- Claudia, MT - Queimada na Amazônia abre espaço para o cultivo de soja e a pecuária. © Greenpeace / Daniel Beltra
Por detrás da guerra contra o Código Florestal, uma lei com 76 anos de história, só há uma explicação: ele, finalmente, está deixando de ser letra-morta.
Nunca, neste país, se falou tanto de Código Florestal. O que é de se estranhar, pois a Lei nº 4.771 já está entre nós há exatos 45 anos. Isso sem contar sua primeira versão, que data de 1934. Não faz mais de década e meia, no entanto, que o Código virou alvo do agronegócio e de seus representantes no Congresso. Considerada, no Brasil e no mundo, uma das mais avançadas peças de legislação florestal, o Código, a cada ano, sofre ataques mais virulentos por parte dessa turma que acha que árvore só deve ser tratada a dentes de motosserra.
O debate sobre a atualização da lei está longe de terminar. Ou deveria. No fim de abril, as maiores instituições científicas brasileiras foram a público dizer que não foram ouvidas. Por meio de um Grupo de Trabalho, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) lançaram um estudo sobre as mudanças que os ruralistas propõem na legislação. A conclusão central, dizem os pesquisadores, é que o Brasil precisa de mais preservação. Não de menos. “Se a lei hoje não é consensual, qual o sentido de trocar por outra sem consenso – e, pior, sem ciência?”, questionou o pesquisador-sênior Antonio Nobre, coordenador do grupo, em coletiva de imprensa.
Quem também não está feliz com as investidas do agronegócio são os pequenos produtores. Para eles, a desfiguração do Código Florestal só traria benefícios aos grandes. Para a floresta, para o clima e para a agricultura familiar, nada. Dezenas de organizações que representam a agricultura familiar – como Via Campesina e Fetraf –, os povos da floresta e os que defendem os direitos humanos e ambientais assinaram manifestos entregues ao Congresso. Nos documentos, um consenso: todos querem o fim do desmatamento e o tratamento diferenciado à agricultura familiar.
Apesar de as críticas chegarem de todo lado, os ruralistas continuam com o pé na porta, e tentam votar na marra um projeto de lei que enterraria 76 anos de tradição legal de proteção às florestas brasileiras. Em trâmite na Câmara dos Deputados, o texto precisa ser votado na Casa antes de seguir para o Senado e, depois, sanção da presidente Dilma Rousseff.
A pergunta que não quer calar é: por que os ruralistas têm se mostrado tão diligentes em seus ataques recentes ao Código Florestal se durante mais de meio século eles simplesmente ignoraram sua existência?
A explicação é simples. Para início de conversa, a capacidade de monitorar o cumprimento da legislação no campo, por imagens de satélite, aumentou sensivelmente na última década e revelou o que de certo modo todo mundo, governo inclusive, já sabia: é raro achar, no Brasil, um fazendeiro que siga à risca o que manda o Código Florestal em termos de preservação de matas nativa e ciliar em suas propriedades. Além da capacidade de monitorar, o governo federal também adotou, de alguns anos para cá, medidas que reforçaram sua capacidade de fazer cumprir o que manda o código.
Duas delas merecem atenção especial. Uma é o decreto 3545, aprovado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em julho de 2008, determinando que fazendeiros que não tivessem seu passivo ambiental regularizado ficariam impedidos de obter financiamento bancário. A outra é uma Medida Provisória que deveria ter entrado em vigor em dezembro passado que obrigava fazendas a declarar oficialmente seu passivo ambiental e registrar como pretendiam resolvê-lo. A MP foi adiada por dois anos. E a decisão do CMN vem sendo implementada de maneira inconsistente.
Enquanto isso, no Congresso, um total de 36 projetos de lei já tentaram desfigurar as linhas gerais do Código Florestal. A última investida começou a ser esboçada em 2009, com a criação de uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados para reunir projetos que, em sua essência, querem mesmo é desfigurar a lei. Composto por uma pesada bancada ruralista e com o objetivo de discutir essas propostas, o grupo apresentou um texto escrito pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
Desde então, Aldo virou porta-voz do agronegócio. A ideia dessa turma, dita com todas as letras, é revogar a lei de 1965, e pôr em seu lugar uma legislação mais branda, flexível e adequada aos interesses do setor. Mas de bobos os ruralistas não têm nada. Num mundo onde a crise climática virou pauta do dia, eles têm se preocupado em vestir suas propostas com uma roupagem verde, o que fica evidente nos discursos que proferem por aí. “O principal objetivo da reformulação do Código Florestal é preservar a natureza”, garantiu Aldo, num bate-papo virtual promovido pela Agência Câmara em meados de 2010.
Mas de preservacionistas, as ideias de Aldo e companhia não têm nada. “A bancada ruralista está se apropriando de um vocabulário e de conceitos como convergência no desmatamento zero e vítimas das mudanças climáticas. Mas o que eles defendem é a justamente a continuação do desmatamento sem aumentar a governança”, denuncia o diretor-executivo do Greenpeace, Marcelo Furtado.
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César Torres