Corredor Biológico Caratinga-Simonésia é importante para salvar espécie
Anderson Ferreira, o Theo (foto), é biólogo e pesquisador assistente do Museu de História Natural Eduardo Marcelino Veado, mantido pelo Centro Universitário de Caratinga (Unec). Dedicado aos estudos ambientais e à preservação da natureza, ele tem como personagem motivador, o naturalista Charles R. Darwin e um livro marcante é “A Fantástica Viagem do Endurance”, de Sir Ernest Shackleton. A frase escolhida pelo biólogo para iniciar esta entrevista, que traz o Projeto Corredor Biológico Caratinga-Simonésia como tema principal, foi: “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa” (J. G. Rosa).
GAZETA - Poderia explicar melhor o que é o Projeto Corredor Biológico Caratinga-Simonésia…
THEO ANDERSON - “Os termos “corredor biológico” ou “corredor ecológico” dentro da disciplina de Ecologia corresponde a uma área de extrema importância biológica, composta por uma rede de unidades de conservação entremeadas por outras áreas em diversos níveis de degradação. Ou seja, são reservas de floresta conservadas que ao longo de décadas se tornaram “ilhas” de vegetação em meio ao “mar” destruição. Visando a conservação e manejo do muriqui (mono-carvoeiro) em nossa região aconteceu, então, a criação do Corredor Ecológico Caratinga-Simonésia, que se trata de uma estratégia para a conservação da biodiversidade na região Leste do Estado, tendo o muriqui como uma espécie bandeira ou uma espécie símbolo. O corredor biológico ou ecológico ligaria as duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural, RPPN Feliciano Miguel Abdalla e RPPN Mata do Sossego, em Simonésia, existindo ainda cerca de uma dezena de outros “pedaços” de mata entre as duas reservas que ainda não foram de alguma forma assegurada de permanecerem em pé, já que são terras particulares, as quais muitos dos proprietários ainda não decidiram qual destino darão a elas no futuro”.
Existe apoio já estabelecido para colocar isso em prática?
“Oficialmente o projeto começou a existir em 2003 por intermédio da Fundação Biodiversitas e Fundação Boticário. Em 1998, o saudoso Eduardo Veado (falecido vítima de atropelamento), à sombra dos jequitibás lá na antiga EBC (Estação Biológica de Caratinga) já alertava para a criação do corredor biológico na região de Caratinga como parte da solução para a conservação dos muriquis”.
E qual a importância desse projeto para a fauna e flora regional?
“Hoje o projeto fica a cargo da Fundação Biodiversitas, que tem como um dos parceiros a entidade Preserve Muriqui de Caratinga. O grau de importância ambiental do Corredor Biológico Caratinga/Simonésia é muito alta, tanto para conservação, como para as pesquisas, segundo o Ministério do Meio Ambiente em seu último catálogo de áreas prioritárias. Além do muriqui, existem outras várias espécies de animais ameaçados de extinção dentro do corredor, como por exemplo, as aves. Em Santa Bárbara do Leste, onde há um dos maiores trechos de mata do corredor, existe uma das últimas populações de Arapongas ou Pássaro-ferreiro (Procnias nudicollis, foto), de Minas Gerais, que é uma espécie que está na lista de espécies ameaçadas de extinção no Estado. A conservação e restauração do corredor é uma das estratégias mais eficazes para a conservação desta e outras espécies de animais e plantas que têm desaparecido ao longo de toda a Mata Atlântica, uma floresta que, em proporções, é de longe mais rica que a floresta Amazônica, mas que resta hoje menos de 7% de seu tamanho original”.
Acha que as políticas públicas voltadas para a questão ambiental surtem resultados efetivos ou servem apenas de propaganda de grupos ligados a interesses específicos?
“Muitas das vezes é um total desperdício de tempo e dinheiro. Criam-se unidades de conservação somente no papel. Direcionam recursos do meio ambiente para coisas alheias ao meio ambiente e por aí vai. Mas existem dentro deste emaranhado de coisas algumas iniciativas boas, como o projeto Bolsa Verde, por exemplo, pelo qual o governo estadual paga uma certa quantia por hectare ao ano aos proprietários de terras que possuem matas que desejam preservar, com isso evitou se um pouco o desmate”.
Acredita que o meio ambiente em Caratinga e região sempre recebeu a devida atenção das autoridades oficiais ou as iniciativas são apenas “pra inglês ver”?
“Acredito que não recebeu a devida atenção. Em um passado próximo tivemos alguns lampejos sobre preservação, mas ficou só no papel. Passaram-se alguns anos e nada de ações efetivas. Agora ficam placas e fotos de recordação. Isso, infelizmente, acontece quase em todo lugar hoje em dia. Os governos têm negligenciado muito quanto às questões ambientais, mas por um lado isso foi bom, já que, diante da inércia governamental, surgiu a união da sociedade para preencher a lacuna deixada. Hoje quase em todas as ações ligadas à preservação você verá à frente as associações de moradores ou as organizações não governamentais (ONG´s) atuando junto ou até mesmo sozinha em algumas situações. A lição eu acho que é clara: devemos cobrar sim, com certeza, é obrigação dos governantes, mas não devemos esperar que venha somente deles, devemos arregaçar as mangas e começar a plantar as árvores que queremos deixar para os nossos filhos”.
Quando falamos de corredor biológico, estamos falando duma iniciativa que compreende criar meios de interação entre as espécies, favorecendo a reprodução e a melhor qualidade de habitat entre elas, não é isso?
“Sim. O objetivo é tentar proteger e diminuir a distância entre os trechos ou fragmentos de matas que outrora no passado eram unidos, e que agora estão isolados, impedindo o fluxo gênico das espécies, essencial para sobrevivência”.
Quais os benefícios que o corredor poderia trazer às espécies?
“Os corredores funcionam como o próprio nome diz: é um caminho ou estrada usada pelos animais, como também pelas plantas (através de suas sementes) para migrarem de um fragmento de mata para outro. Assim mantém-se o fluxo gênico ou a “misturança”, que se trata de uma troca de material genético entre indivíduos da mesma espécie, de locais ou grupos diferentes; é o segredo da natureza para manter populações de animais e plantas fortes. Muitos animais não se deslocam por áreas abertas (como primatas e algumas espécies de aves) por medo de predadores, ficando, então, contidos em seus trechos de mata originais, interrompendo todo um sistema de troca de genes e deixando as espécies frágeis a doenças, por exemplo”.
Existe uma contagem sobre a fauna e flora da região? Poderia comentar…
“Existem vários trabalhos científicos que foram realizados na região do Corredor Biológico Caratinga-Simonésia, desde os clássicos trabalhos com muriquis da Drª. Karen Strier, como também vários outros contemplando a flora local, répteis, anfíbios, mamíferos e aves, concentrados nas duas RPPN´s (Feliciano Miguel Abdalla e Sossego), que revelaram uma grande abundância de espécies e endemismo, ou seja, aquelas espécies que só ocorrem em uma determinada região, constatando a importância da região. Em Santa Bárbara do Leste, um dos trechos do corredor, os trabalhos de pesquisa começaram no fim de 2009 e seguem até 2012. Essa pesquisa, pela qual eu sou o responsável, tem como foco a preservação de um dos últimos refúgios da Araponga ou Pássaro-ferreiro, no Estado. Além do trabalho de pesquisa para conservação das Arapongas, existem várias outras pesquisas em andamento, sobre primatas, répteis, morcegos e até formigas, feitas por alunos do UNEC”.
A degradação da Área de Preservação Ambiental (Apa) Pedra Itaúna é uma constante. Acha que faltam mais investimentos em proteção?
“Eu colocaria que a falta de investimento seria umas das razões para a degradação ambiental no município, mas não a principal. Em primeiro lugar está a falta de educação em um amplo sentindo. Nossos governantes são o reflexo de nossos anseios e se não damos a devida atenção e respeito pela natureza da qual fazemos parte, tão pouco nossos políticos farão isso. Precisamos estimular mais a educação e a leitura; a consciência ambiental vem como uma conseqüência destes fatores”.
Da mesma forma acontece com a área do Parque Municipal, que também sofre muito com a ação do homem e com a falta de iniciativas de preservação. Acha que existe uma solução para preservar esses locais?
“Acredito que exista sim, mas, antes de qualquer coisa, proprietários e governo precisam dialogar e chegar a um acordo sobre a “real” criação, ou não, dessas unidades de conservação, que aos olhos da lei, não existem, para que, assim, tanto os proprietários, quanto a sociedade civil organizada, possam se unir tendo como objetivo a conservação e a restauração destas matas”.
Gostaria de encerrar com alguma mensagem?
“Sim, com uma pequena frase do filósofo Henry Brown para reflexão: “Nós não herdamos a terra de nossos pais, mas a pegamos de empréstimo de nossos filhos.“
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César Torres