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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Izabella Teixeira: "Brasil quer criar riqueza sustentada"

Izabella Teixeira, ministra brasileira do Meio Ambiente, diz em entrevista ao Expresso que o uso sustentável da natureza é essencial para retirar as populações da pobreza.           
 «Estamos absolutamente convencidos de que o papel do setor privado é estratégico e essencial»
Virgílio Azevedo (texto) e Nuno Fox (fotos) (www.expresso.pt)

No Ano Internacional das Florestas, o Brasil está em destaque internacional porque a Amazónia, um dos seus principais recursos naturais, é a maior floresta tropical do mundo e a Mata Atlântica é a mais ameaçada (a seguir à floresta de Madagáscar), o que significa que os problemas que põem em risco a sua sustentabilidade dizem respeito a todo o planeta. Em entrevista ao Expresso, a ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que deu uma conferência em Lisboa no dia 27 de maio, insiste que o uso sustentável da natureza é essencial para retirar as populações da pobreza - prioridade que já levou 60 milhões de brasileiros para a classe média, que hoje representa metade da população do país.
O diálogo entre Governo e empresas é decisivo para o desenvolvimento sustentável do Brasil?

Estamos absolutamente convencidos de que o papel do setor privado é estratégico e essencial para fazer descolar a agenda económica da sustentabilidade. O Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e o Instituto Ethos reúnem hoje as empresas mais importantes do Brasil. Estas empresas adotaram práticas de gestão ambiental mais modernas e começaram a voltar-se para os seus trabalhadores, para as comunidades afetadas pelos seus empreendimentos e para o seu papel de importantes agentes de desenvolvimento. A parceria entre Governo e empresários é crucial, mas as dificuldades são enormes, pois trata-se de duas culturas, tempos e modelos de gestão diferentes.

Nos últimos três anos, temos dois movimentos importantes. O Conselho de Desenvolvimento Social e Económico, com 90 membros, onde 45 são empresários e representantes de grandes grupos, passou a ser um importante interlocutor para o Governo nas estratégias de inclusão económica e social. Recentemente, iniciou uma agenda de discussão em torno das energias renováveis; no centro está a estratégia brasileira para expandir os biocombustíveis. Outro movimento foi a criação de coligações empresariais em torno de agendas estratégicas, em diálogo com o Governo, como a mudança do clima e a conservação da biodiversidade. São grandes passos, e esse entendimento deve crescer muito devido à intensificação do debate sobre a descarbonização da economia.

O ritmo de crescimento muito elevado, que tornou o Brasil uma potência económica emergente, tem criado conflitos entre economia e ambiente?

Sim, principalmente naqueles setores mais tradicionais ou atrasados, que lutam por não reconhecer que o mundo mudou e que o capital natural não é mais de graça, que os ativos ambientais são ativos económicos estratégicos, não só para garantir a atividade da indústria ou as estratégias de competitividade nacional ou global mas sobretudo para garantir paz, prosperidade e equidade.

Sem proteção do meio ambiente não há segurança alimentar, segurança energética, segurança climática nem paz. Os conflitos giram sobretudo em torno do licenciamento ambiental dos empreendimentos de grande e médio porte - em especial infraestruturas - e sobre o uso da biodiversidade e conservação - como a discussão, que se transformou agora num cavalo de batalha, em torno da revisão do Código Florestal, que é uma legislação antiga, dos anos 40.

O código, por ter polarizado setores e despertado paixões, mostra as opções estruturantes que temos de fazer: ou vamos criar riqueza no curto prazo, à custa do nosso capital natural, ou vamos criar riqueza que possa ser sustentada, respeitando os limites ecológicos e as responsabilidades globais perante a crise climática.

E não podemos esquecer as pessoas, pois o Brasil retirou 60 milhões de pessoas da pobreza nos últimos cinco anos. A classe média é hoje de 100 milhões de pessoas, metade da população. As nossas opções não podem deixar de garantir qualidade de vida nem diminuir as expectativas de inclusão e de combate à extrema pobreza, que é o compromisso maior da Presidente Dilma Rousseff.

 E o uso sustentável da natureza é essencial para este combate. Por isso acho que não há nenhuma contradição entre economia e ambiente. É um debate importante, que modelou a Conferência do Rio de 1992 e o relatório "O nosso futuro comum" que dela saiu, que é a base do paradigma do desenvolvimento sustentável. O desafio para erradicar a pobreza no Brasil é um desafio estratégico essencial.

Temos de formular políticas públicas, processos e programas que permitam retirar as pessoas da pobreza, mas em que o uso sustentado dos recursos naturais é absolutamente parte desse processo. Não temos que apostar no conflito, mas na sua minimização e naquilo que é essencial: a retirada das pessoas da pobreza para assegurar acesso à água, a alimentos, à qualidade ambiental, à qualidade do ar. O uso não sustentado dos recursos naturais leva a um ciclo que empobrece o homem e a natureza. Nos últimos 20 anos o Brasil avançou muito, mas deve avançar mais, e tenho a mais firme convicção que a Conferência Rio+20 em 2012 vai expressar exatamente estes novos caminhos, conjugando a erradicação da pobreza com os desafios da economia verde.

Em cinco anos, a área desflorestada da Amazónia caiu 60%. Como conseguiu o Brasil obter este bom resultado?


«Em 2004 o Brasil teve uma desflorestação de 27 mil km2 na Amazónia e em 2010 de apenas 6400 km2»
«Em 2004 o Brasil teve uma desflorestação de 27 mil km2 na Amazónia e em 2010 de apenas 6400 km2»
 A redução deu-se em função do Plano de Ação para a Prevenção e Controlo do Desmatamento na Amazónia Legal (PPCDAm). O plano foi lançado em 2004, para reduzir a taxa de desflorestação, que se apresentava em curva ascendente desde o início do século XX. Naquele ano, o índice chegava a 27 mil km2, e o plano teve como objetivo o ordenamento fundiário e territorial da região, com controlo ambiental e incentivo a atividades produtivas sustentáveis. Essa política envolveu 14 ministérios e permitiu aperfeiçoar o sistema de monitorização da cobertura florestal por satélite - e hoje a fiscalização tem respostas quase semanais, com muito mais eficiência, possibilitando que a desflorestação seja detetada no início.

Também foi criada em 2007 a lista de áreas para o combate à desflorestação da Amazónia, com legislação que estabeleceu que os municípios deveriam ser considerados prioritários nas ações de controlo e prevenção. A partir daí, o MMA passou a editar anualmente uma lista, que tem agora 48 municípios. Por outro lado, em 2008 foi lançada a Operação Arco Verde, com o objetivo de mudar o modelo de produção predatória para um modelo baseado na manutenção da floresta em pé, na geração de emprego e rendimentos sustentáveis, na cidadania e na qualidade de vida. A operação mobilizou forças do Governo Federal nas áreas social, de defesa civil, dos bancos públicos, etc. O MMA fez acordos com os setores produtivos da soja, da madeira e do armazenamento frigorífico para que não comprem produtos que tenham sido cultivados e criados em áreas desflorestadas ilegalmente.

Como se explica que tenha havido entretanto uma inversão nesta tendência no Mato Grosso, em março e abril, em que a desflorestação aumentou quase 500%, o que levou à criação de um gabinete de crise?

Os números ainda são muito recentes e estamos a avaliar os motivos que levaram a essa situação. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) está a trabalhar, em parceria com o MMA, com informações de satélite em tempo real. O gabinete de crise foi criado para articular o nosso trabalho com os ministérios da Defesa e da Justiça, também empenhados no combate à desflorestação nesse estado. Quase mil homens estão a trabalhar nesta ação e acreditamos que em dois meses poderemos anunciar a desflorestação zero no Mato Grosso.

Em 2004 o Brasil teve uma desflorestação de 27 mil km2 na Amazónia e em 2010 de apenas 6400 km2. O estado do Mato Grosso, nos mesmos anos, passou de 12 mil km2 para 820 km2 desflorestados. Portanto o Brasil está, de facto, a reduzir as emissões de CO2 associadas à desflorestação ilegal na Amazónia e a adotar práticas que promovem a sustentabilidade do uso da terra por intermédio da agro-silvo-pastorícia. Além disso moratórias na cultura da soja e na pecuária monitorizadas e auditadas entre o setor privado, o Governo e a sociedade civil.

No Mato Grosso ainda é cedo para falarmos numa relação causa-efeito quanto ao que se passou, mas este estado apresentou em janeiro e fevereiro de 2011 uma redução da desflorestação em comparação com igual período do ano passado. Em março ficou mais ou menos igual, mas em abril a desflorestação em todo o Brasil atingiu os 470 km2 e só o estado do Mato Grosso foi responsável por 407 km2, apesar de ser uma região onde 62% dos municípios estão a cumprir o plano de redução do desflorestação, e dos 38% restantes só 15% são responsáveis por esse foco de destruição da floresta. As ações imediatas que foram tomadas são conduzidas pelo Exército Brasileiro, a Força Nacional de Segurança e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), organismo que coordena toda essa iniciativa com a Polícia Federal, tentando entender quais são as causas.

O governador do estado do Mato Grosso comprometeu-se publicamente com o objetivo do "Desmatamento Zero" e os dados de maio que estamos agora a coligir já são bastante positivos. Temos uma monitorização diária por satélite e também estamos a monitorizar as áreas embargadas, que estão proibidas de uso. Estes dados vão diretos para a Polícia Federal para fazer os inquéritos e punir os proprietários, que veem suspensas as licenças ambientais e saiem dos programas oficiais, não tendo mais acesso ao crédito público. O governador do Mato Grosso comprometeu-se também a enviar ao Banco Central a lista dos proprietários que violaram a lei para não terem acesso ao crédito privado. Estamos, assim, a retirar da base da produção quem não quer cumprir a lei, usando instrumentos de fiscalização mas também instrumentos económicos.

A Amazónia foi afetada pela maior seca de sempre em 2010 e, segundo o INPE, as secas estão a tornar-se mais frequentes. As mudanças climáticas podem conduzir à savanização da região?

Alguns cientistas fizeram estudos em que apresentam certos cenários de como as mudanças climáticas vão afetar a Amazónia, mostrando a savanização de algumas áreas. O aquecimento global significa risco para as florestas de todo o mundo, mas o que há são projeções e não se pode afirmar com certeza o que é que acontecerá.

E quanto à Mata Atlântica?

A Mata Atlântica é o conjunto de ecossistemas mais ameaçados de extinção no mundo, a seguir à floresta de Madagáscar. Nos últimos 20 anos, o Governo tem criado legislação capaz de proteger o que sobrou de vegetação e de estimular a recuperação de áreas, já que a Mata Atlântica se encontra muito fragmentada ao longo de 1,3 milhões de km2. Dos 22% da vegetação que ainda existe, 7% estão bem conservados, e o Brasil conseguiu reduzir a desflorestação em alguns estados em mais de 90% (São Paulo e Espírito Santo). Na média geral, essa redução atingiu 80%.

Voltando à aprovação do novo Código Florestal do Brasil, os cientistas defendem uma discussão mais detalhada, os ambientalistas são contra, porque flexibiliza a legislação ambiental, e a Presidente Dilma já ameaçou que vetará o documento se houver amnistia aos desmatadores e redução das áreas de proteção. Qual é a sua posição?
«O Brasil está a passar por um debate absolutamente estratégico sobre o código florestal»

«O Brasil está a passar por um debate absolutamente estratégico sobre o código florestal»

O Brasil está a passar por um debate absolutamente estratégico sobre o código florestal, mas na minha opinião pessoal o que se está a discutir realmente é uma lei sobre o uso da terra, e todo o debate está ainda muito preocupado em corrigir situações do passado, algumas delas muito legítimas e que devem ser, de facto, corrigidas. Mas também é importante que o Brasil tenha uma lei com uma visão de futuro sobre a economia florestal e sobre a agricultura sustentável.
Toda a nossa intervenção sempre se deu na perspetiva de qualificar o debate e assim traduzir a revisão do Código Florestal no efetivo aprimoramento desta norma tão importante para o desenvolvimento sustentável do país. O processo está em curso, abrindo o debate agora no Senado, que será mais propício ao aprofundamento da avaliação sobre os pontos de maior relevância, esperando que com isso se consiga a tão desejada convergência dos critérios que assegurem a compatibilidade do uso dos recursos naturais com a sua conservação a longo prazo.

O Brasil evoluiu tremendamente no debate sobre a agricultura de baixo carbono, como consequência da política nacional de mudanças climáticas, um plano setorial que já está estabelecido desde o ano passado, que introduz mecanismos extremamente modernos que levam à redução das emissões aumentando a competitividade, na plena consciência de que o Brasil tem o papel essencial num dos grandes desafios do mundo: a segurança alimentar. Mas também tem um papel essencial noutro desafio do mundo, a segurança climática e a conservação da biodiversidade. Encontrar o equilíbrio destes fatores é o desafio do Senado brasileiro com o debate sobre o novo Código Florestal. O que foi aprovado na Câmara dos Deputados já representa avanços, se compararmos com o primeiro relatório sobre o assunto em 2010 realizado por uma comissão especial instituída pela Câmara dos Deputados, que é muito mais conservador. Mas para o Governo brasileiro ainda é insatisfatório.

Agora devemos discutir tudo isto no Senado Federal, que vai pedir três ou quatro meses para o debate, de tal maneira que possamos encontrar uma alternativa ao documento que veio da Câmara dos Deputados. Temos, assim, um processo de negociação numa democracia consolidada, onde os três poderes se respeitam e onde é o diálogo político que leva à convergência e à procura de soluções. É um desafio monumental, que quer que o Brasil tenha um peso maior na economia dos produtos e subprodutos florestais. Hoje, esse peso atinge 4% do total mundial, mas facilmente podemos chegar aos 8% a 10%. Acho que temos um ambiente político muito favorável, e a determinação da Presidente Dilma Rousseff para podermos negociar no Senado Federal. Enfim, mantenho-me otimista.

Tem-se falado muito no valor dos serviços prestados pelos ecossistemas. Como é que o mercado já valoriza esses serviços no Brasil?

Através de dois tipos de iniciativas: iniciativas voluntárias com o setor privado e um debate amplo no Congresso Nacional para se criar um quadro legal sobre os pagamentos de serviços ambientais. O Governo já enviou um projeto de lei ao Congresso e há mais três projetos em discussão. O trabalho com o setor privado é também relacionado com outros temas como as alterações climáticas. Há projetos demonstrativos colocados em prática que promovem a recuperação de árvores degradadas ou remuneram a floresta em pé por conta dos serviços ambientais que presta, e que traduzem benefícios económicos e sociais para toda a coletividade.

Neste momento também está a decorrer um debate intenso, que está na reta final, sobre o Programa de Erradicação da Pobreza que a Presidente Dilma Rousseff vai lançar, que inclui uma componente de pagamento de serviços ambientais às populações tradicionais que cuidam da floresta, conciliando a erradicação da pobreza com o uso sustentado dos recursos naturais. Temos experiências inovadoras a nível estadual e federal, mas ainda numa base voluntária, faltando a consolidação do processo com nova legislação. O próprio debate do Código Florestal reconhece que se deve remunerar a agricultura familiar e adicionar rendimentos através do pagamento dos serviços ambientais.

As cheias no Rio de Janeiro provocaram centenas de mortos e dezenas de milhares de desalojados no início de 2011. As políticas de ordenamento do território têm falhado na gestão do enorme crescimento urbano no Brasil?

Os eventos climáticos extremos estão a intensificar-se, a sua frequência está a aumentar e a expansão desordenada da ocupação urbana é um fenómeno que disparou nas últimas décadas. A gestão dessa forte tendência de ampliação dos espaços urbanos é complexa e os instrumentos desenvolvidos para tal são ainda incipientes, o que permitiu a construção de casas em muitos espaços inadequados para a ocupação humana, não raro por populações carentes. A incapacidade de pronta resposta do poder público agravou esse quadro, que se consolida quase sempre com a ausência completa de serviços públicos básicos. A gravidade ou mesmo o quadro catastrófico associado a determinados eventos climáticos decorre nomeadamente da ocupação das chamadas áreas de risco, agravada com a precariedade das construções.

O quadro atual remete assim para a necessidade de aplicação efetiva e aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão, incentivando a maior participação popular e o maior empenhamento das autoridades públicas na construção de soluções adequadas, o que significa em certos casos assumir a necessidade de promover o realojamento de comunidades que ocupam áreas de risco onde a mitigação deste se mostre inviável ou de baixa eficiência.
Versão integral da entrevista publicada na edição impressa do Expresso de 28.05.11

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César Torres

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