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sábado, 4 de junho de 2011

O novo Código Florestal contribui para o crescimento econômico?

“O Brasil não terá ganhos econômicos com a aprovação das alterações do Código Florestal, que aguarda votação no Senado”, aponta Carlos Eduardo Young, especialista em Desenvolvimento Sustentável e Instrumentos Econômicos para o Meio Ambiente, em entrevista à IHU On-Line.

Para o pesquisador, as mudanças no Código Florestal apresenta equívocos e um deles se refere à ideia de que o desmatamento gera crescimento econômico. Para ele, em vez de desmatar as florestas e áreas de preservação, o Brasil pode beneficiar-se economicamente se optar pela conservação ambiental. “Todos os setores devem ter produtos certificados como, por exemplo, madeira sustentável certificada. Também é possível investir no turismo com visitação de áreas de preservação. No setor pesqueiro, por outro lado, há um enorme potencial para produtos oriundos de áreas de conservação”, exemplifica.

Young lembra que, se aprovadas, as mudanças no Código Florestal terão impacto negativo na posição brasileira em relação às questões ambientais. “O Brasil está buscando um papel de liderança na discussão sobre as mudanças climáticas e o calcanhar de Aquiles brasileiro é justamente o desmatamento, o qual torna o país um dos maiores emissores de CO2 do mundo”.

Recordando a assinatura da Lei Áurea, que aboliu com a escravidão no Brasil, o economista ironiza: “Se dependesse do atual Congresso Nacional, a Lei Áurea jamais seria assinada. Usariam os mesmos argumentos: vão faltar alimentos, o Brasil vai quebrar porque não vai mais exportar café, os ex-escravos vão ficar sem moradia, comida e ‘emprego’, o agronegócio vai ser prejudicado por ‘gente da cidade’ que não entende nada do campo”.

Carlos Eduardo Young é doutor em Economia pela Universidade de Londres e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – De que maneira o atual texto do Código Florestal pode impactar na economia nacional, caso seja aprovado no Senado?

Carlos Eduardo Young – Se aprovado o atual texto do novo Código Florestal, o efeito de ganho econômico é pequeno. O provável aumento do desmatamento, permitido pelo atual projeto, não significa expansão considerável da produção econômica, até porque boa parte desta produção é destinada à pecuária, que tem baixa produtividade.

As mudanças no Código Florestal têm um aspecto bastante perigoso no que se refere à sua mensagem. Elas subentendem que o Congresso irá agir em prol dos interesses específicos dos setores A, B e C. Ou seja, dos proprietários rurais. Isto ocorrerá sempre que houver uma mobilização suficientemente forte, como se os motoristas de vans, por exemplo, fizessem um movimento para mudar o Código de Trânsito sempre que existir um problema com excesso de multa ou fiscalização.

As alterações no Código Florestal também têm impacto negativo nas negociações internacionais e na posição brasileira em relação às questões ambientais. O Brasil está buscando um papel de liderança na discussão sobre as mudanças climáticas e o calcanhar de Aquiles brasileiro é justamente o desmatamento, o qual torna o país um dos maiores emissores de CO2 do mundo. Essa emissão de CO2 gera pouco valor adicionado, isto quer dizer que a quantidade de real por tonelada de carbono emitida em função do desmatamento é muito baixa.

O Brasil assumiu, em 2010, uma meta de redução de emissão até 2020 da ordem de 36%. Se não houver uma redução significativa do desmatamento, essa meta não será atingida e o Brasil perderá a capacidade de criticar os países desenvolvidos. Isso enfraquece uma das ações que o Brasil estava buscando: a de conseguir crédito por meio de ações de redução do desmatamento.

Além do mais, o atual texto do Código Florestal cria uma expectativa de que novas anistias poderão ser criadas, o que é preocupante. Cria-se também uma possibilidade de anistia permanente, quer dizer, aquele que nunca cumpriu a lei, não precisará cumpri-la. Ou seja, trata-se de uma lei que retira sua própria força. Ao criar uma excessiva flexibilização da figura da reserva legal e de áreas de preservação permanente, o Código Florestal retira a força de mecanismos que o país estava desenvolvendo, como o pagamento por serviço ambiental.

Código Florestal

Se o texto aprovado na Câmara dos Deputados para o Código for aprovado pelo Senado da forma como está, certamente ele sofrerá vetos específicos da presidenta, conforme ela declarou. Não vou entrar na discussão política do custo desse veto; o Senado vai tentar encontrar uma solução. Uma consequência da consolidação das áreas desmatadas na forma como está sendo proposta seria o agravamento de situações a que já estamos assistindo em todo o Sudeste do país em termos de exposição maior a riscos de eventos extremos como, por exemplo, enchentes e secas. As pessoas que morreram em função das chuvas na Serra Fluminense e, antes, no Morro do Baú, em Santa Catarina, moravam em áreas de preservação permanente. Se essas áreas de preservação tivessem sido respeitadas, teria uma redução significativa das tragédias que ocorreram.

IHU On-Line – Quais as implicações do desmatamento para o desenvolvimento econômico brasileiro em longo prazo?

Carlos Eduardo Young – Um estudo feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD demonstra que, ao contrário do que se acreditava, o desmatamento não gera crescimento econômico e que a conservação da biodiversidade pode ser uma base para o crescimento. Há uma iniciativa internacional conhecida como Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB, em inglês), que mostra como as ações de conservação são produtivas para os negócios, para a geração de emprego e renda.

Fizemos um estudo mostrando como o Brasil pode se beneficiar economicamente pela conservação. Além disso, o estudo do PNUD mostra que, setorialmente, o Brasil tem muito a ganhar com a conservação. A produção de bicombustível, por exemplo, pode ser uma alternativa de substituição a combustíveis fósseis e, portanto, uma solução potencial para o setor de transporte, na medida em que reduzem as emissões de CO2. Entretanto, para que esse aspecto positivo prevaleça, não deve ocorrer o aumento do desmatamento.

Doenças geradas pelo desmatamento

O crescente desmatamento também aumentou a propagação de doenças por vetores ou por mosquitos. Nesse sentido, o aumento do desmatamento está relacionado à propagação de malária, dengue, de doença de chagas. Doenças que hoje são menos conhecidas estão relacionadas a desequilíbrios ecológicos, como as hantaviroses. O hantavirus é transmitido por roedores silvestres e tem altíssima letalidade.

Em função do desmatamento, também teremos um aumento de secas no futuro, que igualmente será resultante de mudanças climáticas. A cobertura florestal funciona como um elemento de acomodação de chuvas extremas. Então, ao reduzir a velocidade de deslocamento das chuvas, se reduz a capacidade de escoamento. Ao reduzir a velocidade de escoamento, a água fica mais tempo retida e, portanto, infiltra e repõe o lençol freático. A remoção dessa vegetação de encosta irá gerar mais inundações e, como não haverá reposição dos lençóis freáticos, acontecerão secas acentuadas e também enfrentaremos problemas de falta d’água. Isso afetará o consumo de água residencial e a agricultura.

IHU On-Line – O novo Código Florestal permite ou favorece de alguma forma a continuação do desmatamento?

Carlos Eduardo Young – Sim, porque ele coloca que não é necessário recompor as áreas desmatadas, aquelas chamadas de consolidadas. Ao fazer isso, cria-se uma expectativa de que pode ocorrer uma anistia para quem desmatar em 2012 ou 2016.

Além disso, o texto cria brechas para que propriedades de um determinado tamanho fiquem isentas de licenças ambientais. Por exemplo: suponha que o limite de 400 hectares isenta a propriedade de compromissos ambientais. Assim, o proprietário pode transformar um sítio de 800 hectares em duas propriedades de 400.

Para piorar, se flexibilizarem a forma do limite da propriedade com a questão do módulo fiscal, que é o que define a pequena propriedade, se terá um motivo para que haja uma legislação local que aumente esse limite. É por isso que o governo está fazendo um esforço para impedir o que seria uma espécie de corrida contra as florestas, com os estados e municípios buscando aumentar a produção agrícola e reduzindo cada vez mais as reservas ambientais.

Há um esforço hoje de modernização da gestão ambiental através do uso de instrumentos econômicos que flexibilizem de forma racional o atendimento ambiental como, por exemplo, a questão de créditos de carbono. Quer dizer, quem protege um manancial está contribuindo para manter a quantidade e qualidade da água que será captada desse manancial. É preciso que haja uma estabilidade institucional para que as regras do jogo sejam claras e não sejam alteradas ao longo do tempo. Ao se retirar a importância do atendimento ambiental das metas de controle do desmatamento, retira-se o interesse do produtor rural em manter essas áreas protegidas e desmoraliza esse tipo de proteção, reforçando a tendência antiga de que a preservação deve ser feita pelo Estado e apenas em áreas públicas.

IHU On-Line – Como é possível garantir o desenvolvimento econômico e social a partir da preservação das florestas?

Carlos Eduardo Young – Através do uso racional de preparo dos recursos naturais utilizando a inovação como elemento-chave de competitividade. Todos os setores devem ter produtos certificados como, por exemplo, madeira sustentável certificada. Também é possível investir no turismo com visitação de áreas de preservação. No setor pesqueiro, por outro lado, há um enorme potencial para produtos oriundos de áreas de conservação. A indústria de cosméticos e fármacos pode desenvolver novos produtos a partir da biotecnologia com base na biodiversidade. Os exemplos são inúmeros.

IHU On-Line – Qual é a aceitação dos biocombustíveis brasileiros no exterior? Em que medida o desmatamento para a produção de etanol e biodiesel desfavorece a venda desses produtos no mercado internacional?

Carlos Eduardo Young – Em geral o problema dos bicombustíveis não está ligado ao Brasil, especificamente, mas às consequências da expansão dos bicombustíveis nas florestas tropicais. Isso causa problemas de natureza diferente. A produção de bicombustível asiático na Indonésia, por exemplo, é feita a partir da plantação de florestas para produzir óleo de palma, ameaçando a preservação de espécies nativas como os orangotangos.

No caso brasileiro, o problema ocorre em função da queimada. Com a expansão de cana-de-açúcar e da soja em áreas antes ocupadas por pastagens, deveria ocorrer o aumento da produtividade da pecuária, precisando-se de menos terra para alcançar a mesma produção. Porém, a prática comum é simplesmente expandir a área de fronteira e queimar mais florestas para fazer mais pastagem a fim de liberar mais área para serem plantadas para bicombustíveis.

Em particular, a União Europeia está preocupada com esse tipo de efeito e criou uma norma estabelecendo condicionantes de sustentabilidade para a importação de bicombustível.

IHU On-Line – Como vê a articulação entre crescimento econômico e meio ambiente no Brasil? Por que o desmatamento é compreendido como sinônimo de progresso no país?

Carlos Eduardo Young – Porque o país foi construído à base de um trabalho escravo, destruindo florestas e ganhando terras em cima dessas áreas desmatadas, como se essa terra não tivesse limite. O Brasil é o país da Casa Grande Senzala. Nós trocamos o trabalho escravo pelo trabalhador livre e, depois, pela colheitadeira. Mas a visão de ocupação da terra em cima de uma forma predatória da terra permaneceu porque, como não se impõe limites, as pessoas costumam achar que a terra é de graça.

Se dependesse do atual Congresso Nacional, a Lei Áurea jamais seria assinada. Usariam os mesmos argumentos: vão faltar alimentos, o Brasil vai quebrar porque não vai mais exportar café, os ex-escravos vão ficar sem moradia, comida e “emprego”, o agronegócio vai ser prejudicado por “gente da cidade” que não entende nada do campo.

Quem fosse um “escravocrata consolidado” poderia continuar tendo escravos para sempre, e a “Corte” não deve decidir sobre esse assunto, cada província é que deve legislar sobre como o proprietário deve tratar dos seus escravos.

Quanto aos ambientalistas, seriam chamados de “liberacionistas radicais” a serviço de interesses estrangeiros (no caso, britânicos, que foram os que mais pressionaram pelo fim da escravidão). Aliás, como hoje, a bancada ruralista de 1888 pressionou por indenizações. Não para os escravos libertos, mas para os ex-proprietários “quebrados” que perderam seu patrimônio. Afinal, por que tratar um senhor de escravos como um criminoso se a lei sempre tinha permitido essa forma de barateamento dos custos da produção, um pequeno preço a ser pago pela competitividade do agronegócio?

IHU On-Line – O senhor defende que os serviços ambientais gerados pelas florestas podem ser mais lucrativos que o desmatamento e agropecuária. Como se faz essa conta? O Brasil tem algum programa nesse sentido?

Carlos Eduardo Young – Existem importantes avanços, tanto na área pública, como o ICMS ecológico, que transfere recursos para municípios com unidades de conservação, quanto na área privada, como o Projeto Oásis, que paga aos produtores rurais que respeitam as atuais determinações do Código Florestal e recebem pelo serviço ambiental “proteção da água”. Projetos têm recebidos recursos por reduzir emissões de desmatamento através de ações de conservação, como o Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES, e a Reserva do Juma, do estado do Amazonas. Usam-se metodologias específicas para cada caso, pois o problema é complexo. Mas falta muito a avançar, e as alterações aprovadas pela Câmara dos Deputados prejudica bastante esses avanços, induzindo o Brasil a retornar para a visão do comando e controle, onde a proteção ambiental deve ser restrita às unidades de conservação.
(Ecodebate, 03/06/2011) publicado pelo IHU On-line

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César Torres

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