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terça-feira, 10 de maio de 2011

Conjuntura da Semana: Código Florestal em debate

Flexibilização do Código Florestal

- Código Florestal. Flexibilizar para explorar
- O efeito devastador da flexibilização
- Reforma no Código não dialoga com a natureza
- O modelo desenvolvimentista justifica a flexibilização do Código
- Aldo Rebelo. Síntese da esquerda atrasada e oportunista

Eis a análise.

A aprovação nos próximos dias da flexibilização do Código Florestal brasileiro é mais uma manifestação de que o Brasil está perdendo o bonde da história e não percebe, ou não quer perceber, que é um dos poucos países que poderia oferecer uma alternativa à crise civilizacional ancorada, sobretudo, na crise climática.

No Ano Internacional das Florestas, da Campanha da Fraternidade que colocou em discussão a gravidade da crise ecológica e às vésperas da Rio+20, a aprovação do retalhamento da legislação ambiental, que já se apresenta frágil, é prova contundente de que o país se coloca de costas para a problemática ambiental e caminha na contramão do debate mundial. Muita retórica e pouca ação, essa tem sido a postura brasileira para os temas do meio ambiente.

A aprovação da reforma – para pior – no Código Florestal coloca a nú a subordinação da agenda ambiental à agenda econômica. Nos quase três anos em que esse tema pautado pela bancada ruralista se encontra em debate, o governo pouco fez para impedir o avanço das teses do agronegócio. Mais do que omissão, o governo acabou sendo conivente com o desfecho da flexibilização do Código Florestal.
A aprovação do projeto mostra ainda que certa esquerda pensa da mesma forma que a direita. O deputado comunista Aldo Rebelo defende uma concepção de marxismo que se aproxima do liberalismo da senadora Kátia Abreu – liderança maior dos ruralistas. O marxismo de Rebelo do PCdoB e o liberalismo de Kátia Abreu do DEM bebem na mesma fonte da racionalidade produtivista que vêem a natureza como fonte inesgotável de crescimento econômico.

Código Florestal. Flexibilizar para explorar

A primeira versão do Código Florestal Brasileiro data de 1934 e surgiu como forma de ordenar a expansão da economia agrícola nas áreas de florestas estimulada pelo desenvolvimentismo do governo Vargas. A lei teve pouco efeito numa época em que a mata somente tinha valor se estivésse no chão. Posteriormente, o Código foi reformado pelo governo militar em 1965 no contexto do programa de colonização da Amazônia e de agressivo desmatamento. Novamente, a legislação foi pouco respeitada.
Destaque-se, porém, que a legislação original, tanto em 1934 como em 1965, tinham como preocupação preservar a flora em suas múltiplas funções, seja em áreas públicas, parques nacionais, seja em áreas privadas e, nesse aspecto sempre exigiu a manutenção de um mínimo da vegetação nativa em todos os imóveis, bem como seu uso racional.

O engenheiro agrônomo Alceo Magnanini, último remanescente do grupo de especialistas que se reuniu entre 1963 e 1965 para elaborar a lei florestal, contextualiza o trabalho da época e dá sua opinião sobre a reforma do código: “O grupo foi chamado em 1963, e estudamos a matéria por dois anos. Em 1964, a lei estava pronta e fizemos as audiências públicas. Em 1965, a lei foi apresentada. Querem mudar a lei, ótimo. Mas quem deve dar o embasamento são os técnicos, agrônomos, veterinários, especialistas em conservação do solo. Eles devem preparar e encaminhar ao Congresso para que os congressistas votem a lei. Fizeram o contrário. A nova lei foi preparada por leigos, visando o lucro”.

O engenheiro, já octogenário, considera que as alterações na lei irá flexibilizá-la. Diz ele: “Na minha opinião de ecologista, que teve 50 anos de experiência após elaborar o código, a lei deve ser mais restritiva. Agricultura e pecuária não precisam de novas áreas, têm de aumentar a produção, mas não às custas de novas áreas. O Brasil precisa diminuir suas áreas agrícolas e de pecuária e fazer a intensificação dos processos”.

Os principais pontos de flexibilização da Lei alteram o regramento das Áreas de Preservação Permanente – APPs que protege as margens dos rios, encostas, topos de morro e restingas; revê as regras da Reserva Legal que obriga as propriedades rurais situadas nas áreas de Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas manter um mínimo de vegetação nativa e reconsidera aspectos relacionados à regularização ambiental prevendo anistia para os que até o momento não respeitaram a legislação.

Na análise dos movimentos sociais a reforma no Código Florestal significa:

- Anistia completa para todas as multas aplicadas por desmatamento de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal.;
- As áreas desmatadas continuarão a ser exploradas da mesma forma que hoje, até que os órgãos estaduais de meio ambiente criem um Programa de Regularização Ambiental (PRA);
- As áreas de topo de morro não serão mais protegidas (no atual Código elas são APPs). Os topos de morro são áreas muito importantes para os lençóis freáticos, pois quando chove é lá que a água entra no solo e abastece esses rios subterrâneos. Além disso, a vegetação dos topos de morro evitam os deslizamentos, que cada vez estão mais freqüentes nas grandes cidades, mas que também acontecem na zona rural;
- As reservas legais poderão ser compensadas em qualquer parte do bioma onde está a propriedade original;
- A recuperação da Reserva Legal poderá ser feita com até com 50% de espécies exóticas. Ou seja, os grandes proprietários poderão fazer plantios de eucalipto e outras árvores para celulose;
- As modificações atingem diretamente a função social da propriedade;
- Liberam as pequenas propriedades da obrigação de terem Reserva Legal o que pode aumentar a degradação das áreas.

O efeito devastador da flexibilização

As modificações no Código Florestal são perversas afirmam especialistas e significam um retrocesso enorme em matéria de legislação ambiental, exatamente no momento em que todo o mundo discute como mitigar os efeitos do aquecimento global.

O ambientalista Marcio Santilli do Instituto SocioAmbiental (ISA), taxa o relatório de Rebelo de “reacionário e predatório”. Segundo ele, “Aldo Rebelo está brincando com fogo, literalmente, quando assina um parecer efetiva e assumidamente reacionário, subordinando a um delírio pseudonacionalista o trato da relação entre as florestas e o clima, ignorando a ciência contemporânea, sem perceber o quão importantes elas são e serão para os nossos filhos e netos, além dos filhos e netos dos outros”.

“Isto é suicídio ecológico”, afirma Rubens Nodari em entrevista à IHU On-Line sobre a Reforma do Código Florestal. A organização ambientalista Greenpeace através de Paulo Adario, avalia que “o deputado está propondo a socialização dos custos da devastação e a privatização dos lucros imediatos que ela gera”. Na opinião do Greenpeace, “usando Marx e Engels para defender práticas capitalistas retrógradas no campo, invocando a bíblia para dizer que a natureza deve se submeter à vontade dos homens e posando de nacionalista para assegurar os interesses do agronegócio exportador de commodities, Aldo Rebelo conseguiu o milagre de produzir uma proposta que põe o Brasil no rumo do atraso e da devastação”.

A flexibilização na legislação é “uma plena licença para detonar o patrimônio ambiental para garantir a expansão da economia”, afima Thomas Lewinsohn, presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação e professor do Instituto de Biologia da Unicamp. Segundo ele, “o retrocesso é tamanho que vai acabar com a credibilidade da agricultura brasileira perante o mundo. Estamos à mercê de pessoas com a mesma mentalidade dos velhos barões”.

Antes mesmo de ser aprovada, a Reforma já vem provocando desmatamento. Os primeiros sinais do desmate foram colhidos no final do ano passado e no início de 2011, por meio do satélite japonês Alos, que permite detectar a degradação da vegetação, apesar da presença de nuvens na região. Em março, os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) também captaram um desmatamento maior, por meio do Deter, sistema de detecção em tempo real. As imagens de satélites vêm sendo confirmadas por fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Segundo a área ambiental do governo, houve uma mudança no padrão do desmatamento desde o segundo semestre do ano passado. Parte do aumento do desmate pode ser atribuído ao aumento do preço de commodities, como carne e soja. Mas as autoridades atribuem uma boa parte à perspectiva de mudanças nas regras de preservação do ambiente e a uma tentativa de criar novas áreas de ocupação consolidada na Amazônia.

Nas últimas semanas acumularam-se provas de que está ocorrendo uma forte retomada do desmatamento no estado de Mato Grosso. Dados do Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD), do Imazon, já indicavam uma tendência de alta de 22% do desmatamento e de 225% na degradação florestal entre agosto/2010 e março/2011, com relação ao mesmo período do ano anterior.

O engenheiro florestal agroecologia Luiz Zarref da Via Campesina alertou para essa possibilidade: “Nós não temos dúvida de que terá uma corrida desenfreada pelo desmatamento nos próximos meses, dada a total ineficiência dos órgãos de fiscalização brasileiros”. Nos últimos dias, o próprio Ministério do Meio Ambiente reconheceu que a retomada dos desmates pode estar associada à expectativa de mudança no Código Florestal. Além do desmatamento destacam-se outros retrocessos como a permissão da pecuária extensiva em encostas

Ainda mais grave é a ameaça à agua. Segundo o cientista José Galizia Tundisi, a Reforma do código vai aumentar a pressão sobre os recursos hídricos. Diz ele: “Nós ainda temos muitos assuntos para esclarecer. Um deles é a necessidade de se discutir mais a importância das florestas para a quantidade e a qualidade da água. O fato de que a agricultura possa sofrer uma expansão à custa do desmatamento vai prejudicar o suprimento de água no país e contribuir para prejudicar a própria agricultura. Isso é um contrassenso”.

O novo texto torna possível para o produtor rural abrir mão da área verde em sua propriedade, podendo manter parcela proporcional em outra região ou até em outro Estado, desde que no mesmo bioma. Segundo ele essa flexibilização é ruim. “A reserva legal é necessária em toda propriedade. Nós temos que proteger os mosaicos de vegetação, as florestas remanescentes, para garantir a qualidade da água e a recarga dos aquíferos, que beneficiam a agricultura e a quantidade de alimentos. Quem trabalha com água e recursos florestais sabe perfeitamente que a diminuição de qualquer quantidade de vegetação pode prejudicar o ciclo da água e consequentemente a produção agrícola. Cerca de 30% da água que estão presentes na atmosfera são repostas pelas florestas”.

Raul Krauser, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) chama a atenção para o fato de que a legislação atual prevê que as APPs às margens de rios tenham pelo menos 30 metros de largura e agora se prevê drástica redução. Segundo ele, “por maior que seja um rio, o volume de água depende de rios pequenos que o abastecem. Se esses menores forem assoreados, não vai ter rio grande. É um risco sério”, alerta.

O novo Código Florestal também coloca espécies em risco, afirmam cientistas. De acordo com eles, o código não contou com a comunidade científica para ser elaborado. A redução de 30 m para 15 m das APPs nas margens dos riachos (com até 5 m de largura), que compõem 90% da malha hidrográfica nacional, é um dos pontos críticos. Matas na beira dos rios são importantes para os bichos terrestres e os debaixo d’água, pois fornecem insetos e material orgânico aos peixes. Répteis e anfíbios, que vivem em regiões alagadas, também sofrerão impactos, com menos vegetação às margens dos pequenos rios. “Onde há menos proteção de APPs pelo novo código é onde há mais biodiversidade”, analisa o biólogo Luis Felipe Toledo, da Unicamp.

No caso dos répteis, o novo código afeta também um outro habitat natural: as montanhas. Isso porque áreas acima de 1.800 m deixam de ser consideradas APPs e recebem permissão legal para serem desmatadas. Para Otávio Marques, biólogo do Instituto Butantan, a preservação dos répteis é importante inclusive do ponto de vista da saúde pública. “O veneno da jararaca, por exemplo, possui uma molécula que controla a hipertensão e deu origem a um dos principais medicamentos da doença”, destaca. O espaço menor para as florestas na beira dos rios pode afetar também certas populações ameaçadas e restritas de aves e mamíferos.

Ambos usam as margens preservadas como habitat ou como caminho para migrar de uma “ilha” de floresta preservada para outra. “Sem isso, os bichos escapam para o meio urbano ou para áreas de pastagens e acabam morrendo”, diz Mauro Galetti, biólogo da Unesp.

Segundo os cientistas as propostas de mudanças no Código Florestal poderão levar mais de 100 mil espécies de animais à extinção, além de aumentar “substancialmente” as emissões de gás carbônico na atmosfera. As afirmações fazem parte de uma carta escrita por pesquisadores brasileiros e publicada na revista científica Science. Segundo o texto, as mudanças no Código Florestal preocupam a comunidade científica no Brasil, que foi “largamente ignorada” durante a elaboração das propostas. A carta apresenta a possível alteração da legislação ambiental do país como o “pior retrocesso” sobre o meio ambiente em 50 anos. A carta ressalta que as novas regras na legislação diminuem a restauração obrigatória de vegetação ilegalmente desmatada desde 1965. “As novas regras vão beneficiar setores que dependem da expansão de fronteiras de florestas e savanas”, diz o texto.

O engenheiro florestal agroecologia Luiz Zarref da Via Campesina destaca ainda que o texto aprovado choca-se também com o conceito até hoje vigente de função social da propriedade: “Uma propriedade, para não ser desapropriada, tem que ter uma função socioambiental, precisa ser financeiramente rentável e ter preservação ambiental. É um tripé. O novo código ataca uma parte deste tripé, a da preservação ambiental. Com o código, uma fazenda não pode mais ser desapropriada por não cumprir a função social no quesito da preservação ambiental”, destaca.

A Reforma do Código trará implicações também para as áreas urbanas. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, a violação de Código Florestal agravou a tragédia no Rio. Em sua opinião, o descumprimento do atual Código Florestal está diretamente ligado a grande parte das mais de 900 mortes na região serrana do Rio no começo deste ano. A conclusão é de um estudo Ministério do Meio Ambiente. Cruzando imagens de satélite com dados de uma vistoria no local feita logo após a tragédia, técnicos do ministério concluíram que várias das casas destruídas estavam em áreas de preservação permanente (APPs).

Analistas consideram que a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro deveria ser levado em conta no debate do novo código florestal. Para o professor de engenharia florestal da Universidade de Brasília (UnB), Eleazar Volpato, as flexibilizações propostas no relatório do deputado Aldo Rebelo agravam “de forma absoluta” a situação das ocupações de morros e encostas em toda a região da Mata Atlântica. Caso o código seja aprovado pelo Congresso, o acadêmico destacou que todas as pessoas atingidas pelas enchentes, mesmo quem perdeu parentes e bens materiais, poderão permanecer nos mesmos locais condenados, pois o projeto os considera “áreas consolidadas”.

O professor Volpato considera que, diante das agressões ao meio ambiente, “a natureza vai responder, e é o que está acontecendo nesses casos de desmoronamentos e enchentes [decorrentes das fortes chuvas que caem na região serrana do Rio]. Tem que se limitar o uso humano [ocupação irregular da terra] porque o coice da natureza está aí”.

Reforma no Código não dialoga com a natureza

A Reforma no Código Florestal é motivada por lógica produtivista que não leva em consideração a natureza. Para o pesquisador Dieter Wartchow, em entrevista ao IHU, o novo código florestal deveria ser baseado em fatos, dados e informações resultantes de estudos científicos: “Na abordagem natural usada nas discussões em torno do Novo Código Florestal, falta harmonia, conhecimento sistêmico e sobram dispersão e desinformação. As discussões direcionam-se para os sintomas do problema e são pautadas por ações ou posições fragmentadas, as quais, na maioria dos casos, representam um ponto de vista corporativista, de seu interesse”.

No Novo Código Florestal falta sinergia entre economia e ecologia, diz ele: “Estudar e cuidar da ‘casa’ pode significar um processo de desenvolvimento econômico mais duradouro e sustentável. Neste, nota-se certo cartesianismo nos percentuais e números propostos, visto que, a natureza tem características singulares de acordo com o bioma e região.”

“Também devemos dar à natureza o que é da natureza, por exemplo, adequando nossas atitudes ao tempo que a natureza precisa para renovar o ciclo da água. Deveríamos observar e dialogar mais com a natureza. A natureza que nos assiste não tem voz para pedir socorro e não fala para mostrar novos caminhos”, afirma o pesquisador.

André Lima, advogado e mestre em políticas públicas e gestão ambiental pela Universidade de Brasília e consultor em Políticas Públicas e Direito Socioambiental do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, firma que “o impacto de uma lei na vida das pessoas e no ambiente não pode ser examinado apenas pela letra fria da norma, mas fundamentalmente pelo que induz em termos de dinâmica social e cultural”.

Segundo ele, “as fronteiras dos rios e das águas quase sempre coincidem com as nossas. Mas quase não é sempre. Nós ‘humanos da pós-modernidade’ temos sido pouco atentos a isso. Mudaremos então o Código Florestal para impor nossa ocupação dita consolidada, ignorando com tecnicidades de uma regra ambiental artificial as leis da natureza que regem o ciclo das águas e a força dos rios?”, pergunta.
Aziz Ab’Saber, professor emérito de geografia da USP alerta: “Para pessoas inteligentes, capazes de prever impactos, a diferentes tempos do futuro, fica claro que ao invés da ‘estadualização’ é absolutamente necessário focar para o zoneamento físico e ecológico de todos os domínios de natureza do país. A saber, as duas principais faixas de Florestas Tropicais Brasileiras, a zona amazônica e a zona das matas atlânticas; o domínio dos cerrados, cerradões e campestres; a complexa região semi-árida dos sertões nordestinos; os planaltos de araucárias e as pradarias mistas do Rio Grande do Sul; além de nosso litoral e o Pantanal mato-grossense”.

É preciso ter uma visão do todo diz ele e não fragmentar a legislação “em face do gigantismo do território e da situação real em que se encontram os seus macrobiomas – Amazônia Brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias e Pradarias Mistas do Brasil Subtropical – e de seus numerosos mini-biomas, faixas de transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança no Código Florestal tem de ser conduzida por pessoas competentes e bioeticamente sensíveis”.

“Não dá mais para tratar a natureza como um modelo de negócio’”, insiste Carlos Alberto Scaramuzza da Ong WWF. Segundo ele, “hoje, se não tivermos o quarto capital, que é o natural, todos os negócios estão falidos, ou por questões de produtividade ou por deixarem os recursos existentes para a produção. Isso se aplica à agricultura e à qualquer outra questão. Não dá mais para tratar a natureza como um modelo de negócio”.

O modelo desenvolvimentista justifica a flexibilização do Código

A aprovação da flexibilização do Código Florestal não teria sido possível sem a frouxidão do governo e até mesmo certa conivência. Diferente de outras situações, como por exemplo quando da aprovação do salário mínimo, dessa vez o governo não se empenhou e fugiu do embate com o agronegócio.

A postura leniente do governo não se deve apenas ao fato de que o tema divide sua base de apoio política, deve-se sobretudo ao seu modelo desenvolvimentista, no qual a questão ambiental não é determinante. Apesar da intensa retórica, no modelo desenvolvimentista a temática ambiental está subordinada a agenda econômica. Pior ainda, a uma agenda econômica dependente de um padrão de desenvolvimento fordista. O Brasil permanece preso ao século XX, a uma concepção de industrialização tardia e tributária da Revolução Industrial. Nesse sentido, tudo aquilo que signifique um entrave para o crescimento econômico é relegado a um segundo plano.

As tensões provocadas pela Reforma do Código Florestal, assim como a construção das hidrelétricas no Rio Madeira e Belo Monte no Rio Xingu, inserem-se nesse contexto. Os danos ambientais sob a ótica do progresso são custos inevitáveis e um preço a ser pago.

Foi grande no governo Lula as pressões para que o Ministério do Meio Ambiente adotasse procedimentos mais frouxos para a emissão de licenciamento ambiental para as grandes obras do PAC – chegou-se inclusive na divisão do Ibama. Lula reiteradas vezes reclamou dos entraves ambientais – das “pererecas”, dos bagres e do movimento ambientalista.

Dilma Rousseff prossegue no mesmo caminho. Destaque-se que Dilma foi ministra da Casa Civil no governo Lula e coordenadora do PAC e esteve à frente nas pressões para que o Ibama acelerasse as licenças para a execução das obras. Por outro lado, o Brasil através do financiamento do BNDES incentiva fortemente a expansão da produção das commodities como o etanol, a soja e a pecuária – atividades que exercem pressão sobre os recursos naturais.

Desde o começo do debate sobre a flexibilização do Código Florestal, o governo nunca se colocou frontalmente contra as alterações da legislação e passou a adotar a postura de negociador, colocando-se como o tertius entre o agronegócio e o movimento social. Pode-se dizer que o governo preferiu quase sempre ficar em cima do muro e essa posição não é de neutralidade, mas sim de quem considera plausível certa flexibilização no Código Florestal.

O estrago na flexibilização do Código poderia ser ainda maior não fosse a forte reação do movimento social, do movimento ambientalista e da comunidade científica. Ações contra as alterações no Código Florestal se espalharam por todo o Brasil.

A Via Campesina esteve entre as principais forças na oposição às mudanças no Código. Também a comunidade científica posicionou-se claramente contra as alterações. Um relatório produzido pelas duas principais organizações científicas do país, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), posicionou-se contrariamente ao relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB) e as mudanças do Código Florestal.

Aldo Rebelo. Síntese da esquerda atrasada e oportunista

Em todo o processo da Reforma do Código Florestal o deputado Aldo Rebelo do PCdoB desempenhou papel decisivo como relator da alteração da legislação. Desde o ínicio, os ruralistas o tiveram como um importante aliado na defesa de suas teses.

Quando do primeiro parecer na Comissão especial que avaliava as mudanças Código Florestal, os ruralistas aplaudiram Aldo Rebelo. Dezenas de manifestantes ligados aos grandes sindicatos rurais patronais gritaram seu nome. Depoimento do deputado Luiz Carlos Heinze (PP/RS), um dos expoentes da bancada ruralista, direcionado a Aldo Rebelo, confirma o reconhecimento: “Vossa excelência defende o comunismo. Eu sou de outro espectro político, defendo o capitalismo, mas tenho que reconhecer que fez um bom trabalho”. O deputado Homero Pereira (PP/MT), ligado à Federação da Agricultura do Mato Grosso, foi mais longe: “Recomendo a vossa excelência que publique um livro com o seu relatório inicial.”

Aldo Rebelo à época reconheceu sua identidade com ruralistas e admitiu ter “identidade importante” com produtores rurais. Numa das audiências públicas mais concorridas e tensas na discussão sobre as alterações no Código Florestal realizada Ribeirão Preto, Aldo Rebelo contestanto as vozes de oposição às suas propostas, afirmou que “o ambientalismo transformou-se em uma trincheira por onde se escondem os interesses das multinacionais e dos países ricos”. Na oportunidade, o deputado comunista foi aplaudido de pé pelo agronegócio e vaiado intensamente pela militância do movimento social.

O parlamentar do PCdoB chegou afirmar que a agricultura não tem relação com as mudanças climáticas. Segundo ele, as emissões de CO2 “não tem nada a ver com a agricultura do país. O que tem a ver é com queimada. Eu não sei onde é que a agricultura entra nisso”, disse o deputado revelando ignorância.

Rebelo nega o aquecimento global ao afirmar: “Ao contrário do que pensam os que mudaram muito mais do que mudou o mundo, o chamado movimento ambientalista internacional nada mais é, em sua essência geopolítica, que uma cabeça de ponte do imperialismo”.

O deputado passou a ser motivo de gozação. “O comunista Aldo Rebelo, é tão chinês quanto aquela quantidade de bugigangas e tralhas importadas. De má qualidade e só causa impacto ambiental”, disse à época Felipe Amaral, ecólogo e coordenador do Instituto Biofilia.

Na opinião de Frei Sérgio Görgen “a proposta que o Rebelo encampou foi a proposta do agronegócio”. Essa tese ficou ainda mais evidente na medida em que o relatório com as mudanças no código foi elaborado com a participação de uma consultora jurídica oficial da frente ruralista do Congresso Nacional. A advogada Samanta Piñeda recebeu R$ 10 mil pela “consultoria”, pagos com dinheiro da verba indenizatória de Rebelo e do presidente da comissão especial, Moacir Micheletto (PMDB-PR), um dos expoentes da bancada do agronegócio.

O Greenpeace lembra que na leitura de seu relatório, Rebelo “agradeceu três eméritos ruralistas no Congresso, Moacir Micheletto, Homero Pereira e Anselmo de Jesus”.
O jornalista Leonardo Sakamoto lembra que o deputado comunista já tinha “prestado” seus serviços aos ruralistas quando do debate da demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Na oportunidade, Aldo Rebelo divulgou uma nota repudiando a decisão, dizendo que ela agredia o interesse nacional e projetava incertezas quanto à unidade da nação.

Sakamoto destaca que “é notória a boa relação do ex-presidente da Câmara com os militares. E sabe-se que há muita gente nas forças armadas cuja mentalidade não avançou desde a Guerra Fria, mantendo-se enclausurados em um bunker de paranóia. Como se a experiência da reserva Ianomâmi, bem maior e fronteiriça, não tivesse mostrado o contrário. E como se as forças armadas não tivessem livre acesso a qualquer parte do território nacional”.

Rebelo viu na demarcação ameaça ao território nacional ao afirmar que a decisão do Supremo “abre um precedente para que sejam implantados no Brasil um Estado multinacional e uma nação balcanizada, pois confere a tribos indígenas que fazem parte do povo brasileiro o esdrúxulo status de minorias apartadas do todo nacional, com prerrogativas negadas a outros estratos que há cinco séculos amalgamam a formação social do país”.

O triste papel a que vem se prestando o deputado Aldo Rebelo do PCdoB nada tem de ingenuidade. A sua convicção de reformar o Código deve-se a uma visão conservadora, atrasada e tributária da sociedade industrial de que os recursos naturais são um entrave para o desenvolvimento do país. Por outro lado, alia à sua convicção ideológica ultrapassada as vantagens financeiras como se pode perceber nos recursos que recebe do capital do agronegócio para suas campanhas eleitorais.
O parlamentar comunista junta suas convicções à expertise político-financeira.

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
(Ecodebate, 10/05/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

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César Torres

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