e de frutos por hectare em todas as
áreas restauradas”, esclarece.
Não obstante isso, elas não se mostraram autossustentáveis, pois ainda
necessitam de um manejo adaptativo, que representaria ter que voltar lá e
enriquecê-las com epífitas e trepadeiras, uma vez que a recuperação é lenta,
principalmente para que o processo de colonização ocorra nessas áreas.
Recuperação
A avaliação de Letícia abrangeu o período de 1955 a 1998 e teve como marco
histórico o aumento de propriedades e de projetos de restauração no Brasil para
estar em conformidade com a legislação ambiental.
Os mecanismos de recuperação sempre iniciam com um planejamento. Nessa etapa,
é preciso ver se há áreas próximas para auxiliar no fornecimento de sementes,
escolha de espécies, época de plantio, espaçamento entre uma muda e outra,
decisões quanto ao plantio de mudas, uso de sementes ou simplesmente isolamento
da área.
Como no Estado de São Paulo não há áreas restauradas muito antigas, é preciso
pesquisar o que se tem à disposição para investigar. Em alguns anos, será
possível afirmar com maior propriedade esses aspectos porque a disciplina de
Ecologia da Restauração terá progredido mais.
Essa disciplina, revela ela, tenta recuperar ambientes que estavam
degradados, retornando todos os serviços ecossistêmicos o mais próximo de uma
área natural, como por exemplo a recuperação da água. Com isso, o ambiente
voltará a abrigar animais e os processos tornarão a acontecer, ressaltando o uso
de espécies nativas.
Código Florestal ignora
a ciência, afirma bióloga
Para a bióloga, foi angustiante atuar na direção da
melhoria e da recuperação das matas frente à proposta de lei do Código
Florestal, que, a seu ver, está diluindo o modo como a restauração deve ser
implantada.
Por esse motivo, dedicou um capítulo a essa análise, mencionando os entraves
à recuperação das áreas degradadas apresentados no novo Código Florestal do
país. Segundo Letícia, eles vão na contramão dos esforços para a conservação e a
restauração, impedindo que tais metas sejam praticadas adequadamente.
Ela abordou alguns aspectos problemáticos e como eles poderiam interferir na
dinâmica ambiental. “Calcula-se que vamos deixar de restaurar seis milhões de
hectares no Brasil, que seria a somatória da área do Estado do Rio de Janeiro e
do Estado de Sergipe”, lastima.
A proposta de lei do Código Florestal foi avaliada pela presidente Dilma
Rousseff e divulgada no último dia 25. Ela vetou 12 artigos do projeto de lei do
Código Florestal, aprovado em abril pela Câmara dos Deputados. Também realizou
32 modificações no texto, sendo que 14 recuperaram o texto aprovado no ano
passado pelo Senado Federal, cinco são dispositivos novos e 13 são ajustes ou
adequações de conteúdo do projeto.
Mesmo após o veto, o conteúdo, em sua íntegra, prejudica, e muito, a proteção
do meio ambiente e das florestas, garante a doutoranda. Inclusive promove
anistia a quem desmatou ilegalmente, beneficiando quem descumpriu a lei e que
incentiva novos desmatamentos, e a redução dos parâmetros de proteção de áreas
de preservação permanente (APPs).
O ideal, defende Letícia, seria sua
reestruturação integral, não somente pelas inconsistências mas por dar algumas
brechas na nova lei. “Seria lamentável para a nação”.
Nesse capítulo, a autora da tese procurou sedimentar suas argumentações
acerca do novo Código Florestal. Elaborou uma tabela, um breviário dos problemas
verificados na proposta e que, no momento, foram sancionados pela
presidente.
A doutoranda foi convidada então a participar do grupo de trabalho da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira
de Ciências (ABC), contribuindo ainda para a elaboração de uma carta aberta
entregue ao deputado federal Paulo Piau, relator da matéria.
O grupo conversou com o parlamentar para discutir as fragilidades do texto.
Um dos pontos desfavoráveis, aponta ela, está na mudança do cômputo onde seria
iniciada a restauração das margens dos rios. No Código Florestal atual, a
recuperação era contada a partir do leito sazonal, que inunda na época cheia.
“Agora, eles serão contados a partir do leito regular, ou seja, aquele leito que
está sempre com água.”
O que isso significa? Que, para que aconteça a restauração, se houver
plantação desde a borda da calha do leito regular, quando vier a cheia todo
aquele plantio irá água abaixo. Será uma perda de dinheiro e de tempo e não faz
sentido tecnicamente, critica Letícia.
“Nota-se que esse Código ficou longe da ciência, porque ela não foi ouvida.
Nas oito páginas do documento, não consideraram quase a totalidade dos pontos
que a SBPC e a ABC afirmaram ser contrários”, conclui Letícia, que trabalha no
Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), em Campinas.
Tese: “Avaliação da sustentabilidade ecológica de matas ciliares em processo de restauração”
Autora: Letícia Couto Garcia
Orientador: Ricardo Ribeiro Rodrigues (Esalq)
Coorientador: Flávio Antonio Maës dos Santos (Unicamp)
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
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César Torres